Promessas

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— Esse é o último, não é? — Jimin recebeu o relatório semanal da sua secretária.

— É, é sim.

— Certo... — Deixou o maço de folhas de lado — Obrigado, Flor.

— De- de nada...

— Am... Flor... — Levantou os olhos pra ela: sua amiga de infância era mais alta que ele, e parecia mais alta ainda ali, de pé diante da sua mesa, com a saia social justa às pernas longas, a camisa social de mangas compridas bem passada e os cabelos castanho avermelhados soltos até a cintura — Se esse é o último relatório, seu horário acabou, então...

— E-eu posso ficar aqui com você — Ela disse, apressada — P-por favor...

— Flor... — Jimin suspirou, tirando os óculos e massageando a ponte do nariz — Eu não vou te pôr pra trabalhar mais do que você precisa: seu banco de horas já tá cheio, sério, você tem é que tirar umas férias pra descansar...

— Mas você trabalha além do que precisa!

— Sim... eu herdei a empresa a pouco tempo...

— E eu quero te ajudar — Ela segurou as mãos junto ao peito: estavam trêmulas, Jimin não deixou de notar — Eu vim morar aqui por sua causa! Eu vim trabalhar aqui por sua causa!

— Flor...

— Tudo o que eu quero é estar aqui por você...

— Não vamos discutir isso de novo — Pôs um ponto final no assunto, se levantando da sua mesa — Não queremos a mesma coisa — Pegou a bolsa da moça do cabideiro, bem como seu casaco — Já conversamos sobre isso — Foi até a porta do seu escritório: abriu-a — Vamos, eu te levo pra casa.

— E-eu sei que você não quer se comprometer num relacionamento, mas eu não me importo!

— Flor...

— Você pode continuar saindo! Com quantas pessoas quiser! Eu não me importo! Eu só quero estar com vo-

— Flor! — Se exaltou, fazendo a moça saltar sobre os tamancos num sustinho. Respirou fundo — Eu não quero namorar, eu não quero me casar, e eu nunca menti pra ninguém sobre isso.

— E-eu sei, mas...

— E eu só me relaciono com quem não vai ter problemas com isso.

— Eu não vou ter...

— Você vai, Flor... — Suspirou, pesadamente — Você quer alguém que só tenha olhos pra você, que te leve pro altar, que te dê filhos... — Olhou pra ela: Flor estava chorando. — Não há nada de errado nisso, Flor, mas eu não posso te dar isso — Disse, mesmo assim — E você sabe disso.

Flor tinha aparecido pra fazer a entrevista de secretária pessoal na sua empresa já fazia um ano. Foi um choque pra ele, ver sua amiga de infância de repente ali, morando na sua cidade, querendo trabalhar com ele, e por isso mesmo que a escolheu sem nem pensar. Bem, era a Flor, a querida Florzinha, sua amiga dos tempos de criança, e que foi sua primeira namoradinha também, quando ainda era vizinho dela e de Taehyung. Ah!... é... Taehyung... É claro que olhar pra ela também o fazia se lembrar de Taehyung, e mentiria se dissesse que esse também não foi um dos motivos de a querer por perto, por aquele sentimento de nostalgia que deixava quentinho o coração.

Mas aquilo não durou muito, porque Flor se confessou pra ele. Não houve olhares, não houve flertes: era sua amiga de infância, um relacionamento bobo da pré-adolescência, e agora sua secretária, Jimin nem sequer tinha pensado na possibilidade, então apenas disse que não.

Flor insistiu, no entanto, e logo que percebeu que Jimin levava uma vida de apenas sexo sem romance começou a insistir ainda mais.

— Vamos, Flor... — Jimin ergueu uma das mãos, com seu casaco e bolsa num braço e a outra na maçaneta — Eu te levo pra casa.

Jimin não entendia porquê, e estava começando a ficar cansado de tentar entender. Flor tinha na cabeça um sonho de princesa, dava pra ver no seu rosto, e ele não tinha nada daquilo pra dar, nada mesmo, então porque estava tão cismada com ele?

— Uhm — Ela concordou, de cabeça baixa: a franja fazendo uma sombra opaca sobre o olhos marcados pelas lágrimas — Se-se é assim...

— Flor...?

Jimin nunca se esqueceu da cena que viu, como que em câmera lenta: um canivete escorregando de dentro da manga da camisa branca pra mão dela; seus dedos de unhas feitas o abrindo, o som sutil da lâmina cortando o ar e voando pro seu pescoço fino.

Quando deu por si estava em cima dela, no chão, segurando firmemente seus pulsos contra o carpete: não houve nenhum machucado grave, mas um arranhado, curto e muito na superfície, perto do colarinho da camisa; Jimin nunca se esqueceu da sua cor avermelhada, nunca se esqueceu do completo frio que sentiu, da secura na garganta enquanto ouvia Flor chorar aquelas palavras:

— Eu não quero que você seja fiel, eu só quero que você me ame! — Gritava, entre soluços — Você nunca ligou pra mim! Você nunca me viu! Se você não me ver, qual o sentido de viver pra mim?!

— E-eu te vejo...

— É mentira — Ela esperneou abaixo dele — Você sempre gostou mais do Taehyung! Você só não quer estar num relacionamento sério porque ele não está aqui!

— Eu não vejo o Taehyung faz anos...

— Se visse o abraçaria! O beijaria! Eu tenho certeza! Acha que eu não sei?! Vocês se gostavam! Vocês se amavam enquanto eu só tinha olhos pra você!

— Flor, nós eramos crian-

— E daí?!! Eu nunca esqueci você! — Ela esperneava: seus pulsos quase lhe escaparam das mãos — Eu quero você! Você não precisa mudar! Eu só quero você!

Silêncio, cortado pelo pranto de Flor que enfraquecia lentamente. Silêncio, um silêncio que encheu Jimin de um desespero que nunca tinha sentido antes. Flor ainda segurava aquele canivete com força, a ponto dos nós dos dedos estarem brancos, e aquilo era tudo que ele conseguia ver.

— Eu vou namorar você — Foi o que ele disse — E vou me casar com você... então... la-larga essa faca, ok...? E me promete que nunca mais vai tentar isso.

Jimin já tinha ouvido de muita gente com quem dormiu mais de duas noites coisas horríveis. "Malandro", "vagabundo", "volátil", "desleal", "infiel"... Pra tudo ele tinha uma resposta rápida e na ponta da língua: "Eu nunca te prometi nada", e não estava mentindo; se tinha uma coisa da qual Jimin não se omitia em dizer era que não podia oferecer nada além de uma boa foda, até porque não era nada além daquilo que ele mesmo queria.

Mas "me promete... me promete que nunca mais vai tentar isso de novo", foi algo que ele só precisou dizer uma vez, e foi pra Flor.

— Sabe, Tae... — Encostou uma das mãos no couro do volante, enquanto esperava o sinal vermelho, no caminho de volta depois que Taehyung tirou as medidas com o alfaiate — Quando você disse que a Flor... não merece um cara como eu...

— Vai negar? — Taehyung perguntou, de mão no queixo e biquinho pra janela: parecia emburrado.

— Não, eu... ia dizer que concordo com você — O sinal abriu — Eu concordo que a Flor... não merece. Ela não merece um cara como eu.

— E então?

— E então o quê?

— Então termine com ela! Deixe ela livre pra amar outra pessoa.

— Eu...

"Eu deixaria, Tae... eu deixaria..."

— Eu não posso.

— Por quê?!?

— Porque eu fiz uma promessa.

More than friends - VminOnde histórias criam vida. Descubra agora