Conto 24° - Repreensão

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Vivi entre mandamentos em busca da perfeição, tentando encontrar meu lugar nesta prisão. Não importa o que faça ou desfaça, meu lugar não é aqui e isso não será em prol de minha desgraça.

Talvez eu tenha colocado um cadeado em uma jaula com barras feitas de vidro e jogado as chaves em um poço desconhecido.  Talvez tenha-me julgado errado e sentenciado neste lugar solitário e sombrio.

Minha alma apodreceu por cada dia riscado nas paredes de mármore, cada noite mal dormida nesta cama que foi construída na base de uma apodrecida árvore. As gotas desta cela me enlouquecem e trazem lembranças que me adoecem.

A repreensão em que eu mesmo me coloquei, julgamentos, culpas e a auto depreciação vem todas de minha mente inconveniente. Salvo a minha desilusão sobre o mundo, uso o travesseiro para cobrir meus pobres ouvidos que outrora ficaram surdos.

Certo dia, um reflexo do chão molhado fez algo além de ser um incomodo sórdido. Vi sombras de entes queridos me dizerem para pagar a fiança dos meus pecados enquanto vivo, me perdoem.

Nada realmente importa, eu prometi à você amor eterno em um poema eu lírico, mas de ti recebi apenas desdém e sensações de vazio.  A sensação do frio e da taquicardia disparam e me encontro em abstinência, do seu abraço e de sua companhia em sua residência.

A cela está quebradiça e prestes a desabar sobre minha cabeça, os estilhaços me farão sucumbir a fragilidade humana e simplesmente deixar de existir. No fim, nada mais de gotas, enfermidade ou o eco dos ratos tentando roer meus dedos dos pés.

Nada de reflexos sobre as poças ou de pessoas que me olharam com angústia. E a sensação disso tudo ocorrer surge em apenas uma fagulha. Trazendo paz e conforto em meu coração, sinto que posso dizer adeus à quem me colocou neste inferno, posso me despedir de mim mesmo, que viveu com essas dores de inverno em inverno.

Despeço-me deste antigo eu ingênuo e boçal, que vivia entre mandamentos em busca de algo surreal, algo empírico e bestial. Ao antigo eu, não há mais conserto, ao novo, apenas um pequeno e singelo desejo. 

Mesmo que seja incongruente, quero viver novamente.


Contos e poemas sóbriosOnde histórias criam vida. Descubra agora