CAPÍTULO 6
No qual nosso herói faz progresso.
Deus do céu, o que ela dissera?
Esse único pensamento martelava a cabeça de Lucy quando ela deitou na cama naquela
noite, horrorizada demais até para ficar se revirando. Ficou deitada de costas, olhando para o
teto, totalmente imóvel e mortificada.
E na manhã seguinte, quando olhou no espelho, suspirando ao notar olheiras, lá estava tudo
de novo...
Ah, Sr. Bridgerton, o senhor é muito melhor do que os outros...
E toda vez que ela pensava nisso, a voz em sua lembrança ficava mais aguda, mais risonha e
boba, até ela se transformar em uma daquelas criaturas horríveis – as garotas que ficavam
agitadas e nervosas toda vez que o irmão mais velho de alguém aparecia para uma visita na
escola.
– Lucy Abernathy, sua tola – murmurou baixinho.
– Você disse alguma coisa?
Hermione, próxima à cama, olhou para a amiga. Lucy já estava com a mão na maçaneta da
porta, pronta para sair para o café da manhã.
– Estou só fazendo umas contas na minha cabeça – mentiu Lucy.
Hermione voltou a colocar os sapatos.
– Pelo amor de Deus, por quê? – perguntou, mais para si mesma.
Lucy deu de ombros, embora Hermione não estivesse olhando para ela. Sempre dizia que
estava fazendo contas em sua cabeça quando Hermione a pegava falando sozinha. Não fazia
ideia de por que a amiga acreditava nela – Lucy detestava contas, quase tanto quanto odiava
frações e tabuadas. Mas parecia o tipo de coisa que ela poderia fazer, por ser assim tão prática, e
Hermione nunca questionara.
Às vezes Lucy murmurava um número, só para parecer mais real.
– Está pronta para descer? – perguntou a Hermione, girando a maçaneta.
Não que ela estivesse. A última coisa que queria era ver qualquer pessoa. O Sr. Bridgerton
em particular, é claro, e pensar em enfrentar o mundo como um todo era assustador.
Mas ela estava com fome, e teria de aparecer alguma hora, então não via por que sua
infelicidade deveria vir acompanhada de um estômago vazio.
Enquanto se dirigiam à sala do café da manhã, Hermione olhou para ela com ar curioso.
– Você está bem, Lucy? – perguntou. – Parece um pouco estranha.
Lucy lutou contra a vontade de rir. Ela era estranha. Era uma idiota e provavelmente não
deveria ser deixada solta em público.
Deus do céu, havia mesmo dito a Gregory Bridgerton que ele era melhor do que os outros?
Ela queria morrer. Ou, pelo menos, esconder-se debaixo de uma cama.
Mas não, ela não conseguia nem fingir que estava se sentindo mal e aproveitar o descanso.
Nem lhe ocorrera tentar. Ela era tão ridiculamente normal que estava de pé e pronta para tomarcafé antes mesmo de conseguir formar um único pensamento coerente.
Além de refletir sobre sua evidente loucura, é claro. Não tinha nenhuma dificuldade em se
concentrar nisso.
– Bem, você está ótima, de qualquer maneira – elogiou Hermione quando chegaram à
escada. – Adorei essa fita verde com o vestido azul. Eu não teria pensado nisso, mas ficou lindo.
E combinou de maneira tão adorável com os seus olhos...
Lucy olhou para sua roupa. Não tinha nenhuma recordação de ter se vestido. Era um
milagre não parecer que tinha escapado de um circo cigano.
Embora...
Deixou escapar um suspiro. Fugir com os ciganos parecia uma ideia bastante atraente,
prática, até, uma vez que tinha certeza de que nunca iria mostrar sua cara em uma sociedade
civilizada de novo. Claramente estava lhe faltando uma conexão muito importante entre o
cérebro e a boca, e só Deus sabia o que poderia sair de seus lábios em seguida.
Meu Deus, poderia muito bem ter dito a Gregory Bridgerton que o achava um deus.
O que ela não achava. De modo algum. Só acreditava que ele seria um melhor partido para
Hermione. E tinha lhe dito isso. Não tinha?
O que exatamente ela dissera?
– Lucy?
Ela dissera... que...
Lucy congelou.
Santo Deus. Ele ia pensar que ela gostava dele.
Hermione andou mais alguns passos antes de perceber que Lucy não estava mais ao seu
lado.
– Lucy?
– Sabe, acho que na verdade não estou com fome – disse ela, a voz um pouco estridente.
Hermione parecia incrédula.
– No café da manhã?
Era um pouco forçado. Lucy sempre comia como um marinheiro no café da manhã.
– Eu... hã... acho que algo não me fez bem ontem à noite. Talvez o salmão. – Ela colocou a
mão na barriga para enfatizar o que dizia. – Acho que eu deveria me deitar.
E nunca mais levantar.
– Você parece mesmo um pouco pálida – observou Hermione.
Lucy abriu um fraco sorriso, decidindo ser grata pelas pequenas coisas.
– Que que eu lhe traga alguma coisa? – perguntou-lhe a amiga.
– Sim – respondeu Lucy fervorosamente, esperando que Hermione não tivesse ouvido o
ronco de seu estômago.
– Ah, mas eu não devia – disse Hermione, levando um dedo aos lábios com ar pensativo. –
Talvez seja melhor você não comer, se está se sentindo enjoada. A última coisa que você deve
querer é vomitar.
– Não é enjoo, exatamente – improvisou Lucy.
– Não?
– É... hã... um pouco difícil de explicar. Eu...
Ela se escorou na parede. Quem poderia imaginar que tinha tanto talento para atriz?
Hermione correu para seu lado, a preocupação franzindo-lhe a testa.
– Ah, meu Deus... – falou, passando um braço pelas costas de Lucy. – Você está muito
pálida.Lucy piscou. Talvez estivesse ficando doente. Isso seria ainda melhor, porque a manteria
afastada por dias.
– Vou levá-la de volta para a cama – disse Hermione, sem dar espaço para discussão. – E
depois vou chamar minha mãe. Ela vai saber o que fazer.
Lucy assentiu, aliviada. O remédio de Lady Watson para qualquer tipo de doença era
chocolate e biscoitos. Nada ortodoxo, com certeza, mas como era o que a mãe de Hermione
escolhia sempre que dizia estar doente, não podia negar isso a ninguém.
Hermione a guiou de volta ao quarto e até mesmo tirou os sapatos de Lucy antes que ela
deitasse na cama.
– Se eu não a conhecesse tão bem, acharia que está fingindo – comentou Hermione,
atirando os calçados descuidadamente no armário.
– Eu nunca faria isso.
– Ah, faria, sim. Com certeza faria. Mas nunca conseguiria levar até o fim. Você é muito
tradicional.
Tradicional? O que isso tinha a ver?
Hermione bufou um pouco.
– Eu provavelmente vou ter que me sentar com aquele enfadonho Sr. Bridgerton no café.
– Ele não é tão terrível – disse Lucy, talvez com um pouco mais de entusiasmo do que se
poderia esperar de alguém doente.
– É, acho que não – concordou Hermione. – Ao menos é melhor do que a maioria, me
atrevo a dizer.
Lucy estremeceu com o eco das próprias palavras. Muito melhor do que os outros. Muito
melhor do que os outros.
Devia ter sido a coisa mais terrível que já havia saído de seus lábios.
– Mas não é para mim – continuou Hermione, alheia à angústia da amiga. – Ele logo vai
perceber isso. E então vai seguir em frente e cortejar outra pessoa.
Lucy duvidava disso, mas não disse nada. Que confusão. Hermione estava apaixonada pelo
Sr. Edmonds, o Sr. Bridgerton estava apaixonado por Hermione e Lucy não estava apaixonada
pelo Sr. Bridgerton.
Mas ele devia achar que ela estava.
O que era um absurdo, é claro. Ela nunca permitiria que isso acontecesse, estando
praticamente noiva de lorde Haselby.
Haselby. Ela quase gemeu. Aquilo tudo seria muito mais fácil se ela se lembrasse do rosto
dele.
– Talvez eu peça para trazerem o café da manhã – disse Hermione, o rosto se iluminando
como se ela tivesse acabado de descobrir um novo continente. – Você acha que mandariam uma
bandeja aqui para cima?
Ah, maldição. Lá se iam todos os seus planos. Agora Hermione tinha uma desculpa para
ficar no quarto delas o dia todo. E no seguinte também, se Lucy continuasse a fingir que se sentia
mal.
– Não sei por que não pensei nisso antes – continuou Hermione, indo em direção ao cordão
da campainha. – Prefiro ficar aqui com você.
– Não! – gritou Lucy, o cérebro dando voltas, enlouquecido.
– Por que não?
Lucy pensou rapidamente.
– Se pedir que lhe tragam uma bandeja, pode não ter o que quer.– Mas eu sei o que quero. Ovos cozidos e torradas. Com certeza podem trazer isso.
– Mas eu não quero ovos cozidos e torradas. – Lucy tentou manter a expressão o mais
lastimável e patética possível. – Você conhece tão bem o meu gosto... Se for à sala de café da
manhã, tenho certeza de que vai encontrar a coisa certa.
– Mas pensei que você não fosse comer.
Lucy colocou a mão de volta na barriga.
– Bem, eu posso querer comer um pouco.
– Ah, está bem – disse Hermione, agora soando mais impaciente do que qualquer outra
coisa. – O que você quer?
– Hã, talvez um pouco de bacon?
– Bacon? Mas você não está passando mal por causa do peixe?
– Não tenho certeza se foi o peixe.
Hermione ficou encarando-a por um longo instante.
– Só bacon, então? – perguntou finalmente.
– Hum, e qualquer outra coisa que você ache que eu possa gostar – respondeu Lucy, uma
vez que seria muito fácil pedir para trazerem bacon.
Hermione deixou escapar um suspiro contido.
– Eu volto logo. – Depois olhou para Lucy com um ar um pouco desconfiado. – Não vá se
cansar.
– Não vou – prometeu ela.
Então sorriu olhando para a porta, quando Hermione a fechou. Contou até dez e em seguida
pulou da cama e correu para o armário para endireitar seus sapatos. Quando ficou satisfeita com
o resultado, pegou um livro e voltou para se acomodar na cama e ler.
De um modo geral, aquela estava se tornando uma ótima manhã.
Quando Gregory entrou na sala de café da manhã, sentia-se muito melhor. O que tinha
acontecido na noite anterior... não era nada. Estava praticamente esquecido.
Ele não havia desejado beijar Lady Lucinda. Só havia se perguntado como seria, o que era
bem diferente.
Afinal, ele era homem. Já havia imaginado como seria beijar centenas de mulheres, na
maioria das vezes sem a menor intenção de sequer falar com elas. Todo mundo se perguntava. A
diferença era se você decidia fazer alguma coisa a respeito.
O que seus irmãos – seus irmãos felizes no casamento, ele devia acrescentar – disseram uma
vez? O casamento não os deixava cegos. Eles podiam não estar à procura de outras mulheres,
mas isso não significava que não notavam o que estava à sua frente. Quer fosse uma garçonete
com seios muito grandes ou uma respeitável senhorita com... bem, com lindos lábios, um
cavalheiro não podia simplesmente deixar de ver a parte do corpo em questão.
E se visse, então é claro que pensaria a respeito, e...
E nada. Aquilo não resultaria em nada.
O que significava que Gregory podia tomar seu café da manhã com a cabeça tranquila.
Ovos eram bons para a alma, ponderou. Bacon, também.O único outro ocupante da sala era o cinquentão e sempre formal Sr. Snowe, que felizmente
estava mais interessado em seu jornal do que em conversar. Após os obrigatórios cumprimentos
resmungados, Gregory sentou-se no extremo oposto da mesa e começou a comer.
A salsicha estava excelente. As torradas também estavam ótimas, com a quantidade certa de
manteiga. Faltava um pouco de sal nos ovos, mas, fora isso, estavam bem saborosos.
Experimentou o bacalhau. Nada mau. Nada mau mesmo.
Deu outra mordida. Mastigou. Aproveitou o momento. Pensou coisas muito profundas sobre
política e agricultura.
Depois passou, determinado, para a física newtoniana. Ele realmente devia ter prestado mais
atenção às aulas em Eton, porque não conseguia lembrar a diferença entre força e trabalho.
Vejamos, trabalho era aquela parte com quilograma-metro, e força era...
Ele não estava nem exatamente se perguntando. Para ser sincero, a culpa de tudo podia ser
um truque de luz. E seu humor. Estava se sentindo um pouco estranho. Ele tinha reparado nos
lábios de Lady Lucinda porque ela estava falando, pelo amor de Deus. Para onde ele deveria
olhar?
Gregory pegou o garfo com vigor renovado. De volta ao bacalhau. E ao seu chá. Nada
ordenava melhor a mente do que chá.
Tomou um longo gole, espiando por cima da borda da xícara, quando ouviu alguém vindo
pelo corredor.
E então ela surgiu à porta.
Ele piscou, surpreso, depois olhou por cima do ombro dela. Estava sozinha.
Agora que parava para pensar sobre isso, achava que nunca tinha visto a Srta. Watson sem
Lady Lucinda.
– Bom dia – cumprimentou ele, em um tom cordial o suficiente para não parecer entediado,
mas não cordial demais.
Um homem nunca quer parecer desesperado.
Gregory se levantou e a Srta. Watson olhou para ele sem registrar absolutamente nenhuma
emoção. Nem felicidade, nem raiva, nada além de um discreto olhar confirmando que o vira. O
que foi bem marcante.
– Bom dia – murmurou ela.
Mas que diabo, por que não?
– Quer se juntar a mim? – perguntou ele.
Os lábios de Hermione se entreabriram e ela fez uma pausa, como se não tivesse certeza do
que queria fazer. E então, como numa prova perversa de que eles tinham de fato algum tipo de
conexão maior, ele leu sua mente.
Leu mesmo. Sabia exatamente o que ela estava pensando.
Ah, tudo bem, tenho que tomar café da manhã de qualquer maneira.
Aquilo com certeza acalentava a alma.
– Não posso ficar muito tempo – disse a Srta. Watson. – Lucy não está se sentindo bem, e
prometi levar uma bandeja para ela.
Era difícil imaginar a indomável Lady Lucinda doente, embora Gregory não soubesse por
quê. Ele não podia dizer que a conhecia. Os dois só tinham tido algumas conversas. Se tanto.
– Não deve ser nada sério – murmurou ele.
– Acho que não – falou ela, pegando um prato. Hermione olhou para ele com aqueles olhos
verdes incríveis. – O senhor comeu o peixe?
Ele olhou para o bacalhau.– Agora?
– Não, ontem à noite.
– Acho que sim. Costumo comer de tudo.
Os lábios da Srta. Watson se contraíram por um instante, então ela murmurou: – Eu também
comi.
Gregory esperou alguma outra explicação, mas ela não parecia inclinada a falar mais nada.
Então, em vez disso, ele continuou de pé enquanto ela colocava pequenas porções de ovos e
presunto no prato. Após um instante de deliberação...
Estou realmente com fome? Porque, quanto mais comida eu colocar no prato, mais tempo
ficarei aqui. Na sala de café da manhã. Com ele...
... ela pegou um pedaço de torrada.
Hummm. Sim, estou com fome.
Gregory esperou até que ela se acomodasse à sua frente e também se sentou. A Srta. Watson
esboçou um pequeno sorriso – do tipo que não passava de um discreto erguer dos cantos dos
lábios – e começou a comer seus ovos.
– A senhorita dormiu bem? – perguntou Gregory.
Ela levou o guardanapo à boca com delicadeza.
– Muito bem, obrigada.
– Eu não – declarou ele.
Mas que diabo, se uma conversa educada não conseguia fazê-la falar mais, talvez ele
devesse optar pela surpresa.
Ela ergueu os olhos.
– Sinto muito.
Então abaixou a cabeça de novo e continuou a comer.
– Tive um sonho terrível – disse ele. – Um pesadelo. Assustador.
Ela pegou a faca e cortou o bacon.
– Sinto muito – falou, aparentemente sem notar que havia pronunciado essas mesmas
palavras segundos antes.
– Não consigo lembrar o que era – prosseguiu Gregory. Ele estava inventando isso tudo, é
claro. Não tinha dormido bem, só que não por causa de um pesadelo. Mas ia fazê-la conversar
com ele ou morrer tentando. – A senhorita costuma se lembrar dos seus sonhos?
Ela parou o garfo a meio caminho da boca e ele sentiu aquela incrível conexão de mentes de
novo.
Em nome de Deus, por que ele está me perguntando isso?
Bem, talvez não em nome de Deus. Isso exigiria um pouco mais de emoção do que ela
parecia expressar.
– Hã, não – respondeu ela. – Em geral, não.
– É mesmo? Que intrigante. Lembro-me dos meus metade das vezes, eu acho.
Ela assentiu.
Se eu balançar a cabeça, não preciso pensar no que dizer.
Ele se esforçou para continuar:
– Meu sonho de ontem à noite foi bem vívido. Havia uma tempestade. Raios e trovões.
Muito impressionante.
Ela virou o pescoço lentamente e olhou por cima do ombro.
– Srta. Watson?
Então ela olhou de volta para ele.– Pensei ter ouvido alguém.
Eu esperava ter ouvido alguém.
Aquele talento para ler os pensamentos dela estava começando a ficar tedioso.
– Certo – disse ele. – Bem, onde eu estava?
A Srta. Watson começou a comer muito depressa.
Gregory se inclinou para a frente. Ela não ia escapar assim tão fácil.
– Ah, sim, a chuva. Estava caindo um temporal. Um completo dilúvio. E o chão começou a
se desmanchar sob os meus pés. A me arrastar para baixo.
Ele parou, propositalmente, e então manteve os olhos fixos no rosto de Hermione, até ela
ser forçada a dizer alguma coisa.
Depois de alguns instantes do mais estranho silêncio, ela enfim desviou os olhos da comida
para o rosto dele. Um pequeno pedaço de ovo tremeu na ponta de seu garfo.
– O chão estava se desmanchando – disse ele.
E quase riu.
– Que... horrível.
– Foi mesmo – falou Gregory, com grande animação. – Pensei que fosse me engolir.
Alguma vez já sentiu isso, Srta. Watson?
Silêncio. E então...
– Não. Não, acredito que não.
Ele mexeu indolentemente no lóbulo da orelha e então disse, de forma bem casual: – Não
gostei muito da experiência.
Gregory achou que ela fosse cuspir o chá.
– Bem, na verdade – continuou ele –, quem gostaria?
E, pela primeira vez desde que a conhecera, pensou ter visto o desinteresse deixar os olhos
de Hermione quando ela disse, com um pouco mais de emoção: – Não tenho ideia.
Ela até balançou a cabeça. Três coisas de uma vez! Uma frase completa, uma pitada de
emoção e um aceno de cabeça. Por Deus, talvez ele estivesse enfim conseguindo quebrar a
barreira até ela.
– E o que aconteceu depois, Sr. Bridgerton?
Meu Deus, ela tinha lhe feito uma pergunta. Ele quase caiu da cadeira.
– Na verdade, eu acordei – respondeu.
– Que sorte.
– Também achei. Dizem que, se você morrer em seus sonhos, morre durante o sono.
Os olhos dela se arregalaram.
– Dizem?
– Bem, meus irmãos dizem. Fique à vontade para avaliar as informações considerando a sua
origem.
– Eu tenho um irmão – comentou ela. – Ele adora me atormentar.
Gregory assentiu gravemente com a cabeça.
– É o que os irmãos devem fazer.
– O senhor atormenta suas irmãs?
– Em geral, só a mais nova.
– Porque ela é a caçula.
– Não, porque ela merece.
Ela riu.
– Sr. Bridgerton, o senhor é terrível.Ele abriu um sorriso, bem devagar.
– A senhorita não conheceu Hyacinth.
– Se ela o perturba tanto a ponto de fazê-lo querer atormentá-la, tenho certeza de que iria
adorá-la.
Ele se recostou, apreciando a sensação de descontração e tranquilidade. Era bom não ter de
se esforçar tanto.
– Seu irmão é mais velho que a senhorita, então?
Ela assentiu.
– E, de fato, ele me atormenta porque sou mais nova.
– Quer dizer que não merece isso?
– Claro que não.
Ele não sabia dizer se ela estava brincando.
– E onde está seu irmão agora?
– Em Trinity Hall. – Ela comeu o último pedaço de ovo. – Cambridge. O irmão de Lucy
também estava lá. Faz um ano que ele se formou.
Gregory não sabia bem por que ela estava lhe dizendo isso. Não estava interessado no irmão
de Lucinda Abernathy.
A Srta. Watson cortou outro pedaço pequeno de bacon e levou o garfo à boca. Gregory
também continuou a comer, olhando furtivamente para ela enquanto mastigava. Deus do céu, era
linda. Ele não acreditava já ter visto outra mulher com aquela cor de pele. A maioria dos homens
devia achar que a beleza dela era resultado do cabelo e dos olhos, e na verdade eram mesmo
essas coisas que a princípio hipnotizavam. Mas a pele dela era como alabastro sobre uma pétala
de rosa.
Ele parou com a comida na boca. Não fazia ideia de que podia ser tão poético.
A Srta. Watson pousou o garfo.
– Bem – disse ela, com o mais breve suspiro –, acho que preciso preparar aquele prato para
Lucy.
Ele se levantou de imediato para ajudá-la. Por Deus, ela havia mesmo falado como se não
quisesse deixá-lo. Gregory elogiou a si mesmo pelo café da manhã extremamente produtivo.
– Vou pedir que alguém leve o prato para a senhorita – falou, fazendo sinal para um
empregado.
– Ah, isso seria ótimo.
Ela sorriu, agradecida, e o coração de Gregory parou de bater por um segundo. Ele sempre
achara que isso se tratava de uma figura de linguagem, mas agora sabia que não. O amor podia
mesmo afetar seus órgãos internos.
– Por favor, diga a Lady Lucinda que estimo suas melhoras – disse ele, observando com
curiosidade a Srta. Watson empilhar cinco fatias de bacon no prato.
– Lucy adora bacon – comentou ela.
– Estou vendo.
Então ela também pegou ovos, bacalhau, batatas, tomates e, em um prato à parte, colocou
bolinhos e torradas.
– O café da manhã sempre foi a refeição favorita dela – disse a Srta. Watson.
– A minha também.
– Vou dizer isso a ela.
– Não acho que ela vá se interessar.
Uma empregada tinha entrado na sala com uma bandeja e a Srta. Watson pousou nela ospratos cheios.
– Ah, vai, sim – retrucou ela, descontraidamente. – Lucy se interessa por tudo. Ela até faz
contas de cabeça. Por diversão.
– A senhorita está brincando.
Gregory não podia imaginar uma forma menos agradável de se manter ocupado.
A Srta. Watson levou a mão ao peito.
– Não, é verdade! Acho que ela deve estar tentando ficar com a mente mais afiada, porque
nunca foi muito boa em matemática. – Caminhou até a porta, em seguida se virou para ele. – O
café da manhã foi ótimo, Sr. Bridgerton. Obrigada pela companhia e pela conversa.
Ele inclinou a cabeça para o lado.
– O prazer foi todo meu.
Só que não era verdade. Ela também tinha gostado do tempo que passaram juntos. Gregory
podia ver isso no sorriso dela. E nos olhos.
E sentiu-se como um rei.
– Sabia que, se morrer em seus sonhos, você morre durante o sono?
Lucy nem sequer parou de cortar o bacon.
– Bobagem – respondeu ela. – Quem lhe disse isso?
Hermione se empoleirou na ponta da cama.
– O Sr. Bridgerton.
Aquilo, sim, merecia mais atenção do que o bacon. Lucy levantou os olhos imediatamente.
– Então, você o viu no café da manhã?
Hermione assentiu.
– Sentamos à mesma mesa. Ele me ajudou a conseguir a bandeja.
Lucy olhou sua enorme refeição com desânimo. Em geral, conseguia disfarçar seu apetite
voraz demorando-se à mesa do café da manhã, depois se servindo de novo quando a primeira
leva de convidados saía.
Ah, bem, não havia nada que pudesse fazer. Gregory Bridgerton já pensava que ela era um
pato selvagem – não faria muita diferença achar que era um pato selvagem que pesaria uns 100
quilos até o fim do ano.
– Ele é bem divertido, na verdade – comentou Hermione, enrolando distraidamente o
cabelo.
– Ouvi dizer que é muito charmoso.
– Hum.
Lucy observou a amiga com atenção. Hermione olhava para fora da janela e, embora não
chegasse a estar com aquele ar ridículo de quem memoriza um soneto de amor inteiro, tinha
evoluído para um verso ou dois.
– Ele é incrivelmente bonito – disse Lucy.
Parecia não haver mal em confessar. Ela não pretendia mesmo flertar com o Sr. Bridgerton,
e ele era tão lindo que aquilo poderia ser interpretado como uma constatação, em vez de opinião.
– Você acha? – perguntou Hermione.Então se virou para Lucy, inclinando a cabeça de maneira pensativa.
– Ah, sim – respondeu Lucy. – Sobretudo os olhos. Gosto muito de olhos castanho-claros,
cor de avelã. Sempre gostei.
Na verdade, nunca tinha pensado muito sobre isso, mas, agora que considerava o assunto,
olhos cor de avelã eram mesmo bem bonitos. Um pouco de marrom, um pouco de verde. O
melhor de dois mundos.
Hermione olhou para ela com ar curioso.
– Eu não sabia disso.
Lucy deu de ombros.
– Eu não lhe conto tudo.
Outra mentira. Havia três anos que Hermione conhecia cada detalhe enfadonho da vida de
Lucy. Exceto, é claro, os planos dela para juntar a amiga e o Sr. Bridgerton.
Sr. Bridgerton. Certo. Precisava voltar a falar dele.
– Mas você deve concordar que ele não é bonito demais – comentou Lucy com seu tom de
voz mais ponderado. – O que é algo bom, na verdade.
– O Sr. Bridgerton?
– Sim. O nariz dele tem muita personalidade, não acha? E as sobrancelhas não são bem
uniformes.
Lucy franziu a testa. Não tinha percebido que estava tão familiarizada com o rosto de
Gregory Bridgerton.
Hermione não fez nada além de assentir, então Lucy continuou:
– Não acho que eu iria querer me casar com alguém bonito demais. Deve ser terrivelmente
intimidante. Eu me sentiria como um pato toda vez que abrisse a boca.
Hermione riu.
– Um pato?
Lucy assentiu e decidiu não grasnar. Ela se perguntou se os homens que cortejavam
Hermione se preocupavam com a mesma coisa.
– Os cabelos dele são bem escuros – observou Hermione.
– Não são tão escuros assim.
Lucy lembrava que eram castanhos.
– É, mas o Sr. Edmonds é tão louro...
O Sr. Edmonds tinha mesmo lindos cabelos louros, então Lucy decidiu não comentar. E ela
sabia que tinha de ter muito cuidado naquele momento. Se tentasse empurrar Hermione na
direção do Sr. Bridgerton com muito afinco, a amiga com certeza iria empacar e continuar
apaixonada pelo Sr. Edmonds, o que, é claro, seria um completo desastre.
Não, Lucy precisava ser sutil. Se Hermione mudaria sua devoção para o Sr. Bridgerton,
teria de descobrir isso por si mesma. Ou achar que descobriu.
– E a família dele é muito inteligente – murmurou Hermione.
– Do Sr. Edmonds? – perguntou Lucy, se fazendo de desentendida.
– Não, a do Sr. Bridgerton, é claro. Ouvi coisas muito interessantes a respeito deles.
– Ah, sim. Também ouvi. E admiro muito Lady Bridgerton. Ela tem sido uma anfitriã
maravilhosa.
Hermione assentiu.
– Acho que ela prefere você a mim.
– Não seja boba.
– Eu não me importo – disse Hermione, dando de ombros. – Não é que ela não goste demim. Só prefere você. As mulheres sempre gostam mais de você.
Lucy abriu a boca para contradizê-la, mas depois parou, percebendo que era verdade. Que
estranho ela nunca ter notado isso.
– Bem, de qualquer forma, não é com ela que você iria se casar.
Hermione olhou para Lucy com ar sério.
– Eu não disse que queria me casar com o Sr. Bridgerton.
– Não, é claro que não – retrucou Lucy, sentindo vontade de se socar.
Percebera que aquelas palavras eram um erro no momento em que escaparam de sua boca.
– Mas... – Hermione suspirou e começou a olhar para o nada.
Lucy se inclinou para a frente. Então aquela era a sensação de ficar em expectativa.
Ela esperou, esperou... até não aguentar mais.
– Hermione? – chamou enfim.
Hermione se jogou de costas na cama.
– Ah, Lucy – gemeu ela, dramática. – Estou tão confusa...
– Confusa?
Lucy sorriu. Isso só podia ser uma coisa boa.
– Sim – respondeu Hermione, de sua posição deselegante em cima da cama. – Quando eu
estava sentada à mesa com o Sr. Bridgerton... bem, na verdade, no começo pensei que ele era
completamente louco, mas então percebi que eu estava me divertindo. Ele é mesmo engraçado, e
me fez rir.
Lucy permaneceu em silêncio, esperando Hermione formular melhor seus pensamentos.
Hermione deixou escapar um ruído em parte gemido, em parte suspiro, totalmente
angustiado.
– E então, quando percebi isso, olhei para ele e... – Ela rolou de lado, erguendo-se no
cotovelo e apoiando a cabeça em uma das mãos. – E estremeci.
Lucy ainda tentava digerir aquele insano comentário.
– Estremeceu? – ecoou ela. – O que quer dizer com isso?
– Meu estômago. Meu coração. Meu... meu alguma coisa. Não sei.
– Igual a quando você viu o Sr. Edmonds pela primeira vez?
– Não. Não. Não.
Cada não foi dito com uma ênfase diferente, e Lucy teve a nítida sensação de que Hermione
tentava se convencer disso.
– Não foi igual mesmo – afirmou Hermione. – Mas foi... parecido. Em uma escala muito
menor.
– Entendo – disse Lucy, com uma seriedade admirável, considerando que ela não entendia
nem um pouco.
De qualquer maneira, ela nunca entendia mesmo esse tipo de coisa. E depois de sua
estranha conversa com o Sr. Bridgerton na noite anterior, estava bastante convencida de que
nunca entenderia.
– Mas você não acha que... como estou perdidamente apaixonada pelo Sr. Edmonds...
enfim, não era de esperar que eu nunca mais estremeceria assim por ninguém?
Lucy pensou por um instante antes de responder:
– Não vejo por que o amor tem de ser esse desespero todo.
Hermione se levantou sobre os cotovelos e olhou para ela com curiosidade.
– Não foi isso que perguntei.
Não era? Não deveria ter sido?– Bem – falou Lucy, escolhendo as palavras com cuidado –, talvez signifique...
– Eu sei o que você vai dizer – interrompeu Hermione. – Vai dizer que significa que não
devo estar tão apaixonada pelo Sr. Edmonds como eu pensava. E então vai falar que preciso dar
uma chance ao Sr. Bridgerton. E, depois, que eu deveria dar uma chance a todos os outros
cavalheiros.
– Bem, não a todos eles – retrucou Lucy.
Mas o restante era bem parecido.
– Você não acha que isso tudo já me ocorreu? Não percebe como é terrivelmente
angustiante? Ter tantas dúvidas assim? Deus do céu, Lucy, e se isso não for o fim? E se
acontecer de novo? Com outra pessoa?
Lucy suspeitava que não precisava responder, mas falou assim mesmo: – Não há nada de
errado em ter dúvidas, Hermione. O casamento é uma decisão importantíssima. A maior que
você terá de tomar na vida. Depois disso, não poderá mudar de ideia.
Lucy deu uma garfada no bacon, procurando lembrar como ficava grata pelo fato de lorde
Haselby ser um cavalheiro tão apropriado. A situação dela poderia ser muito pior. Ela mastigou,
engoliu e disse: – Você só precisa se dar um pouco de tempo, Hermione. E deveria. Não há
motivo para se casar com pressa.
Fez-se um longo silêncio antes de Hermione responder:
– Acho que você está certa.
– Se você e o Sr. Edmonds realmente foram feitos um para o outro, então ele vai esperá-la.
Ah, céus. Lucy não podia acreditar que tinha acabado de dizer isso.
Hermione pulou da cama, correu até Lucy e a abraçou.
– Ah, Lucy, essa é a coisa mais doce que você já me disse. Sei que não o aprova.
– Bem... – Lucy pigarreou, tentando pensar em uma resposta aceitável. Algo que a fizesse
não se sentir tão culpada por não ter sido sincera. – Não é que...
Bateram à porta.
Ah, graças a Deus.
– Pode entrar – disseram as duas em uníssono.
Uma criada abriu a porta e fez uma rápida reverência.
– Milady – falou, olhando para Lucy –, o Sr. Fennsworth está aqui para vê-la.
Lucy ficou pasma.
– Meu irmão?
– Ele a espera no Salão Rosa, milady. Devo dizer-lhe que a senhorita já vai descer?
– Sim, sim, claro.
– Mais alguma coisa?
Lucy balançou a cabeça lentamente.
– Não, obrigada. É só.
A criada saiu, deixando as duas olhando uma para a outra em choque.
– O que você acha que Richard veio fazer aqui? – perguntou Hermione, os olhos
arregalados de interesse. Ela vira o irmão da amiga várias vezes e eles sempre tinham se dado
bem.
– Não sei. – Lucy desceu rápido da cama, esquecendo completamente a falsa dor de
estômago. – Espero que não haja nada de errado.
Hermione assentiu e a seguiu até o armário.
– O seu tio está doente?
– Não que eu tenha sido informada. – Lucy pegou os sapatos e sentou-se na beira da camapara calçá-los de novo. – É melhor eu descer para falar com ele. Se Richard está aqui, é algo
importante.
Hermione olhou para ela por um instante, então perguntou:
– Quer que eu a acompanhe? Não vou me intrometer em sua conversa, é claro. Mas posso
descer com você, se quiser.
Lucy assentiu, e juntas foram para o Salão Rosa.
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