capitulo11

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CAPÍTULO 11
No qual nosso herói faz uma coisa que nunca teria imaginado.
Lucy não deixou de notar a ironia daquela noite quando fez seu caminho de volta para o quarto.
Sozinha.
Depois de o Sr. Bridgerton ter entrado em pânico pelo desaparecimento de Hermione...
depois de Lucy ter sido severamente repreendida por fugir sozinha no meio do que estava se
transformando em uma noite um tanto turbulenta... pelo amor de Deus, depois que um casal fora
forçado a ficar noivo... ninguém notou quando Lucy deixou o baile de máscaras sozinha.
Ainda não conseguia acreditar que Lady Bridgerton tivesse insistido para ela voltar à festa e
que praticamente tinha arrastado Lucy pela gola, deixando-a aos cuidados da tia solteirona de
alguém antes de ir chamar a mãe de Hermione, que, era de presumir, não fazia ideia da emoção
que a aguardava.
E assim Lucy ficara no canto do salão como uma tola, olhando para o restante dos
convidados, perguntando-se como não poderiam ter notado os acontecimentos da noite. Parecia
inconcebível que três vidas tivessem sido completamente transformadas e o resto do mundo
seguisse como de costume.
Não, pensara ela, na verdade tinham sido quatro vidas – a do Sr. Bridgerton também. Os
planos dele para o futuro com certeza eram bem diferentes no início da noite.
De qualquer forma, todos pareciam se comportar de maneira perfeitamente normal.
Dançavam, riam, comiam sanduíches que ainda estavam perturbadoramente misturados em uma
única bandeja.
Era a mais estranha visão. Algo não deveria parecer diferente? Alguém não deveria ter ido
até Lucy e dizer, com olhos indagadores: Você parece um pouco angustiada. Ah, já sei. Seu
irmão deve ter seduzido sua melhor amiga.
Ninguém fizera isso, é claro, e quando Lucy vira a própria imagem em um espelho, ficara
espantada ao notar que parecia exatamente a mesma. Um pouco cansada, quem sabe, talvez um
pouco pálida também, mas, fora isso, a mesma boa e velha Lucy.
Cabelos louros, não muito louros. Olhos azuis, também não muito azuis. Boca de um
formato estranho, que nunca ficava quieta como ela queria, e o mesmo nariz comum, com
aquelas sete sardas de sempre, incluindo a próxima a seu olho que ninguém nunca notara, a não
ser ela.
E que parecia a Irlanda. Ela não sabia por que isso a interessava, mas sempre ficara
intrigada com esse fato.
Suspirou. Nunca tinha ido à Irlanda, e provavelmente nunca iria. Parecia tolo que isso de
repente a incomodasse, já que nunca nem quisera ir à Irlanda.
Mas, se um dia tivesse esse desejo, teria de pedir a lorde Haselby, não é? Não era muito
diferente de ter de pedir ao tio Robert permissão para fazer... bem, qualquer coisa, mas de
alguma forma...
Ela balançou a cabeça. Já era o bastante. Tinha sido uma noite estranha, e ela estava comum humor estranho, presa em toda a sua estranheza no meio de um baile de máscaras.
Era óbvio que o que precisava era ir para a cama.
Assim, depois de ter passado trinta minutos fingindo se divertir, por fim percebera que a tia
solteirona encarregada de tomar conta dela não havia entendido muito bem sua tarefa. Não fora
difícil deduzir: quando Lucy tentara falar com ela, a mulher estreitara os olhos através da
máscara e gritara: – Levante o queixo, garota! Eu conheço você?
Lucy concluíra que não devia desperdiçar a oportunidade, e por isso respondera: – Sinto
muito. Pensei que fosse outra pessoa.
E saíra do salão. Sozinha.
Realmente, era quase engraçado.
Quase.
Mas ela não era tola, e tinha andado bastante pela casa naquela noite para saber que, embora
os convidados tivessem se espalhado para oeste e sul do salão de baile, não haviam se
aventurado pela ala norte, onde ficavam os aposentos particulares da família. Rigorosamente
falando, Lucy também não deveria ir por ali, mas, depois do que tinha passado nas últimas horas,
achava que merecia um pouco mais de liberdade.
No entanto, quando chegou ao longo corredor que levava à ala norte, viu uma porta fechada.
Piscou, surpresa. Nunca tinha notado uma porta ali antes. Imaginou que os Bridgertons deviam
deixá-la sempre aberta. Então desanimou. Sem dúvida estaria trancada, afinal, qual era o
propósito de uma porta fechada se não manter as pessoas fora?
Mas a maçaneta girou facilmente. Lucy entrou e fechou a porta com todo o cuidado, quase
desmaiando de alívio. Não podia voltar à festa. Só queria ir para a cama, meter-se debaixo das
cobertas, fechar os olhos e dormir, dormir, dormir.
Parecia o paraíso. E, com um pouco de sorte, Hermione ainda não teria voltado. Ou, melhor
ainda, sua mãe insistiria para que a amiga passasse a noite no quarto dela.
Sim, um pouco de privacidade parecia algo muito atraente.
Estava tudo escuro à sua volta à medida que andava, e silencioso também. Depois de mais
ou menos um minuto, os olhos de Lucy se ajustaram à luz fraca. Não havia lampiões ou velas
para iluminar o caminho, mas algumas portas haviam sido deixadas abertas, permitindo que
pálidos feixes de luar fizessem paralelogramos no tapete. Ela avançava bem devagar, cada passo
cuidadosamente calculado, como se estivesse se equilibrando sobre uma linha fina, estendida
pelo meio do corredor.
Um, dois...
Nada de extraordinário nisso. Ela costumava contar seus passos. E sempre fazia isso nas
escadas. Ficara surpresa quando chegara à escola e percebera que as outras pessoas não tinham
esse hábito.
... três, quatro...
O tapete comprido do corredor parecia monocromático ao luar, mas Lucy sabia que os
grandes losangos eram vermelhos, e os menores, dourados. Perguntou-se se seria possível pisar
apenas nos dourados.
... cinco, seis...
Ou talvez nos vermelhos. Nos vermelhos seria mais fácil. Aquela não era uma noite para
grandes desafios.
... sete, oito, n...
– Ooops!
Ela bateu em alguma coisa. Ou, Deus do céu, em alguém. Vinha olhando para baixo,seguindo os losangos vermelhos, e não tinha visto... Mas a outra pessoa não devia tê-la visto?
Mãos fortes a pegaram pelos braços e a firmaram. E então...
– Lady Lucinda?
Ela congelou.
– Sr. Bridgerton?
A voz dele soou baixa e tranquila na escuridão.
– Que coincidência.
Lucy se desvencilhou dele – o Sr. Bridgerton a segurara pelos braços para evitar que caísse
– e recuou. Ele parecia muito grande no espaço estreito do corredor.
– O que o senhor está fazendo aqui? – perguntou ela.
Ele abriu um sorriso tranquilo e desconfiado.
– O que a senhorita está fazendo aqui?
– Indo para a cama. Este corredor parecia o melhor caminho – explicou ela. Depois
acrescentou, com um ar irônico: – Dado o meu estado de desacompanhamento.
Ele inclinou a cabeça para o lado. Franziu a testa. Piscou. Então, disse: – Essa palavra
existe?
Por alguma razão aquilo a fez sorrir. Não com os lábios, exatamente, mas por dentro, que
era o mais importante.
– Acho que não – respondeu –, mas, na verdade, não me importo.
Ele abriu um discreto sorriso, em seguida fez um sinal com a cabeça em direção ao cômodo
de onde devia ter acabado de sair.
– Eu estava no escritório do meu irmão. Ponderando.
– Ponderando?
– Temos bastante em que pensar esta noite, não acha?
– Sim. – Ela olhou em volta do corredor, só para ver se havia mais alguém por perto,
mesmo tendo quase certeza de que não. – Eu realmente não deveria estar aqui sozinha com o
senhor.
Ele assentiu com um ar grave.
– Eu não iria querer prejudicar seu quase noivado.
Lucy ainda não tinha pensado nisso.
– Eu quis dizer depois do que aconteceu com Hermione e... – De repente pareceu insensível
continuar. – Bem, o senhor sabe.
– De fato.
Ela engoliu em seco, em seguida tentou fingir que não olhava para o rosto dele para ver se
estava chateado.
Gregory só piscou, então deu de ombros, com um ar... Indiferente?
Lucy mordeu o lábio. Não, não podia ser. Ela devia ter interpretado mal. Ele era um homem
apaixonado. Tinha dito a ela.
Só que isso não era da sua conta. Exigia um certo grau de autorrelembramento (para
acrescentar outra palavra à sua coleção de termos inexistentes, que crescia rapidamente), mas era
isso. Não era da sua conta. Nem um pouco.
Bem, exceto pela parte sobre seu irmão e sua melhor amiga. Ninguém poderia dizer que
isso não lhe dizia respeito. Se tivesse sido só com Hermione, ou só com Richard, poderia haver
quem opinasse que ela deveria manter o nariz fora do assunto, mas como se tratava dos dois –
bem, era bastante claro que ela estava envolvida.
No entanto, com relação ao Sr. Bridgerton... não era da sua conta.Lucy olhou para ele. O colarinho de sua camisa estava frouxo e ela podia ver um pedacinho
de pele, num lugar que sabia que não deveria olhar.
Não. Nada daquilo... era da sua conta. Nada!
– Certo – disse ela, arruinando seu tom determinado com uma tosse involuntária. Espasmo.
Espasmo de tosse. Seguido por: – Preciso ir.
Mas a frase saiu mais parecida com... Bem, com algo que Lucy tinha quase certeza de que
não poderia ser descrito com as 26 letras do nosso alfabeto.
– Você está bem? – perguntou Gregory.
– Ótima – respondeu ela, engasgada, então percebeu que tinha voltado a olhar para aquele
ponto que não era nem mesmo o pescoço dele.
Estava mais para o peito, o que significava que era um lugar ainda mais inadequado.
Ela desviou os olhos depressa, então tossiu de novo, dessa vez de propósito, porque tinha de
fazer alguma coisa, do contrário seus olhos voltariam para onde não deveriam.
Gregory observou Lucy com ar sério, enquanto ela se recuperava.
– Está melhor? – perguntou.
Ela assentiu.
– Fico feliz – disse ele.
Feliz? Feliz? Ela pensou no que isso queria dizer.
Gregory deu de ombros.
– Odeio quando isso acontece – falou.
Só que ele é um ser humano, Lucy, sua idiota. Alguém que sabe como é ruim sentir a
garganta arranhando.
Ela estava ficando louca. Tinha certeza disso.
– É melhor eu ir – disparou.
– É melhor.
– É o que eu realmente deveria fazer.
Mas ficou ali parada.
Gregory a estava fitando de uma maneira muito estranha, com os olhos estreitados. Não
com irritação, motivo pelo qual em geral as pessoas estreitam os olhos, mas como se estivesse
pensando muito a respeito de algo.
Ponderando. Era isso. Ele estava ponderando, justo como dissera.
Só que estava ponderando a respeito dela.
– Sr. Bridgerton? – disse Lucy, hesitante.
Não que soubesse o que perguntar quando ele lhe desse atenção.
– A senhorita bebe, Lady Lucinda?
Se ela bebia?
– Perdão?
Ele abriu um sorriso um pouco envergonhado.
– Brandy. Sei onde meu irmão guarda as bebidas boas.
– Ah. – Deus do céu. – Não, é claro que não.
– Que pena – murmurou ele.
– Eu realmente não poderia – acrescentou ela, porque, bem, sentia como se tivesse de
explicar.
Embora fosse claro que não tomava bebidas alcoólicas. E, é claro, ele sabia disso.
Gregory deu de ombros.
– Não sei por que perguntei.– Eu deveria ir – disse ela.
Mas ele não se mexeu. Nem ela.
Lucy se perguntou como seria o gosto de brandy. E se algum dia saberia.
– Gostou da festa? – perguntou Gregory.
– Da festa?
– A senhorita não foi obrigada a voltar?
Ela assentiu, revirando os olhos.
– Recomendaram fortemente que eu voltasse.
– Ah, então ela arrastou a senhorita.
Para grande surpresa de Lucy, ela riu.
– Quase isso. E eu não estava de máscara, o que fez com que eu me destacasse um pouco.
– Como um cogumelo?
– Como um...?
Ele olhou para o vestido dela e acenou a cabeça, ao confirmar a cor.
– Um cogumelo azul.
Ela olhou para si mesma e depois para ele.
– Sr. Bridgerton, o senhor está embriagado?
Ele se curvou para a frente com um sorriso dissimulado e um pouco bobo. Ergueu a mão,
com um espaço de uns 2 centímetros entre o polegar e o indicador.
– Só um pouquinho.
Lucy olhou para ele com ar de dúvida.
– Tem certeza?
Gregory olhou para os dedos com a testa franzida, então acrescentou mais uns 2 centímetros
ao espaço entre eles.
– Bem, talvez um tanto assim.
Lucy não conhecia muito bem nem os homens nem bebidas, mas sabia o bastante sobre os
dois juntos para perguntar: – O senhor sempre esquece quanto bebeu?
– Não. – Ele levantou as sobrancelhas e olhou de cara feia para ela. – Em geral, sei
exatamente até que ponto estou bêbado.
Lucy não fazia ideia de como responder a isso.
– Mas, de fato, hoje eu não tenho certeza.
Ele parecia surpreso com isso.
– Ah.
Lucy não estava nada articulada naquela noite.
Gregory sorriu.
Ela sentiu um frio na barriga, algo muito estranho.
Tentou sorrir de volta. Deveria mesmo ir embora.
Apesar de ter essa consciência, ela não se moveu.
Gregory virou a cabeça de lado, pensativo, e deixou escapar um suspiro. Ocorreu a Lucy,
então, que ele estava fazendo exatamente o que dissera... ponderando.
– Eu estava pensando que – falou Gregory, devagar –, dados os acontecimentos de hoje à
noite...
Ela se inclinou para a frente, esperando. Por que as pessoas sempre param de falar quando
estão prestes a dizer algo importante?
– Sr. Bridgerton? – insistiu Lucy, porque agora ele estava só olhando para uma pintura na
parede.Os lábios dele se contraíram.
– A senhorita não acha que eu deveria estar um pouco mais chateado?
Lucy entreabriu os lábios, surpresa.
– O senhor não está chateado?
Como isso era possível?
Ele deu de ombros.
– Não tanto quanto deveria, uma vez que meu coração quase parou de bater na primeira vez
em que vi a Srta. Watson.
Lucy abriu um sorriso discreto.
Ele piscou para ela e assumiu um ar bem decidido, como se tivesse acabado de chegar a
uma conclusão óbvia.
– É por isso que suspeito do brandy.
– Entendo. – Ela não entendia, é claro, mas o que mais poderia dizer? – O senhor... hã... o
senhor certamente parecia chateado.
– Eu estava irritado – corrigiu Gregory.
– Não está mais?
Ele pensou um pouco.
– Ah, sim, ainda estou.
E Lucy sentiu a necessidade de se desculpar. O que ela sabia ser ridículo, porque nada
daquilo era culpa sua. Mas a necessidade de se desculpar por tudo estava muito arraigada nela.
Não conseguia evitar. Queria que todos fossem felizes. Sempre quisera.
– Perdão por não ter acreditado no que o senhor disse sobre meu irmão – disse ela. – Eu não
sabia. Não sabia mesmo.
Ele a encarou, e seu olhar era gentil. Lucy não tinha certeza do que havia acontecido,
porque um instante atrás ele fora indiferente e petulante. Mas agora... estava diferente.
– Sei que não sabia – falou Gregory. – E não há necessidade de se desculpar.
– Eu fiquei tão surpresa quanto vocês quando nós os encontramos.
– Eu não fiquei muito surpreso – disse ele com delicadeza, como se estivesse tentando
poupar os sentimentos dela e não fazê-la se sentir tão tola por não ver o óbvio.
Lucy assentiu.
– Não, imagino que não. O senhor percebeu o que estava acontecendo, e eu não.
E ela se sentia mesmo uma idiota. Como podia não ter notado nada? Eram Hermione e seu
irmão, pelo amor de Deus. Se alguém tivesse de ter percebido algum indício de romance, deveria
ter sido ela.
Seguiu-se um silêncio bem estranho – e, em seguida, Gregory falou: – Eu vou ficar bem.
– Ah, é claro que vai – disse Lucy, de maneira tranquilizadora.
E então ela se sentiu mais tranquila, porque era tão bom e normal ser a pessoa que tentava
fazer tudo ficar bem. Porque esta era sua especialidade: tentar deixar todo mundo feliz e
confortável.
Mas, então, ele perguntou...
– A senhorita vai?
Ah, por que ele perguntou isso?
Ela não disse nada.
– Ficar bem – esclareceu Gregory. – Vai ficar bem – ele fez uma pausa, em seguida deu de
ombros – também?
– Claro – respondeu Lucy, um pouco rápido demais.Pensou que o assunto se encerraria ali, mas então ele disse:
– Tem certeza? Porque a senhorita parecia um pouco...
Ela engoliu em seco, esperando desconfortavelmente pelo restante da frase.
–... transtornada.
– Bem, eu fiquei surpresa – explicou ela, feliz por ter o que dizer. – E então, é claro, fiquei
um pouco desconcertada.
Lucy notou um leve gaguejar em sua voz e se perguntou qual dos dois ela estava tentando
convencer.
Gregory não disse nada.
Ela engoliu em seco. Aquilo era desconfortável. Ela estava desconfortável, e ainda assim
continuava falando, continuava explicando tudo.
– Não sei bem o que aconteceu – acrescentou.
Ele continuou em silêncio.
– Me senti um pouco... Bem aqui... – tentou explicar, levando a mão ao peito, ao local onde
se sentira paralisada.
Então ela fitou Gregory, praticamente implorando com os olhos que ele dizesse alguma
coisa, para mudar de assunto e finalizar a conversa.
Mas ele não falou nada. E o silêncio a fez continuar falando.
Se Gregory tivesse feito uma pergunta, se tivesse dito ao menos uma palavra de conforto,
ela não teria falado mais nada. Mas o silêncio era muito desconfortável. Tinha de ser preenchido.
– Eu não conseguia me mexer – prosseguiu Lucy, testando as palavras à medida que saíam
de seus lábios. Era como se, ao falar, ela enfim estivesse confirmando o que acontecera. –
Cheguei à porta, e não conseguia.
Ela olhou para ele, em busca de respostas. Mas é claro que ele não tinha nenhuma.
– Eu... eu não sei por que estava tão abalada. – Sua voz soava ofegante, nervosa até. –
Quero dizer... era Hermione. E meu irmão. Eu... sinto muito pelo seu sofrimento, Sr. Bridgerton,
mas isso tudo, na verdade, é perfeito. É ótimo. Ou pelo menos deveria ser. Hermione será minha
irmã. Eu sempre quis uma.
– Às vezes elas são divertidas – disse ele com um meio sorriso, o que fez Lucy se sentir
melhor.
Foi incrível o poder dessa simples frase. Foi o suficiente para fazer com que as palavras
jorrassem da boca de Lucy, desta vez sem hesitação.
– Eu não podia acreditar que eles tinham saído juntos. Deviam ter dito alguma coisa.
Deviam ter me contado que se gostavam. Eu não deveria precisar descobrir daquela forma. Não
está certo. – Ela agarrou o braço de Gregory e o encarou, o olhar sério e urgente. – Não está
certo, Sr. Bridgerton. Não está certo.
Ele balançou a cabeça, mas apenas ligeiramente. Seu queixo mal se moveu, assim como
seus lábios, quando ele disse: – Não.
– Tudo está mudando – sussurrou ela, e não estava mais falando de Hermione, mas isso não
tinha importância. Ela só não queria mais pensar. Não sobre isso. Não sobre o futuro. – Tudo
está mudando, e eu não posso impedir.
De alguma forma, o rosto de Gregory estava mais perto quando ele repetiu: – Não.
– É de mais para mim.
Ela não conseguia parar de olhar para ele, não conseguia desviar o olhar, e ainda estava
sussurrando “É de mais mesmo” quando já não havia mais distância nenhuma entre os dois.
E os lábios dele... tocaram os dela.Era um beijo.
Ela havia sido beijada.
Ela. Lucy. Dessa vez, tratava-se dela. Ela mesma estava no centro do seu mundo. Era a
vida, acontecendo com ela.
Era incrível, porque aquilo parecia algo tão importante, tão transformador. E ainda assim
era só um simples beijo – suave, apenas um roçar de lábios, tão leve que quase fazia cócegas.
Lucy sentiu um calor, um arrepio, uma leveza no peito. Seu corpo parecia ter ganhado vida e, ao
mesmo tempo, ficado paralisado, como se tivesse medo de que o movimento errado pudesse
fazer tudo desaparecer.
Mas ela não queria que desaparecesse. Santo Deus, Lucy queria aquilo. Aquele momento,
aquela lembrança, aquele...
Ela só queria.
Ela queria tudo. Qualquer coisa que conseguisse. Qualquer coisa que pudesse sentir.
Os braços de Gregory a envolveram e ela se inclinou, suspirando junto aos lábios dele
quando seus corpos se tocaram. Era isso, pensou ela vagamente. Aquilo era a música a que
Hermione tinha se referido. Era uma verdadeira sinfonia.
O tal estremecimento de que a amiga havia falado. Mais do que um estremecimento.
O beijo ficou mais urgente e ela se entregou, deleitando-se com o calor de Gregory, que lhe
chegava à alma. As mãos dele a agarravam cada vez com mais força, e as dela serpentearam em
torno dele, finalmente pousando no ponto em que o cabelo dele encontrava o colarinho.
Lucy não tivera a intenção de tocá-lo – ainda não tinha pensado nisso. Suas mãos pareciam
ter vida própria e saber aonde ir, como encontrá-lo e trazê-lo para mais perto. As costas dela se
arquearam e o calor entre eles aumentou.
E o beijo continuou... e continuou.
Ela o sentiu em todos os poros. Parecia estar em toda parte, por toda a sua pele, e ir direto
até seu íntimo.
– Lucy – sussurrou ele, os lábios finalmente se afastando dos dela e indo percorrer uma
trilha ardente até a orelha. – Meu Deus, Lucy.
Ela não queria falar, não queria fazer nada que pudesse interromper o momento. Não sabia
como chamá-lo, não conseguia dizer Gregory, mas Sr. Bridgerton já não parecia certo. Ele era
mais do que isso agora para ela.
Tinha razão antes. Tudo estava mudando. Já não se sentia mais a mesma. Sentia-se...
Desperta.
Lucy arqueava o pescoço e gemia enquanto ele mordiscava o lóbulo de sua orelha, sons
suaves e incoerentes que escapuliam de seus lábios como uma canção. Ela queria se afundar
nele. Queria deslizar para o tapete e levá-lo com ela. Queria sentir o calor e o peso dele, e queria
tocá-lo. Queria fazer algo. Ser ousada.
Levou as mãos ao cabelo de Gregory e afundou os dedos nos fios sedosos. Ele deixou
escapar um pequeno gemido, e só o som da voz dele foi o suficiente para fazer seu coração bater
mais rápido. Ele estava fazendo coisas incríveis com seu pescoço – os lábios dele, a língua, os
dentes pareciam atiçar fogo em seu corpo.
Então os lábios de Gregory foram descendo e as mãos dele percorriam-na inteira,
agarrando-a, pressionando-a contra ele, e tudo parecia tão urgente.
Já não se tratava mais do que ela queria, e sim do que precisava.
Será que havia sido o mesmo que acontecera com Hermione? Teria sua amiga saído
inocentemente para um passeio com Richard e então...?Lucy entendia agora o que significava querer algo que você sabia que estava errado,
permitir que uma coisa acontecesse apesar da possibilidade de levar a um escândalo e...
E então ela não aguentava mais ficar em silêncio.
– Gregory – sussurrou, testando o nome em seus lábios.
Parecia uma carícia, uma intimidade, quase como se pudesse mudar o mundo e tudo ao seu
redor com uma única palavra.
Se ela dissesse o nome dele, então ele poderia ser dela, e Lucy poderia esquecer todo o
resto, poderia esquecer... Haselby.
Deus do céu, ela estava noiva. Já não era mais só um acordo. Os papéis tinham sido
assinados. E ela estava...
– Não – falou, pressionando as mãos no peito dele. – Não, eu não posso.
Gregory permitiu que Lucy o afastasse. Ela virou a cabeça, com medo de encará-lo. Sabia
que, se visse o rosto dele...
Ela era fraca. Não conseguiria resistir.
– Lucy – disse Gregory, e ela percebeu que ouvir a voz dele era tão difícil quanto teria sido
ver o rosto.
– Não posso fazer isso. – Ela balançou a cabeça, ainda sem olhar para ele. – É errado.
– Lucy.
Dessa vez ela sentiu os dedos de Gregory em seu queixo, delicados, fazendo-a olhar para
ele.
– Por favor, permita-me que eu a acompanhe até lá em cima – falou.
– Não! – A afirmação acabou saindo muito alta e ela parou, engolindo em seco
desconfortavelmente. – Não posso arriscar – concluiu, enfim permitindo que seus olhos
encontrassem os dele.
Era um erro. A maneira como ele estava olhando para ela... O olhar de Gregory era sério,
mas havia mais. Uma certa suavidade, um toque de ternura. E curiosidade. Como se... Como se
ele não tivesse certeza do que estava vendo. Como se a estivesse vendo pela primeira vez.
Deus do céu, essa era a parte que Lucy não podia suportar. Ela não sabia nem bem por quê.
Talvez fosse porque ele estava olhando para ela. Talvez fosse porque aquela expressão era tão...
ele. Talvez fossem as duas coisas.
Talvez isso não tivesse importância. Mas a aterrorizava mesmo assim.
– Não serei dissuadido – falou Gregory. – Sua segurança é minha responsabilidade.
Lucy se perguntou o que tinha acontecido com o homem ligeiramente embriagado com
quem estivera conversando minutos antes. Em seu lugar estava uma pessoa completamente
diferente. Alguém muito responsável.
– Lucy – disse ele, e não era uma pergunta.
Estava mais para um lembrete. Aquilo seria resolvido do jeito dele, e ela teria de aceitar.
– Meu quarto não fica longe – disse ela, fazendo uma última tentativa. – Não precisa mesmo
me acompanhar. É logo subindo a escada.
E seguindo por um corredor e dobrando uma esquina, mas ele não precisava saber disso.
– Então vou levá-la até a escada.
Ela sabia que não adiantava discutir. Gregory não iria ceder. Sua voz estava calma, mas
havia algo nela que Lucy não tinha certeza de já ter ouvido antes.
– E vou ficar lá até você chegar ao seu quarto.
– Isso não é necessário.
Ele a ignorou.– Bata três vezes quando chegar lá.
– Eu não vou...
– Se eu não ouvir suas batidas, subirei até lá para ver com meus próprios olhos que você
está bem.
Gregory cruzou os braços e, ao encará-lo, Lucy se perguntou se ele seria o mesmo homem
se fosse o primogênito. Havia uma imperiosidade inesperada nele. Teria dado um ótimo
visconde, concluiu ela, embora não tivesse certeza de que, nesse caso, teria gostado tanto assim
dele. Lorde Bridgerton simplesmente a aterrorizava, embora ele devesse ter um lado mais suave,
pela maneira óbvia como adorava a esposa e os filhos.
Ainda assim...
– Lucy.
Ela engoliu em seco e cerrou os dentes, odiando ter de admitir que tinha mentido.
– Muito bem – falou, a contragosto. – Se quiser me ouvir bater, é melhor subir até o alto da
escada.
Gregory assentiu e a seguiu até o topo dos dezessete degraus.
– Vejo você amanhã – disse ele.
Lucy não falou nada. Tinha a sensação de que seria imprudente.
– Vejo você amanhã – repetiu ele.
Ela assentiu, já que ele parecia esperar uma resposta.
E, de qualquer forma, queria vê-lo. Não deveria querer, e sabia que não deveria fazer isso,
mas não se conteve.
– Acho que iremos embora – falou. – Tenho que voltar a pedido do meu tio, e Richard...
Bem, ele também terá assuntos a tratar.
Mas suas explicações não mudaram a expressão de Gregory. O rosto dele ainda estava
decidido, os olhos tão firmemente fixos nos dela que Lucy estremeceu.
– Vejo você pela manhã – foi tudo o que disse.
Ela assentiu mais uma vez e saiu, andando o mais rápido que podia sem correr. Dobrou a
esquina e enfim viu seu quarto, apenas três portas adiante.
Mas ela parou. Bem ali na esquina, fora do alcance da vista dele.
E bateu três vezes.

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