(Aviso todo dia terá capitulo novo) CAPÍTULO 13
No qual nossa heroína tem um vislumbre do seu futuro.
Um mês depois.
Acomida era requintada, os talheres, magníficos, tudo em volta mais do que luxuoso.
Lucy, no entanto, estava infeliz.
Lorde Haselby e o pai, o conde de Davenport, tinham ido à Casa Fennsworth, em Londres,
para o jantar. Tinha sido ideia de Lucy, um fato que agora ela achava penosamente irônico. Ela
se casaria em apenas uma semana, e ainda assim, até aquela noite, ainda não tinha visto seu
futuro marido. Não desde que o casamento tinha passado de provável para iminente, pelo menos.
Ela e o tio tinham chegado a Londres duas semanas antes e, após onze dias sem que visse
seu pretendente, ela procurara o tio e perguntara se poderiam organizar algum tipo de reunião.
Ele parecera um pouco irritado, embora não porque achasse o pedido tolo, Lucy tinha certeza
disso. Não, a simples presença dela bastava para provocar tal reação nele. Ela esperara à frente
dele por uma resposta, e ele tinha sido forçado a levantar os olhos.
Tio Robert não gostava de ser interrompido.
Mas aparentemente tinha chegado à conclusão de que era prudente permitir que um casal de
noivos trocasse uma ou duas palavras antes de se encontrarem na igreja, então lhe dissera, em
poucas palavras, que iria tomar as providências.
Estimulada por sua pequena vitória, Lucy também tinha perguntado se poderia comparecer
a um dos muitos eventos sociais que aconteciam praticamente à sua porta. A temporada londrina
tinha começado, e todas as noites Lucy ficava à janela, observando as elegantes carruagens
passarem. Certa noite houvera uma festa do outro lado da St. James Square, bem em frente à
Casa Fennsworth. A fila de carruagens dera a volta à praça e Lucy tinha apagado as velas em seu
quarto, para sua silhueta não ser vista à janela, enquanto ela acompanhava tudo. Alguns
convidados ficaram impacientes com a espera e, como o clima estava ameno, desembarcaram do
lado dela da praça e andaram o resto do caminho.
Lucy dissera a si mesma que só queria ver os vestidos, mas, no fundo do seu coração, sabia
a verdade.
Ela procurava o Sr. Bridgerton.
Não sabia bem o que faria se chegasse a vê-lo. Provavelmente se abaixaria para não ser
vista. Ele devia saber que aquela era a casa dela, e com certeza teria a curiosidade de olhar para a
fachada, mesmo que a presença de Lucy em Londres não fosse um fato amplamente conhecido.
Mas ele não tinha ido àquela festa, ou, se fora, sua carruagem o deixara bem na entrada.
Ou talvez ele não estivesse em Londres. Lucy não tinha como saber. Estava presa em casa
com seu tio e sua tia idosa e um pouco surda Harriet, que fora chamada para lá por uma questão
de decoro. Lucy saía de casa para ir à costureira e para alguns passeios no parque, mas, fora isso,
passava o tempo inteiro sozinha com um tio que não falava e uma tia que não ouvia direito.
Então ela em geral não estava a par de fofocas. Sobre Gregory Bridgerton ou qualquer outra
pessoa, aliás.E, mesmo quando por acaso encontrava alguém que conhecia, ela não podia simplesmente
perguntar por ele. As pessoas iriam pensar que estava interessada, o que era verdade, só que
ninguém jamais poderia saber disso.
Ela iria se casar com outra pessoa. Em uma semana. E, mesmo que não fosse, Gregory
Bridgerton não tinha demonstrado nenhum sinal de querer tomar o lugar de Haselby.
Ele a havia beijado, isso era verdade, e parecia preocupado com o bem-estar dela, mas, se
acreditava que um beijo implicava a necessidade de um pedido de casamento, não dera nenhuma
indicação disso. Ele não sabia que o noivado dela com Haselby tinha sido formalizado, não
quando a beijara, e não na manhã seguinte, quando se encontraram meio sem jeito na entrada da
casa. Gregory devia ter imaginado que estava beijando uma jovem sem compromisso. Não se faz
uma coisa dessas a menos que se esteja pronto e disposto para subir ao altar.
Mas não Gregory. Quando ela enfim lhe contara sobre o noivado, ele não parecera abalado.
Nem mesmo ligeiramente angustiado. Não houvera nenhum apelo para que ela reconsiderasse,
ou tentasse encontrar uma maneira de cancelar o compromisso. Tudo o que ela vira em seu rosto
– e, ah, como ela tinha procurado... – fora... nada.
Seu rosto, seus olhos pareciam quase inexpressivos. Talvez um pouco surpresos, mas ela
não vira nenhuma tristeza ou alívio. Nada que indicasse que o casamento iminente de Lucy
significava alguma coisa para ele.
Ah, não, ela não achava que Gregory era um cafajeste, e tinha certeza de que ele teria se
casado com ela se houvesse sido necessário. Mas ninguém os vira, e assim, no que dizia respeito
ao restante do mundo, nada havia acontecido.
Não houvera consequências. Para nenhum deles.
Mas não teria sido bom se ele tivesse parecido pelo menos um pouco chateado? Gregory a
beijara e a terra tremera – não era possível que ele não tivesse sentido. Então ele não deveria
querer mais? Não deveria querer, se não casar com ela, pelo menos ter a chance de fazer isso?
Mas ele dissera “Faço votos de que seja feliz”, e isso soara tão definitivo... Enquanto estava
lá, vendo seus baús sendo levados para a carruagem, Lucy sentira o coração se partir. Sentira
dor. E, quando se afastara, a sensação só piorara, fazendo-a achar que ficaria sem ar. Ela, então,
começara a caminhar o mais rápido que podia sem sair correndo, até que enfim dobrara uma
esquina e desabara em um banco, enterrando o rosto desamparadamente nas mãos.
E rezara para que ninguém a visse.
Ela quisera olhar para trás. Quisera roubar um último olhar e guardar na memória a imagem
de Gregory naquele momento – aquela maneira singular que ele tinha de ficar em pé, as mãos
atrás das costas, as pernas ligeiramente afastadas. Lucy sabia que centenas de homens paravam
daquela mesma forma, mas com ele era diferente. Gregory poderia estar virado para o outro lado,
a centenas de metros de distância, e ela saberia que era ele.
Ele tinha um jeito próprio de caminhar também, tranquilo e descontraído, como se uma
pequena parte do seu coração ainda tivesse 7 anos de idade. Era algo em seus ombros, nos
quadris talvez – o tipo de coisa que quase ninguém notaria, mas Lucy sempre fora atenta aos
detalhes.
Mas ela não olhara para trás. Só teria piorado tudo. Ele provavelmente não estaria olhando
para ela, mas se estivesse... e a visse se virar...
Teria sido devastador. Ela não sabia bem por quê, mas teria sido. Não queria que ele visse
seu rosto. Tinha conseguido manter-se tranquila durante a conversa, mas, quando virara para
sair, ela sentira que mudara. Seus lábios se entreabriram, ela respirara fundo, e era como se
tivesse se esvaziado.Era horrível. E ela não queria que ele visse isso.
Além disso, Gregory não estava interessado. Ele só fizera questão de se desculpar pelo
beijo. Lucy sabia que era o que ele tinha de fazer – a sociedade exigia isso (ou, se não isso, então
uma rápida ida ao altar). Mas, ainda assim, doía. Lucy queria pensar que ele compartilhara, pelo
menos um pouco, do que ela sentira. Não que alguma coisa pudesse resultar disso, mas com
certeza a faria ter uma sensação melhor. Ou talvez pior.
E, no fim, não importava. Não importava o que o coração dela sentia ou deixava de sentir,
porque ela não poderia fazer nada a respeito. Que sentido fazia ter sentimentos se eles não
poderiam ser direcionados para um fim tangível? Lucy tinha de ser prática. E ela era assim. Era
sua única constante em um mundo que estava girando rápido demais para seu gosto.
Mas, ainda assim, ali em Londres, ela queria vê-lo. Era tolo, estúpido e, quase sem dúvida,
desaconselhável, mas ela queria assim mesmo. Ela não tinha nem que falar com ele. Na verdade,
provavelmente não deveria falar com ele. Mas vê-lo de relance não faria mal a ninguém.
Só que, quando ela perguntara a tio Robert se poderia ir a uma festa, ele recusara, alegando
que não fazia muito sentido perder tempo ou dinheiro com a temporada se ela já tinha alcançado
o resultado esperado: um pedido de casamento.
Além disso, ele lhe informara que lorde Davenport gostaria que Lucy fosse apresentada à
sociedade como Lady Haselby, e não como Lady Lucinda Abernathy. Lucy não sabia muito bem
por que isso era importante, principalmente porque vários membros da sociedade já a conheciam
como Lucinda Abernathy. Mas tio Robert indicara (à sua inimitável maneira, ou seja, sem dizer
uma palavra) que a conversa havia acabado e já tinha voltado a atenção para os papéis em sua
mesa.
Por um breve instante, Lucy permanecera no lugar. Se dissesse o nome dele, talvez ele
levantasse os olhos. Ou talvez não. Mas, se fizesse isso, estaria impaciente, e ela se sentiria um
estorvo, e, de qualquer forma, não receberia nenhuma resposta às suas perguntas.
Então, ela apenas acenou com a cabeça e saiu da sala. Embora só Deus soubesse por que se
dava ao trabalho de cumprimentá-lo. Tio Robert nunca voltava a olhar para ela depois que a
dispensava.
E agora ali estava, no jantar que ela mesma solicitara, desejando fervorosamente que nunca
tivesse aberto a boca. Haselby era gentil, até mesmo bem agradável. Mas seu pai...
Lucy rezava para não ter de morar na casa dos Davenports. Por favor, por favor, Deus
permita que Haselby tenha sua própria casa.
No País de Gales. Ou talvez na França.
Lorde Davenport, depois de reclamar do tempo, da Câmara dos Comuns e da ópera (que
achava, respectivamente, chuvoso, cheia de idiotas mal-educados e, por Deus, nem mesmo era
em inglês!), voltara seu olhar crítico para ela.
Lucy precisara de toda sua força para não recuar enquanto ele a atacava. O homem parecia
um um peixe acima do peso, com os olhos saltados e os lábios grossos. Para ser sincera, Lucy
não teria ficado surpresa se ele tivesse aberto a camisa e revelado brânquias e escamas.
E então... ecaaa... ela estremeceu só de lembrar. Ele se aproximara tanto, tanto, que Lucy
sentira seu hálito quente e fedido no rosto. Ela ficara rígida, com a postura perfeita que havia
aprendido desde criança. E ele lhe dissera para mostrar os dentes.
Tinha sido humilhante.
Lorde Davenport a inspecionara como se fosse uma égua reprodutora, chegando ao ponto de
colocar as mãos em seus quadris para medi-los para um possível parto! Lucy engasgara e olhara
desesperada para o tio, em busca de ajuda, mas ele continuara impassível, o olhar fixo em umlocal que não era o seu rosto.
E agora que tinham se sentado para comer... Santo Deus! Lorde Davenport decidira
interrogá-la. Fizera todas as perguntas possíveis sobre sua saúde, cobrindo áreas que Lucy tinha
quase certeza que não eram apropriadas para uma conversa entre homens e mulheres, e então,
quando ela achou que o pior já tinha passado...
– Você sabe a tabuada?
Lucy piscou.
– Perdão?
– A tabuada – disse ele, impaciente. – De seis, de sete...
Por um instante, Lucy não conseguiu falar. Ele queria que ela fizesse contas?
– Bem...? – insistiu ele.
– É c-claro – gaguejou Lucy.
E olhou de novo para o tio, mas ele mantinha a expressão de determinado desinteresse.
– Mostre-me. – A boca de Davenport contraiu-se em uma linha firme entre as bochechas
salientes. – Pode ser a de sete.
– Eu... hã...
Totalmente desesperada, ela ainda tentou chamar a atenção de tia Harriet, mas esta se
mostrava alheia a tudo. Na verdade, não havia dito uma palavra desde que a noite começara.
– Pai – interrompeu Haselby –, com certeza o senhor...
– É tudo uma questão de criação – retrucou lorde Davenport, bruscamente. – O futuro da
família está no ventre dela. Temos o direito de saber o que estamos recebendo.
Os lábios de Lucy se abriram com o choque. Então ela percebeu que tinha levado a mão ao
abdômen e abaixou de imediato. Ficou olhando alternadamente para o pai e para o filho, sem
saber direito se deveria falar.
– A última coisa que você quer é uma mulher que pense demais – dizia lorde Davenport –,
mas ela deve ser capaz de fazer coisas simples como a multiplicação. Santo Deus, filho, pense
nas implicações.
Lucy olhou para Haselby. Ele retribuiu o olhar como quem pede desculpas.
Ela engoliu em seco e fechou os olhos por um instante para reunir forças. Quando os abriu,
lorde Davenport a encarava e começava a abrir a boca. Quando Lucy percebeu que ele ia falar de
novo, pensou que não poderia suportar isso, então...
– Sete, catorze, vinte e um – disparou ela, interrompendo-o da melhor forma que pôde. –
Vinte e oito, trinta e cinco, quarenta e dois...
Ela se perguntou o que ele faria se ela errasse. Será que cancelaria o casamento?
–... quarenta e nove, cinquenta e seis...
Era tentador. Tão tentador...
–... sessenta e três, setenta, setenta e sete...
Ela olhou para o tio. Ele estava comendo. E nem olhava para ela.
–... oitenta e dois, oitenta e nove...
– Hã, já basta – disse lorde Davenport, começando a falar no oitenta e dois.
A euforia rapidamente se esvaiu do peito de Lucy. Ela havia se rebelado – talvez pela
primeira vez na vida – e ninguém tinha notado. Tinha esperado demais.
E se perguntou o que mais já deveria ter feito.
– Muito bem – disse Haselby, com um sorriso encorajador.
Lucy conseguiu retribuir com um sorriso discreto. Ele não era nada mau. Na verdade, se não
fosse por Gregory, ela o consideraria bem razoável. O cabelo talvez fosse um pouco fino demais,e ele também era meio magro demais, mas isso não era exatamente um motivo de reclamação.
Sobretudo porque a personalidade dele – sem dúvida o aspecto mais importante de qualquer
homem – era bastante agradável. Eles tinham conseguido conversar um pouco antes do jantar,
enquanto lorde Davenport e o tio de Lucy discutiam sobre política, e ele fora encantador. Até
fizera um comentário sarcástico sobre o pai e ainda revirara os olhos, fazendo Lucy rir.
Ela não devia mesmo reclamar.
E não estava reclamando. Não faria isso. Só queria outra coisa.
– Posso crer que se saiu bem na Escola da Srta. Moss? – perguntou lorde Davenport, com os
olhos semicerrados de forma que sua indagação não soasse exatamente amigável.
– Sim, claro – respondeu Lucy, piscando, surpresa.
Tinha pensado que já não era mais o foco da conversa.
– Excelente instituição – comentou o conde, mastigando um pedaço de cordeiro assado. –
Eles têm exata noção do que uma garota deve e não deve saber. A filha de Winslow estudou lá.
A de Fordham também.
– Sim – murmurou Lucy, uma vez que uma resposta parecia esperada. – As duas são
meninas muito gentis – mentiu.
Sybilla Winslow era uma tirana bastante desagradável que achava divertido beliscar as
alunas mais jovens.
Mas, pela primeira vez naquela noite, lorde Davenport parecia satisfeito com ela.
– Você as conhece bem, então? – indagou.
– Hã, um pouco – falou Lucy, de forma evasiva. – Lady Joanna era um pouco mais velha,
mas não é uma escola grande. Não há como não conhecer as outras alunas.
– Bom – comentou lorde Davenport, em aprovação, as bochechas sacudindo com o
movimento.
Lucy tentou não olhar.
– Essas são as pessoas que você precisa conhecer – continuou ele. – Ligações que deve
cultivar.
Lucy assentiu respeitosamente, fazendo ao mesmo tempo uma lista mental de onde
preferiria estar. Paris, Veneza, Grécia... se bem que... esses lugares não estavam em guerra? Não
importava. Ela ainda preferiria estar na Grécia.
–... responsabilidade com o nome... certos padrões de comportamento...
Será que era muito quente no Oriente? Ela sempre admirara os vasos chineses.
–... não vamos tolerar qualquer desvio...
Qual era o nome daquela parte terrível da cidade? St. Giles? Sim, ela também preferiria
estar lá.
–... obrigações. Obrigações!
Ao dizer a última palavra, ele bateu com o punho na mesa, fazendo a prataria sacudir e Lucy
dar um pulo no assento. Até mesmo tia Harriet levantou os olhos da comida.
Lucy logo voltou a prestar atenção e, como todos os olhos estavam voltados para ela, disse:
– Sim?
Lorde Davenport se inclinou de forma quase ameaçadora.
– Algum dia você será Lady Davenport. E terá obrigações. Muitas.
Lucy conseguiu esticar os lábios apenas o suficiente para simular uma resposta. Santo Deus,
quando aquela noite iria acabar?
Lorde Davenport se inclinou ainda mais e, ainda que a mesa fosse grande e estivesse cheia
de comida, Lucy instintivamente se afastou.– Você não deve desprezar suas responsabilidades – continuou ele, o volume da voz
aumentando de maneira assustadora. – Está me entendendo, garota?
Lucy se perguntou o que aconteceria se levasse as mãos à cabeça e gritasse:
Deus do céu, ponha um fim a esta tortura!!!
Sim, pensou ela, isso provavelmente o faria desistir da ideia do casamento. Talvez ele a
achasse insana e...
– É claro, lorde Davenport – ela se ouviu dizer.
Era uma covarde. Uma covarde desprezível.
E então, como se ele fosse uma espécie de brinquedo de corda que alguém tivesse acionado
até o fim, recostou-se na cadeira, perfeitamente composto.
– Fico feliz em ouvir isso – falou, limpando o canto da boca com o guardanapo. – E
tranquilo em ver que ainda ensinam deferência e respeito na Escola da Srta. Moss. Não me
arrependo de ter decidido mandá-la para lá.
Lucy parou o garfo a meio caminho da boca.
– Não sabia que a decisão havia sido do senhor.
– Eu tinha de fazer alguma coisa – resmungou ele, olhando para Lucy como se ela fosse
tonta. – Você não tinha uma mãe para se certificar de que você fosse devidamente instruída para
o papel que irá desempenhar na vida. E há coisas que você precisa saber para ser uma condessa.
Habilidades que deve ter.
– Claro – disse ela com deferência, concluindo que uma demonstração de absoluta
humildade e obediência seria a maneira mais rápida de pôr um fim àquela tortura. – Hã, e muito
obrigada.
– Por quê? – quis saber Haselby.
Lucy virou para o noivo. Ele parecia genuinamente curioso.
– Ora, por ter me enviado para a Escola da Srta. Moss – explicou ela, tomando o cuidado de
se referir diretamente a Haselby.
Talvez, se não olhasse para lorde Davenport, ele esquecesse que ela estava lá.
– Então a senhorita gostou de lá? – perguntou Haselby.
– Sim, muito – respondeu ela, um tanto surpresa ao perceber como era agradável que lhe
fizessem uma pergunta educada. – Foi ótimo. Fui muito feliz lá.
Haselby abriu a boca para falar, mas, para o horror de Lucy, a voz que ouviu foi a do pai
dele.
– Não se trata do que faz alguém feliz! – rugiu lorde Davenport, enfurecido.
Lucy não conseguia tirar os olhos da boca ainda aberta de Haselby. Sinceramente, pensou
ela, em um estranho momento de calma absoluta, isso foi quase assustador.
Haselby fechou a boca e virou para o pai com um sorriso tenso.
– Do que se trata, então? – perguntou ele, e Lucy ficou impressionada com a absoluta falta
de desagrado em sua voz.
– Trata-se do que se aprende – respondeu o conde, batendo um dos punhos na mesa de uma
maneira bastante inadequada. – E das amizades que se faz.
– Bem, com certeza eu aprendi a tabuada – disse Lucy com delicadeza, embora ninguém
parecesse ouvi-la.
– Ela será uma condessa! – bradou Davenport. – Uma condessa!
Haselby encarou o pai com tranquilidade.
– Ela só será uma condessa quando o senhor morrer – murmurou.
Lucy ficou boquiaberta.– Então, na verdade – continuou Haselby, levando casualmente um minúsculo pedaço de
peixe à boca –, isso não importa muito para o senhor, não é?
Lucy virou em direção a lorde Davenport, os olhos muito arregalados.
O conde estava vermelho. Era uma cor horrível – sombria, forte e colérica, agravada pela
veia que saltava em sua têmpora esquerda. Ele fuzilava Haselby com os olhos estreitos de raiva.
Não havia ódio ali, nenhum desejo de fazer mal ou ferir, mas, embora não fizesse absolutamente
nenhum sentido, Lucy poderia jurar que naquele momento Davenport odiava o filho.
E Haselby disse apenas:
– Como o tempo anda bom, não é mesmo?
E sorriu. Sorriu!
Lucy encarou-o, perplexa. Fazia dias que não parava de chover. Mas, mais importante que
isso, será que ele não tinha percebido que seu pai estava a um comentário atrevido de distância
de um ataque apoplético? Lorde Davenport parecia prestes a explodir, e Lucy tinha certeza de
que podia ouvir seus dentes rangendo do outro lado da mesa.
E então, quando a sala praticamente pulsava de fúria, tio Robert entrou na conversa.
– Estou satisfeito por termos decidido realizar o casamento aqui em Londres – disse ele, a
voz tranquila e objetiva. – Como você sabe – continuou ele, enquanto os outros recuperavam a
compostura –, Fennsworth se casou em Abbey há apenas duas semanas, e, embora isso lembre a
todos de nossa história ancestral já que, se não me engano, os últimos sete condes se casaram em
casa, quase ninguém pôde comparecer.
Lucy suspeitava que isso tinha a ver tanto com a pressa com que o evento fora realizado
quanto com o local, mas aquele não parecia o momento propício de abordar o assunto. E ela
havia adorado o fato de ter sido uma cerimônia mais íntima. Richard e Hermione estavam muito
felizes e todos os presentes tinham comparecido em nome do amor e da amizade. Tinha sido uma
ocasião realmente alegre.
Até eles partirem no dia seguinte em viagem de lua de mel para Brighton. Lucy nunca se
sentira tão infeliz e sozinha como quando acenara em despedida para eles na entrada de casa.
Os dois estariam de volta em breve, procurou se lembrar. Antes do casamento dela.
Hermione seria sua única madrinha, e Richard a levaria ao altar.
Nesse meio-tempo, tinha tia Harriet como companhia. E lorde Davenport. E Haselby, que
era ou totalmente brilhante ou completamente insano.
Uma risada – irônica, absurda e bastante inadequada – subiu pela sua garganta, escapando
pelo nariz num bufar deselegante.
– Hã? – resmungou lorde Davenport.
– Não é nada – disse ela com rapidez, tossindo para disfarçar. – Engasguei com a comida.
Uma espinha de peixe, é provável.
Foi quase engraçado. Teria sido engraçado, até, se ela estivesse lendo a cena em um livro.
Teria de ser uma sátira, pensou, porque certamente não poderia ser um romance.
E ela não suportava pensar que poderia se tornar uma tragédia.
Lucy olhou ao redor da mesa para os três homens com poder de decisão sobre sua vida.
Teria de tentar tirar o melhor disso. Não havia outra opção. Não fazia sentido continuar infeliz,
por mais difícil que fosse ver as coisas pelo lado positivo. E, na verdade, poderia ter sido pior.
Então ela fez o que fazia melhor e tentou encarar aquilo tudo de um ponto de vista prático,
catalogando mentalmente de que formas as coisas poderiam ser piores.
Mas, em vez disso, continuava pensando no rosto de Gregory Bridgerton – e de que formas
tudo poderia ser melhor....
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