capitulo 9

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CAPÍTULO 9
No qual nossa história sofre uma reviravolta.
Na noite seguinte, haveria o baile de máscaras. Era para ser um grande acontecimento, não
grande demais, é claro – Anthony, irmão de Gregory, não suportaria tamanha perturbação em sua
confortável vida no campo. No entanto, era para ser o auge dos eventos daquela reunião em
Aubrey Hall. Todos os hóspedes estariam lá, assim como uma centena de outros convidados –
alguns de Londres, outros vindos direto de suas casas no campo. Todos os quartos tinham sido
arejados e preparados para os ocupantes, e, mesmo assim, um bom número de convidados iria se
hospedar em casas de vizinhos ou, no caso de uns poucos sem sorte, em pousadas próximas.
A intenção original de Kate era oferecer um baile à fantasia – queria muito se vestir de
Medusa (para a surpresa de ninguém) –, mas enfim abandonara a ideia após Anthony lhe falar
que, se ela fizesse mesmo a festa, ele escolheria a própria fantasia.
O olhar que ele lançou à esposa aparentemente foi o bastante para ela optar por uma
desistência imediata.
Mais tarde ela contou a Gregory que Anthony ainda não a havia perdoado por fantasiá-lo de
Cupido no baile em Billington no ano anterior.
– Angelical demais para ele? – murmurou Gregory.
– Mas o lado bom é que agora sei exatamente como ele era quando bebê. Muito fofo, na
verdade.
– Acho que até este momento eu não sabia muito bem quanto meu irmão a amava – disse
Gregory, estremecendo.
– Muito. – Ela sorriu e acenou com a cabeça. – Muito mesmo, posso garantir.
E assim chegaram a um acordo. Nada de fantasias, apenas máscaras. Anthony não se
importou nem um pouco com isso, já que lhe permitiria abandonar completamente suas funções
como anfitrião, se assim preferisse (afinal, quem iria notar sua ausência?), e Kate começou a
trabalhar no projeto de uma máscara de Medusa com cobras saindo em todas as direções (o
projeto não foi bem-sucedido).
Por insistência de Kate, Gregory chegou ao salão de festas pontualmente às oito e meia, o
início anunciado do baile. Isso significava, é claro, que os únicos convidados presentes eram ele,
seu irmão e Kate, mas havia criados suficientes andando por ali para que não parecesse tão vazio,
e Anthony disse que estava adorando a reunião.
– A festa fica muito melhor sem todas aquelas pessoas esbarrando umas nas outras –
comentou alegremente.
– Quando você ficou tão avesso a eventos socias? – perguntou Gregory, pegando uma taça
de champanhe de uma bandeja.
– Não é nada disso – respondeu Anthony, dando de ombros. – Só perdi a paciência para
qualquer tipo de coisas estúpidas.
– Ele não está envelhecendo bem – confirmou a esposa.
Se Anthony se ressentiu com o comentário dela, não demonstrou.– Só me recuso a lidar com idiotas – disse a Gregory. Seu rosto se iluminou. – Isso cortou
minhas obrigações sociais pela metade.
– Qual é a razão de se ter um título se não se pode recusar alguns convites? – murmurou
Gregory ironicamente.
– De fato – retrucou Anthony. – De fato.
Gregory se virou para Kate.
– Você não tem argumentos para isso?
– Ah, eu tenho muitos argumentos – respondeu ela, esticando o pescoço para examinar o
salão de baile em busca de eventuais catástrofes de última hora. – Sempre tenho argumentos.
– É verdade – disse Anthony. – Mas ela sabe quando não pode vencer.
Kate se virou para Gregory ao falar, mas o que disse era claramente dirigido ao marido: – O
que eu sei é como escolher minhas batalhas.
– Não dê atenção a ela – aconselhou Anthony. – Essa é só a maneira dela de admitir a
derrota.
– E ainda assim ele continua – disse Kate para ninguém em particular –, mesmo sabendo
que eu sempre venço no final.
Anthony deu de ombros e abriu para o irmão um sorriso atipicamente constrangido.
– Ela está certa, é claro. – Ele terminou sua bebida. – Mas não há razão em se entregar sem
lutar.
Gregory só podia sorrir. Ainda estavam para nascer dois tolos mais apaixonados. Era algo
lindo de se ver, mesmo que o fizesse sentir uma ligeira pontada de inveja.
– Como vai a sua corte? – perguntou Kate a ele.
Anthony ficou todo interessado.
– Sua corte? – ecoou, o rosto assumindo a habitual expressão me obedeça, sou o visconde. –
Quem é ela?
Gregory lançou a Kate um olhar irritado. Ele não havia compartilhado seus sentimentos
com o irmão. Não sabia bem por quê, mas em parte era por não ter visto Anthony com muita
frequência nos últimos dias. De qualquer forma, não parecia o tipo de coisa a ser compartilhada
com um irmão. Sobretudo com um que estava bem mais para pai do que irmão.
Isso sem falar... Que se ele não tivesse sorte...
Bem, não iria querer que sua família soubesse.
Mas ele ia conseguir. Por que estava duvidando de si mesmo? Mesmo antes, quando a Srta. Watson ainda o tratava como um estorvo, ele tinha certeza do resultado. Não fazia sentido que
agora, que a amizade dos dois crescia, ele de repente questionasse suas possibilidades de
sucesso.
Kate, como era de esperar, ignorou a irritação de Gregory.
– Adoro quando você não sabe de alguma coisa – disse ela ao marido. – Principalmente
quando eu sei.
Anthony virou para Gregory.
– Tem certeza de que quer se casar com uma dessas?
– Não com essa, exatamente – respondeu Gregory. – Mas com uma bem parecida.
Kate pareceu bastante contrariada por ter sido tratada por “essa”, mas logo se recuperou,
dirigindo-se a Anthony ao dizer: – Ele declarou seu amor por...
Ela balançou uma das mãos no ar como se afastasse uma ideia tola.
– Ah, esqueça, acho que não vou lhe dizer.
Seu jeito de falar era um pouco suspeito. Ela provavelmente tivera a intenção de não lhecontar o tempo todo. Gregory não sabia direito o que era melhor – Kate ter honrado seu segredo
ou Anthony ter ficado desconcertado.
– Veja se consegue adivinhar – desafiou Kate, com um sorriso travesso. – Isso deve dar à
sua noite um senso de propósito.
Anthony encarou Gregory com ar sério.
– Quem é?
Gregory deu de ombros. Ele sempre ficava do lado de Kate quando era para contrariar o
irmão.
– Longe de mim lhe negar um senso de propósito.
Anthony resmungou, chamando-o de fedelho arrogante, e Gregory soube que a noite tinha
começado bem.
Os convidados foram chegando e, em cerca de uma hora, o salão de baile já estava
preenchido pelo zumbido baixo da conversa e dos risos. Todos pareciam um pouco mais
arrojados com uma máscara no rosto, e logo a brincadeira tornou-se mais ousada, e as piadas,
mais irreverentes.
E as risadas... Era difícil explicar com palavras, mas eram diferentes. Havia mais do que
alegria no ar. Tudo beirava a excitação, como se os foliões de alguma forma soubessem que
aquela era uma noite para se arriscar.
Para se soltar.
Porque, na manhã seguinte, ninguém saberia.
De modo geral, Gregory gostava de noites como aquela.
Por volta das nove e meia, no entanto, estava ficando frustrado. Não podia afirmar, mas
tinha quase certeza de que a Srta. Watson não aparecera. Mesmo com uma máscara, seria quase
impossível para ela manter a identidade em segredo. Seu cabelo era impressionante demais,
etéreo demais à luz das velas, para ela ser confundida com outra pessoa.
Já Lady Lucinda, por outro lado, não teria nenhum problema em se misturar aos demais.
Seu cabelo sem dúvida tinha um belo tom de mel, mas não era nada inesperado ou único. Metade
das damas da alta sociedade devia ter o cabelo dessa cor.
Ele olhou ao redor do salão. Muito bem, não metade. E talvez nem mesmo um quarto. Mas
sem dúvida o cabelo de Lady Lucinda não tinha o brilho do luar do de sua amiga.
Gregory franziu a testa. A Srta. Watson realmente já deveria ter chegado àquela altura.
Como estava hospedada ali, não precisava lidar com estradas lamacentas, cavalos ruins ou
mesmo a longa fila de carruagens à frente da casa esperando para deixar os convidados. E,
embora duvidasse que ela fosse querer chegar tão cedo quanto ele, com certeza não se atrasaria
mais de uma hora.
Se não por outro motivo, porque Lady Lucinda não teria aceitado. Ela era claramente do
tipo pontual.
De um jeito bom. Não de um jeito insuportável e irritante.
Ele sorriu para si mesmo. Ela não era assim.
Era mais como Kate. Ou pelo menos seria, quando fosse mais velha. Inteligente, prática e só
um pouco ardilosa.
Na verdade, bem divertida. Lady Lucinda era uma boa esportista.
Mas ele também não a via entre os convidados. Ou, pelo menos, achava que não. Não dava
para ter certeza. Ele já tinha avistado várias damas com o cabelo da cor aproximada do dela, mas
nenhuma parecia ser a própria. Uma se movia da maneira errada – muito deselegante, talvez até
um pouco desajeitada. E outra tinha a altura errada. Não por muita diferença, provavelmenteapenas alguns centímetros. Mas ele sabia.
Não era ela.
Devia estar junto com a Srta. Watson. O que, de certa forma, ele achava reconfortante. A
Srta. Watson não poderia se meter em problemas com Lady Lucinda por perto.
Sua barriga começou a roncar e ele decidiu abandonar a busca por um tempo, para procurar
algo para comer. Como sempre, Kate tinha providenciado uma farta seleção de petiscos para seus
convidados beliscarem durante o correr da noite. Ele foi direto para a bandeja de sanduichinhos –
que se pareciam bastante com os que havia na noite em que ele chegara, dos quais gostara muito.
Dez deles deviam bastar.
Hum. Ele viu pepino – um desperdício de pão, na sua opinião. Queijo – não, não era o que
ele estava procurando. Talvez...
– Sr. Bridgerton?
Lady Lucinda. Ele reconheceria aquela voz em qualquer lugar.
Ele virou. Lá estava ela. Gregory se parabenizou. Estava certo com relação às outras
mascaradas com cabelo louro-escuro. Definitivamente ainda não havia cruzado com ela naquela
noite.
Seus olhos se arregalaram e ele percebeu que a máscara dela, coberta com feltro azul-
acinzentado, era da cor exata de seus olhos. Ele se perguntou se a Srta. Watson tinha arrumado
uma parecida em verde.
– É o senhor, não é?
– Como a senhorita sabia? – perguntou ele.
Ela piscou.
– Não sei bem. Apenas sabia. – Então os lábios dela se abriram, apenas o suficiente para
revelar um suave brilho de dentes brancos, e ela disse: – Sou a Lucy. Lady Lucinda.
– Eu sei – murmurou ele, ainda olhando para sua boca.
O que havia com as máscaras? Era como se, ao cobrirem a parte de cima, fizessem a parte
inferior ficar mais intrigante. Quase hipnotizante.
Como ele podia não ter notado a forma como os lábios dela se curvavam ligeiramente para
cima nos cantos? Ou as sardas em seu nariz? Havia sete, todas ovais, a não ser pela última, que
na verdade parecia um pouco o mapa da Irlanda.
– Está com fome? – perguntou ela.
Ele piscou, forçando os olhos a voltarem para os dela.
Lucy apontou para os sanduíches.
– O de presunto está muito bom. O de pepino também. Em geral não tenho nenhuma
predileção especial por sanduíches de pepino... nunca parecem satisfazer, embora eu goste do
fato de ser crocante, mas esses têm um pouco de queijo cremoso em vez de apenas manteiga. Foi
uma agradável surpresa.
Ela fez uma pausa e olhou para ele, virando a cabeça de lado enquanto esperava sua
resposta.
E Gregory sorriu. Não pôde evitar. Havia algo tão peculiarmente divertido com relação a ela
quando tagarelava sobre comida.
Ele estendeu a mão e colocou um sanduíche de pepino em seu prato.
– Com tal recomendação, como eu poderia recusar?
– Bem, o de presunto está bom também, se o senhor não gostar de pepino.
Mais uma vez, aquilo era tão típico dela... Querer que todos ficassem felizes. Tente isto. E
se não gostar, experimente este, ou este, ou este. E se isso não der certo, fique com o meu.Lucy nunca disse isso, é claro, mas de alguma forma ele sabia que era assim que ela agiria.
Ela olhou para a bandeja.
– Eu gostaria que eles não estivessem todos misturados.
Gregory olhou para ela com ar curioso.
– Perdão?
– Bem... – disse Lucy, aquele tipo singular de bem que pressagia uma explicação longa e
profunda. – O senhor não acha que faria muito mais sentido separar os sanduíches por tipo?
Colocar cada um em uma bandeja menor? Assim, se a pessoa provasse um que a agradasse,
saberia exatamente onde conseguir outro. Ou – nesse ponto ela ficou ainda mais animada, como
se estivesse cuidando de um problema de grande importância social – se havia outro. Pense só. –
Ela acenou em direção à bandeja. – Pode não haver mais nenhum sanduíche de presunto ainda na
pilha. E não seria possível revirar todos eles, procurando. Seria muito indelicado.
Ele a observou, pensativo, depois disse:
– A senhorita gosta das coisas organizadas, não é?
– Ah, gosto – disse ela com convicção. – Gosto mesmo.
Gregory pensou em seu próprio jeito desorganizado. Ele jogava os sapatos no armário,
deixava convites espalhados... No ano anterior, havia liberado seu criado pessoal do serviço por
uma semana para que ele visitasse o pai doente, e quando o pobre homem voltara, o caos na
mesa de Gregory quase o matara.
Gregory olhou para o rosto sério de Lady Lucinda e riu. Ele provavelmente a deixaria
maluca em menos de uma semana também.
– Gostou do sanduíche? – perguntou ela, quando ele deu uma mordida. – De pepino?
– Muito intrigante – murmurou ele.
– Fico me perguntando se a comida deveria ser algo intrigante.
Ele terminou o sanduíche.
– Não tenho certeza.
Ela assentiu distraidamente, e em seguida disse:
– O de presunto está bom.
Eles passaram então para um silêncio sociável enquanto olhavam ao redor da sala. Os
músicos tocavam uma valsa animada e as saias das damas ondulavam como sinos de seda
quando giravam e rodopiavam. Era impossível assistir à cena e não ter a sensação de que a noite
em si estava viva, inquieta com toda aquela energia, esperando para fazer a sua jogada.
Algo iria acontecer naquela noite. Gregory tinha certeza disso. A vida de alguém mudaria.
Se tivesse sorte, seria a dele.
Suas mãos começaram a formigar. Os pés também. Ele estava tendo de se controlar ao
máximo para conseguir ficar parado. Queria se mexer, fazer alguma coisa. Queria colocar sua
vida em movimento, estender a mão e alcançar seus sonhos.
Queria se mexer. Não podia ficar parado. Ele...
– A senhorita quer dançar?
Ele não tinha a intenção de perguntar. Mas quando se virara, Lucy estava bem ali ao seu
lado e as palavras simplesmente saíram.
Os olhos dela se iluminaram. Mesmo com a máscara, ele podia ver que ela estava
encantada.
– Sim – respondeu. E estava quase suspirando quando acrescentou: – Adoro dançar.
Ele pegou sua mão e levou-a até a pista de dança. A valsa estava no auge e eles logo se
ajustaram ao ritmo, que parecia contagiá-los, torná-los um só. Gregory só precisava pressionar amão na cintura de Lucy e ela se movia exatamente como ele havia imaginado. Os dois giravam,
rodopiavam, o ar correndo pelos seus rostos tão rápido que os fazia rir.
Era perfeito. De tirar o fôlego. Era como se a música os tivesse invadido e guiasse todos os
seus movimentos.
E então acabou.
Tão depressa... Depressa demais. Por um instante depois do fim da música eles continuaram
ali, ainda nos braços um do outro, envoltos pela lembrança da melodia.
– Ah, isso foi formidável – disse Lady Lucinda, os olhos brilhando.
Gregory a soltou e fez uma reverência.
– A senhorita é uma excelente dançarina, Lady Lucinda. Eu sabia que seria.
– Obrigada, eu... – Ela o encarou. – O senhor sabia?
– Eu... – Por que ele tinha dito isso? Não tivera essa intenção. – A senhorita é muito
graciosa – falou finalmente, levando-a de volta para a lateral do salão de baile.
Muito mais graciosa do que a Srta. Watson, na verdade, apesar de isso fazer sentido,
considerando o que Lucy dissera sobre a habilidade para a dança da amiga.
– É seu jeito de andar – acrescentou, já que ela parecia estar esperando uma explicação mais
detalhada.
E aquilo teria de bastar, porque ele não estava disposto a falar mais nada sobre o assunto.
– Ah – disse ela, e os lábios se curvaram só um pouquinho para cima.
Mas foi o suficiente para surpreendê-lo. Ela parecia... feliz. Gregory percebeu que não era o
caso da maioria das pessoas. Elas pareciam se divertir, ou ficarem entretidas, ou satisfeitas.
Lady Lucinda parecia feliz. Ele gostava disso.
– Queria saber onde Hermione está – disse ela, olhando ao redor.
– Ela não veio com a senhorita? – perguntou Gregory, surpreso.
– Veio. Mas então encontramos com Richard e ele a chamou para dançar. Não –
acrescentou Lucy com veemência – porque esteja apaixonado por ela. Ele estava apenas sendo
educado. Isso é o que se faz pelas amigas da irmã.
– Tenho quatro irmãs – lembrou Gregory. – Eu sei. – Mas então ele se lembrou. – Pensei
que a Srta. Watson não dançasse.
– E não dança. Mas Richard não sabe disso. Ninguém sabe. A não ser eu. E o senhor. – Ela
olhou para ele com certa urgência. – Por favor, não conte a ninguém. Eu imploro. Hermione
ficaria arrasada.
– Meus lábios estão selados – prometeu Gregory.
– Imagino que tenham saído para ir atrás de alguma bebida – sugeriu Lucy, inclinando-se
um pouco para o lado para tentar ver a mesa de limonada. – Hermione falou algo sobre o calor. É
a sua desculpa favorita. E quase sempre funciona quando alguém a convida para dançar.
– Não estou vendo os dois – disse Gregory, seguindo o olhar dela.
– Não, o senhor não veria mesmo. – Ela virou de volta para ele, balançando de leve a
cabeça. – Não sei por que eu estava procurando. Isso já foi há algum tempo.
– Mais do que se leva para tomar uma bebida?
Ela riu.
– Hermione pode fazer um copo de limonada durar a noite inteira quando precisa. Mas acho
que Richard teria perdido a paciência.
Gregory achava que o irmão dela ficaria feliz em cortar o braço direito se isso lhe desse a
chance de olhar para a Srta. Watson enquanto ela fingia beber limonada, mas não havia muito
sentido em tentar convencer Lucy disso.– Acredito que tenham decidido dar um passeio – disse ela, obviamente despreocupada.
Mas Gregory se sentiu logo meio inquieto.
– Lá fora?
Ela deu de ombros.
– Imagino que sim. Com certeza não estão aqui no salão de baile. Hermione não pode se
esconder na multidão. O cabelo dela, o senhor sabe.
– Mas a senhorita acha que é prudente os dois saírem sozinhos? – pressionou Gregory.
Lady Lucinda olhou para ele como se não conseguisse entender a urgência em sua voz.
– Acho difícil estarem sozinhos – disse ela. – Há pelo menos umas vinte pessoas lá fora.
Olhei pelas portas de vidro.
Gregory se forçou a ficar calmo enquanto pensava no que fazer. Era óbvio que precisava
encontrar a Srta. Watson, e rápido, antes que ela fosse submetida a qualquer situação que
pudesse ser considerada irrevogável.
Irrevogável.
Jesus.
Vidas podiam mudar em um único instante. Se a Srta. Watson estava mesmo lá fora com o
irmão de Lucy... Se alguém os pegasse...
Um calor estranho começou a subir dentro dele, uma sensação de raiva e ciúme
completamente desagradável. A Srta. Watson podia estar em perigo... ou podia não estar. Talvez
ela gostasse dos avanços de Fennsworth...
Não. Não, ela não faria isso. Ele afastou o pensamento. A Srta. Watson achava estar
apaixonada por aquele ridículo Sr. Edmonds, quem quer que ele fosse. E não ficaria feliz com os
avanços de Gregory nem com os de lorde Fennsworth.
Mas será que o irmão de Lucy tinha aproveitado uma oportunidade que Gregory perdera?
Doía, bem ali em seu peito, como uma bala de canhão, aquela sensação, aquela emoção, aquela
coisa maldita... terrível... enlouquecedora...
– Sr. Bridgerton?
Nojenta. Sim, definitivamente nojenta.
– Sr. Bridgerton, há alguma coisa errada?
Ele moveu a cabeça apenas o necessário para encarar Lady Lucinda, mas mesmo assim
levou vários segundos para conseguir se concentrar em suas feições. Os olhos dela estavam
aflitos, a boca contraída em uma linha de preocupação.
– O senhor não parece bem – disse ela.
– Estou bem – grunhiu ele.
– Mas...
– Estou bem.
Lucy recuou.
– Sim, é claro que está.
Como Fennsworth tinha feito isso? Como tinha conseguido sair sozinho com a Srta. Watson? Ele ainda era tão inexperiente, pelo amor de Deus... Mal tinha saído da universidade, e
nunca tinha morado em Londres. E Gregory era... Bem, mais experiente do que isso.
Devia ter prestado mais atenção.
Nunca devia ter permitido isso.
– Acho que vou procurar Hermione – disse Lucy, afastando-se devagar. – Posso ver que o
senhor prefere ficar sozinho.
– Não – disparou Gregory, com um pouco mais de veemência do que pretendia. – Vouacompanhá-la. Vamos procurar juntos.
– O senhor acha isso prudente?
– Por que não seria?
– Eu... não sei. – Ela parou e o fitou com os olhos arregalados, sem piscar, e por fim disse: –
Só não acho que seja. O senhor mesmo acabou de questionar se teria sido prudente Richard e
Hermione saírem juntos.
– A senhorita com certeza não pode revistar a casa sozinha.
– É claro que não – retrucou Lucy, como se ele fosse tolo por sequer ter sugerido isso. – Eu
estava indo procurar Lady Bridgerton.
Kate? Meu Deus.
– Não faça isso – disse ele, depressa.
E talvez com um pouco de desdém também, embora não tivesse sido sua intenção.
Mas ela claramente se ofendeu, porque sua voz saiu bem firme e direta quando perguntou: –
E por que não?
Ele se aproximou, o tom de voz baixo e urgente:
– Se Kate encontrá-los e eles não estiverem dentro das regras do decoro, estarão casados em
menos de duas semanas. Guarde minhas palavras.
– Não seja ridículo. É claro que eles estarão dentro das regras do decoro – sibilou Lucy, e
Gregory se surpreendeu, porque nunca lhe ocorreu que ela pudesse defendê-los com tanto vigor.
– Hermione nunca se comportaria de forma indevida – continuou, furiosamente. – Nem Richard,
aliás. Ele é meu irmão. Meu irmão.
– Ele a ama – disse Gregory simplesmente.
– Não. Ele. Não. Ama. – Deus do céu, ela parecia prestes a explodir. – E, mesmo que
amasse – seguiu, afrontando-o –, o que não é verdade, ele nunca a desonraria. Nunca. Ele, não.
Não...
– Não o quê?
Ela engoliu em seco.
– Ele não faria isso comigo.
Gregory não podia acreditar na ingenuidade dela.
– Ele não está pensando na senhorita, Lady Lucinda. Na verdade, creio que a senhorita não
tenha passado pela cabeça dele nem uma vez.
– Que coisa terrível de se dizer.
Gregory deu de ombros.
– Ele é um homem apaixonado. Portanto, é um homem insensato.
– Ah, é assim que funciona? – retrucou ela. – Então isso faz com que o senhor também seja
insensato?
– Não – respondeu ele laconicamente, e percebeu que era verdade.
Gregory já havia se acostumado a esse estranho fervor. Tinha recuperado seu equilíbrio. E,
como um cavalheiro com muito mais experiência, estava, mesmo quando a Srta. Watson não era
uma questão, mais em posse de seu juízo do que Fennsworth.
Lady Lucinda encarou-o com um olhar impaciente e desdenhoso.
– Richard não está apaixonado por ela. Não sei de quantas maneiras posso lhe explicar isso.
– A senhorita está enganada – disse Gregory, sem rodeios.
Vinha observando Fennsworth havia dois dias. E o vira olhando para a Srta. Watson. Rindo
de suas piadas. Buscando bebidas para ela. Escolhendo uma flor silvestre e colocando atrás da
orelha dela.Se aquilo não era amor, então Richard Abernathy era o irmão mais velho mais atencioso,
carinhoso e altruísta da história da humanidade.
E, sendo ele mesmo um irmão mais velho – um que muitas vezes tinha sido obrigado a
cercar de atenção as amigas da caçula –, Gregory poderia dizer categoricamente que não existia
um homem na mesma condição que a sua com níveis tão elevados de consideração e devoção.
Era natural amar a irmã, é claro, mas não a ponto de sacrificar cada minuto pelo bem da
melhor amiga dela, sem nenhum tipo de compensação.
A menos que um amor patético e não correspondido entrasse na equação.
– Não estou enganada – afirmou Lady Lucinda, parecendo querer cruzar os braços. – E vou
chamar Lady Bridgerton.
Gregory fechou a mão em torno do pulso dela.
– Isso seria um erro de proporções grandiosas.
Ela puxou a mão, mas ele não a soltou.
– Não seja condescendente comigo – sibilou.
– Não estou sendo. Estou só orientando-a.
Lucy ficou boquiaberta. Gregory teria apreciado a visão, se não estivesse tão furioso com
tudo mais no mundo naquele momento.
– O senhor é insuportável – disse ela, quando se recuperou.
Ele deu de ombros.
– Às vezes.
– E delirante.
– Muito bem, Lady Lucinda. – Tendo sete irmãos, Gregory não podia deixar de apreciar
qualquer piada ou réplica bem colocada. – Mas eu admiraria muito mais suas habilidades verbais
se não estivesse tentando impedi-la de fazer algo assim tão monumentalmente estúpido.
Ela estreitou os olhos em direção a ele e disse:
– Não vou mais me dar o trabalho de falar com o senhor.
– Nunca mais?
– Vou procurar Lady Bridgerton – anunciou ela.
– Vai me procurar? Por quê?
Era a última voz que Gregory queria ouvir.
Ele se virou. Kate estava de frente para os dois, observando-os com uma sobrancelha
levantada.
Ninguém falou nada.
Kate olhou enfaticamente para a mão de Gregory, ainda no pulso de Lady Lucinda. Ele a
soltou, dando um passo rápido para trás.
– Há algo que queiram me contar? – perguntou Kate, a voz uma mistura terrível de
indagação refinada e autoridade moral.
Gregory lembrou que sua cunhada podia ser bastante imponente quando desejava.
Lady Lucinda – é claro – se pronunciou no mesmo instante: – O Sr. Bridgerton acha que
Hermione pode estar em perigo.
O comportamento de Kate mudou na mesma hora.
– Perigo? Aqui?
– Não – grunhiu Gregory.
Mas o que realmente queria ter dito era “Eu vou matar a senhorita”. Lady Lucinda, para ser
mais preciso.
– Já faz algum tempo que eu não a vejo – continuou a tola irritante. – Chegamos juntas, masisso já faz quase uma hora.
Kate correu os olhos em volta, parando ao ver as portas que davam para fora.
– Ela não pode estar no jardim? Muitos convidados foram para lá.
Lady Lucinda balançou a cabeça.
– Eu não a vi. Já olhei.
Gregory não disse nada. Era como se estivesse assistindo à destruição do mundo diante de
seus olhos. E, pensando bem, o que poderia fazer para impedir?
– Não está lá fora? – indagou Kate.
– Não achei que houvesse nada errado – disse Lady Lucinda, importunamente. – Mas o Sr.
Bridgerton ficou logo preocupado.
– Ficou? – Kate virou de repente para ele. – Você ficou? Por quê?
– Podemos falar sobre isso outra hora? – resmungou Gregory.
Kate imediatamente o ignorou e encarou Lucy.
– Por que ele ficou preocupado?
Lady Lucinda engoliu em seco. Então, sussurrou:
– Acho que ela pode estar com o meu irmão.
Kate ficou pálida.
– Isso não é bom.
– Richard nunca faria nada impróprio – falou Lucy. – Eu garanto.
– Ele está apaixonado por ela – observou Kate.
Gregory não falou nada. A vingança nunca fora menos doce.
Lucy olhou de Kate para Gregory, a expressão quase beirando o pânico.
– Não – sussurrou. – Não, a senhora está enganada.
– Não estou, não – retrucou Kate com a voz grave. – E nós precisamos encontrá-los.
Depressa.
Ela então se virou e imediatamente foi em direção à porta. Gregory a seguiu, as longas
pernas alcançando-a com facilidade. Lady Lucinda pareceu ficar paralisada por um instante,
então de repente pôs-se em ação, saindo depressa atrás deles.
– Ele nunca faria nada contra a vontade de Hermione – disse ela com urgência. – Eu
garanto.
Kate parou e se virou. Olhou para Lucy, o rosto franco e, talvez, um pouco triste também,
como se reconhecesse que a jovem estava, naquele momento, perdendo um pouco de sua
inocência, e ela, Kate, lamentasse ser a responsável por isso.
– Ele pode não precisar – falou Kate, calmamente.
Forçá-la. Kate não disse isso, mas as palavras pairaram no ar.
– Ele pode não... O que a senhora...
Gregory viu o momento em que ela se deu conta. Seus olhos, de coloração sempre tão
mutável, nunca pareceram mais cinzentos.
Chocados.
– Precisamos encontrá-los – sussurrou Lucy.
Kate assentiu e os três silenciosamente deixaram a sala.

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