capitulo23

39 2 0
                                    

CAPÍTULO 23
No qual nosso herói arrisca tudo. Mais uma vez.
Nos dez anos desde que seu tio havia se tornado seu guardião, Lucy nunca o vira dar uma festa.
Ele não era do tipo que aprovava, feliz, nenhuma despesa desnecessária – na verdade, ele não era
de ficar feliz com nada. Por isso, foi com certa desconfiança que ela chegou à luxuosa festa em
sua homenagem que estava sendo realizada na Casa Fennsworth após a cerimônia do casamento.
Lorde Davenport devia ter insistido nisso. Tio Robert teria se contentado em servir bolinhos
na igreja e só.
Mas não, o casamento devia ser um acontecimento, no sentido mais extravagante da
palavra. Então, assim que a cerimônia terminou, Lucy foi levada para a casa que em breve não
seria mais sua e pôde passar rapidamente no quarto que em breve não seria mais seu para jogar
um pouco de água fria no rosto antes de cumprimentar os convidados lá embaixo.
Era notável, pensou enquanto balançava a cabeça ao receber os cumprimentos das pessoas,
ver como a alta sociedade sabia fingir que nada havia acontecido.
Ah, eles não estariam falando de outra coisa no dia seguinte, e ela provavelmente podia
esperar ser o tema principal das conversas nos próximos meses, até. E, com certeza, durante um
ano inteiro ninguém diria o nome dela sem acrescentar: “Você sabe quem. Aquela do
casamento.” Frase que sem dúvida seria seguida por: “Ahhhhhhhh. Ela.”
Mas, por enquanto, na frente de Lucy, tudo o que diziam era: – Mas que dia feliz.
– Você está linda de noiva.
E, é claro, também havia os ousados e dissimulados...
– Linda cerimônia, Lady Haselby.
Lady Haselby.
Ela testou o nome na mente. Era Lady Haselby agora.
Poderia ter sido a Sra. Bridgerton. Lady Lucinda Bridgerton, imaginou, já que não era
obrigada a renunciar ao título caso se casasse com alguém que não era da nobreza. Era um bonito
nome – não tão imponente quanto Lady Haselby, talvez, e com certeza nada comparado a
condessa de Davenport, mas...
Lucy engoliu em seco, conseguindo de alguma forma não desmanchar o sorriso que tinha se
forçado a estampar cinco minutos antes.
Teria gostado de ser Lady Lucinda Bridgerton.
Lady Lucinda Bridgerton seria feliz, com um sorriso sempre espontâneo e uma vida plena.
Teria um cachorro, talvez dois, e vários filhos. Sua casa seria aconchegante e acolhedora, ela
tomaria chá com as amigas e riria.
Lady Lucinda Bridgerton riria.
Mas ela nunca seria essa mulher. Tinha se casado com lorde Haselby e, por mais que
tentasse, não conseguia imaginar como sua vida seria. Não sabia o que significava ser Lady
Haselby.
Enquanto a festa prosseguia, Lucy cumpriu a dança obrigatória com seu marido, quedançava muito bem, como ficou aliviada em notar. Em seguida, dançou com o irmão, o que
quase a fez chorar, e depois com o tio, porque era o esperado.
– Você fez a coisa certa, Lucy – disse ele.
Ela não respondeu. Achava melhor ficar calada.
– Estou orgulhoso de você – acrescentou ele.
Lucy quase riu.
– O senhor nunca teve orgulho de mim antes.
– Agora eu tenho.
Ela não deixou de notar que não era uma contradição.
Seu tio a levou de volta para a lateral do salão de baile e, em seguida – Santo Deus –,
esperava-se que ela dançasse com lorde Davenport.
O que Lucy fez, porque era seu dever. Naquele dia, sobretudo, ela sabia muito bem qual era
o seu dever.
Pelo menos não teve de falar. Lorde Davenport estava efusivo como nunca e conduziu a
conversa pelos dois. Ele estava maravilhado com Lucy. Ela era uma magnífica aquisição para a
família.
E então ela percebeu que tinha conseguido fazer com que ele a admirasse da forma mais
indelével possível. Lucy não tinha apenas concordado em se casar com seu filho de reputação
duvidosa, como também havia afirmado sua decisão em frente a toda a sociedade em uma cena
digna das peças representadas no teatro Drury Lane.
Lucy virou a cabeça discretamente para o lado. Quando lorde Davenport estava animado, a
saliva tendia a voar de sua boca com velocidade e precisão alarmantes. Na verdade, ela não sabia
o que era pior – o desprezo de lorde Davenport ou sua eterna gratidão.
Mas, graças aos céus, Lucy conseguiu evitar o sogro durante a maior parte da festa. Na
verdade, conseguiu evitar a maioria das pessoas, o que, considerando que era a noiva,
surpreendentemente não foi nem um pouco difícil. Ela queria olhar o menos possível para lorde
Davenport, porque o detestava, e não queria ver o tio, porque desconfiava de que também o
detestava. Não queria ver lorde Haselby, porque isso só a faria pensar na noite de núpcias que
estava por vir, e não queria ver Hermione, porque ela faria perguntas e Lucy iria chorar.
Também não queria ver seu irmão, porque com certeza ele estava com Hermione, e, além
disso, ela se sentia um pouco amarga, e às vezes um pouco culpada por se sentir amarga. Não era
culpa de Richard o fato de ele estar delirantemente feliz e ela não.
Mas, ainda assim, ela preferiria não ter de interagir com ele.
Assim, só restavam os convidados, a maioria dos quais ela não conhecia e não queria
conhecer.
Então encontrou um lugar num canto e, depois de algumas horas, todos tinham bebido tanto
que ninguém parecia notar que a noiva estava sentada sozinha.
E com certeza ninguém percebeu quando ela fugiu para seu quarto para um breve descanso.
Provavelmente não era muito educado a noiva escapar da própria festa de casamento, mas,
àquela altura, Lucy não se importava. Todos iriam pensar que ela havia saído para ir ao toalete,
isso se alguém notasse sua ausência. E de alguma forma lhe parecia apropriado ficar sozinha
naquele dia.
Ela subiu as escadas dos fundos com medo de esbarrar em algum convidado perdido, mas,
com um suspiro de alívio, entrou em seu quarto e fechou a porta.
Depois apoiou as costas na porta e expirou lentamente, até parecer que não havia mais nada
dentro dela.Agora vou chorar, pensou.
Era isso que ela queria. De verdade. Sentia como se estivesse prendendo as lágrimas havia
várias horas, esperando por um instante de privacidade. Mas agora o choro simplesmente não
vinha. Lucy estava entorpecida demais, atordoada demais pelos acontecimentos das últimas 24
horas. Então ficou ali, olhando para sua cama. Lembrando.
Deus do céu, tinha sido apenas doze horas antes que estivera ali mesmo, envolta pelos
braços dele? Pareciam anos. Era como se sua vida agora tivesse se dividido em duas, e ela
estivesse firmemente plantada no depois.
Lucy fechou os olhos. Talvez, se não olhasse para a cama, aquilo tudo fosse desaparecer.
Talvez se ela...
– Lucy...
Ela congelou. Santo Deus, não.
– Lucy...
Bem devagar, ela abriu os olhos. E sussurrou:
– Gregory?
Ele estava horrível, todo desgrenhado pelo vento e sujo como só uma corrida desembestada
a cavalo poderia deixar um homem. Devia ter entrado escondido da mesma forma que na noite
anterior. Devia tê-la ficado esperando.
Ela abriu a boca, mas não conseguiu falar.
– Lucy – repetiu Gregory.
Ela engoliu em seco.
– Por que você está aqui?
Ele deu um passo em direção a ela e o coração de Lucy doeu com isso. O rosto dele era tão
lindo, tão querido, tão perfeita e maravilhosamente familiar... Ela conhecia cada milímetro de sua
face, o tom exato de seus olhos, castanhos perto da íris, fundindo-se com o verde em volta.
E sua boca... Lucy conhecia aquela boca, e a sensação dela. Conhecia aquele sorriso, e o
modo como ele franzia as sobrancelhas, e também...
Ela o conhecia demais.
– Você não deveria estar aqui – falou, a voz trêmula em desacordo com sua postura serena.
Gregory deu mais um passo na direção dela. Não havia raiva em seus olhos, o que ela não
entendia. A maneira como ele a fitava era ardente, possessiva, algo que uma mulher casada não
devia, de jeito nenhum, permitir vindo de um homem que não era seu marido.
– Eu tinha que saber por quê – disse Gregory. – Não podia deixá-la. Não até saber por quê.
– Não – sussurrou ela. – Por favor, não faça isso.
Por favor, não faça com que eu me arrependa. Por favor, não me faça ansiar, desejar e
imaginar.
Ela abraçou o corpo, como se talvez... como se pudesse apertar com tanta força que não
teria de ver, não teria de ouvir mais nada. Poderia só ficar sozinha, e...
– Lucy...
– Não – disse ela de novo, com mais veemência.
Não. Não me faça acreditar no amor. Mas ele se aproximava cada vez mais. Lentamente,
mas sem hesitação.
– Lucy – repetiu Gregory, a voz calorosa e decidida. – Só me diga por quê. Isso é tudo o
que peço. Então vou embora e prometo nunca mais me aproximar de você, mas preciso saber o
porquê.
Ela balançou a cabeça.– Não posso contar.
– Você não quer contar – corrigiu ele.
– Não! – gritou ela. – Eu não posso! Por favor, Gregory. Vá embora.
Por um longo instante, ele não disse nada. Ficou só olhando para o rosto de Lucy e ela
praticamente pôde vê-lo pensando.
Ela não devia permitir isso, pensou, o pânico começando a se instalar dentro dela. Devia
gritar. Deixar que o expulsassem. Devia correr dali antes que ele pudesse arruinar seus
cuidadosos planos para o futuro. Mas, em vez disso, ela só ficou ali parada, e ele disse...
– Você está sendo chantageada.
Não era uma pergunta.
Ela não respondeu, mas sabia que sua expressão a entregara.
– Lucy – disse ele, a voz delicada e cuidadosa. – Eu posso ajudá-la. Seja o que for, posso
cuidar disso.
– Não, não pode, e é um tolo por achar qu...
Ela parou, furiosa demais para falar. O que o fazia pensar que podia aparecer de repente e
consertar as coisas, mesmo não sabendo nada sobre seus tormentos? Será que ele achava que ela
havia entregado os pontos por qualquer coisa? Por algo que poderia ser facilmente resolvido?
Ela não era assim tão fraca.
– Você não sabe – falou, enfim. – Não faz ideia.
– Então me conte.
Os músculos dela tremiam, e ela sentia o corpo quente, frio, e todas as nuances entre um
extremo e outro.
– Lucy – disse ele, e sua voz era tão calma, tão serena...
Parecia alcançar algum ponto exato onde ela menos podia suportar.
– Você não pode consertar isso – grunhiu Lucy.
– Não é verdade. Não há nada com que alguém possa ameaçá-la que não tenha como ser
resolvido.
– De que forma? – perguntou ela. – Arco-íris, fadas e os eternos votos de felicidade da sua
família? Não vai funcionar, Gregory. Não vai. Os Bridgertons podem ser poderosos, mas não
podem mudar o passado, nem alterar o futuro, para atender aos próprios caprichos.
– Lucy – disse ele, estendendo a mão para ela.
– Não. Não! – Ela o empurrou. – Você não entende! Não tem como entender. Vocês são
todos tão felizes, tão perfeitos...
– Não somos.
– São. E nem sequer sabem que são, e não conseguem conceber que o restante de nós não
seja, que podemos lutar, sermos bons e ainda assim não conseguirmos o que desejamos.
Enquanto ela falava, Gregory ficou apenas olhando. Deixou-a continuar abraçando o corpo,
parecendo pequena, pálida e aflitivamente sozinha.
Então ele perguntou:
– Você me ama?
Ela fechou os olhos.
– Não me pergunte isso.
– Ama?
Ele a viu cerrar a mandíbula e retesar os ombros, e sabia que ela estava tentando balançar a
cabeça.
Então Gregory caminhou em direção a ela, lenta e respeitosamente.Lucy estava sofrendo. Seu sofrimento era tão grande que se espalhava pelo ar, em torno
dele, em volta de seu coração. Ele ansiava por ela. Era uma coisa física, forte e terrível, e pela
primeira vez ele começava a duvidar da própria capacidade de fazer aquilo desaparecer.
– Você me ama? – perguntou.
– Gregory...
– Você me ama?
– Eu não posso...
Ele colocou as mãos nos ombros dela. Lucy se encolheu, mas não se afastou.
Então Gregory tocou o queixo dela, encostou em seu rosto até se perder no azul-acinzentado
de seus olhos.
– Você me ama?
– Amo – respondeu ela, soluçando, deixando-se cair em seus braços. – Mas eu não posso.
Você não entende? Eu não deveria. Tenho que parar com isso.
Por um instante, Gregory não conseguiu se mexer. A confissão dela deveria ter sido um
alívio, e de certa forma foi, porém foi mais do que isso: ele sentiu seu sangue recomeçar a correr.
Ele acreditava no amor. Essa não era a única coisa da qual ele tinha certeza na vida?
Acreditava no poder do amor, em sua benevolência fundamental, em sua justiça. Ele o
reverenciava por sua força e o respeitava por sua preciosidade.
E soube, bem ali, naquele momento, enquanto Lucy chorava em seus braços, que seria
capaz de fazer qualquer coisa por isso. Pelo amor.
– Lucy – sussurrou, uma ideia começando a se formar em sua mente.
Era uma ideia ruim, louca e completamente desaconselhável, mas ele não conseguiu escapar
do único pensamento que tomou conta de seu cérebro.
Ela não havia consumado seu casamento. Eles ainda tinham uma chance.
– Lucy.
Ela se afastou.
– Tenho que voltar. Vão sentir minha falta.
Mas ele pegou sua mão.
– Não volte.
Lucy arregalou os olhos.
– O que você quer dizer?
– Venha comigo. Venha comigo agora. – Ele se sentia zonzo, perigoso e um pouco maluco.
– Você ainda não é mulher dele. Pode anular o casamento.
– Ah, não. – Ela balançou a cabeça, puxando o braço. – Não, Gregory.
– Sim. Sim.
E, quanto mais ele pensava nisso, mais fazia sentido.
Eles não tinham muito tempo. Depois daquela noite, seria impossível Lucy dizer que
continuava intocada. As próprias ações de Gregory tinham se certificado disso. Se havia alguma
chance de ficarem juntos, tinha de ser agora.
Ele não podia sequestrá-la – não havia como tirá-la da casa sem chamar atenção. Mas podia
conseguir um pouco mais de tempo para eles. O suficiente para decidir o que fazer.
Gregory a trouxe para mais perto.
– Não – disse ela, não mais em um sussurro.
Em seguida, começou a puxar o braço com força, e Gregory pôde ver o pânico crescendo
nos olhos dela.
– Lucy, sim – falou.– Eu vou gritar.
– Ninguém vai ouvir você.
Lucy olhou para ele em choque, e nem o próprio Gregory conseguia acreditar no que estava
dizendo.
– Você está me ameaçando? – perguntou ela.
Ele balançou a cabeça.
– Não. Estou salvando você.
E então, antes que tivesse a chance de pensar melhor no que estava fazendo, agarrou-a pela
cintura, jogou-a por cima do ombro e saiu depressa do quarto.

A Caminho Do AltarOnde histórias criam vida. Descubra agora