CAPÍTULO 12
No qual nada é resolvido.
Quando Gregory se acomodou para o café da manhã no dia seguinte, Kate já estava lá, de cara
fechada e cansada.
– Sinto muito – foi a primeira coisa que ela disse quando se sentou ao lado dele.
Por que a cunhada estava se desculpando?, ele se perguntou. Estava ouvindo muitas
desculpas naqueles últimos dias.
– Sei que você esperava...
– Não foi nada – interrompeu ele, olhando para o prato que ela havia deixado do outro lado
da mesa.
A dois lugares de distância.
– Mas...
– Kate – disse, e nem ele reconheceu a própria voz.
Parecia mais velho, se isso era possível. Mais grave.
Ela se calou, os lábios ainda entreabertos, como se as palavras tivessem se congelado em
sua língua.
– Não foi nada – repetiu Gregory, e tornou a se concentrar nos ovos.
Ele não queria falar sobre isso, não queria ouvir explicações. O que estava feito não tinha
volta.
Não sabia direito o que Kate estava fazendo antes que ele voltasse a olhar para o próprio
prato – provavelmente checando a sala ao redor, avaliando se algum dos convidados podia ouvir
a conversa deles. De vez em quando, ele a ouvia se remexer no assento, mudando de posição na
expectativa de falar alguma coisa.
Ele começou a comer o bacon. E então...
– Mas você está... – começou Kate.
Gregory sabia que ela não conseguiria ficar de boca fechada por muito tempo.
Levantou o rosto e encarou-a com um ar sério.
– Não – disse apenas.
Por um momento, ela pareceu perplexa. Em seguida, arregalou os olhos e ergueu um dos
cantos da boca. Só um pouco.
– Quantos anos você tinha quando nos conhecemos? – perguntou Kate.
Mas que diabo ela queria?
– Não sei – respondeu Gregory, impaciente, tentando se lembrar do casamento do irmão.
Havia milhares daquelas malditas flores. Lembrava-se de ter ficado espirrando por semanas. –
Treze, talvez. Doze?
Ela o observou com curiosidade.
– Deve ser difícil, eu acho, ser assim tão mais jovem do que seus irmãos.
Ele pousou o garfo.
– Anthony, Benedict e Colin... eles vieram um atrás do outro – continuou Kate.como livros numa prateleira, eu sempre pensei, embora não seja tão tola de dizer isso. E então... hum...
São quantos anos de diferença entre você e Colin?
– Dez.
– Só isso?
Kate pareceu surpresa, o que ele não sabia se achava particularmente lisonjeiro.
– São seis anos de diferença entre Colin e Anthony – continuou ela, pressionando um dedo
contra o queixo, indicando uma reflexão profunda. – Um pouco mais do que isso, na verdade.
Mas suponho que pareça menos, com Benedict no meio deles.
Gregory esperou.
– Bem, não importa – logo acrescentou ela. – Afinal de contas, todo mundo encontra o seu
lugar na vida. Agora, então...
Ele olhou para a cunhada, espantado. Como ela podia mudar de assunto assim, antes que ele
tivesse alguma ideia do que estava falando?
–... creio que eu deveria informá-lo sobre o restante dos acontecimentos de ontem à noite.
Depois que você saiu. – Kate suspirou. Gemeu, na verdade, balançando a cabeça. – Lady Watson
ficou um pouco irritada quando soube que a filha não tinha sido supervisionada de perto, mas de
quem é a culpa por isso, não é? Então, logo depois, ela ficou transtornada pelo fato de a
temporada da Srta. Watson em Londres estar acabada antes que ela tivesse a chance de renovar o
guarda-roupa da filha. Porque, afinal de contas, Hermione não vai mais debutar agora.
Kate fez uma pausa, esperando Gregory dizer alguma coisa. Ele ergueu de leve as
sobrancelhas, apenas o suficiente para dizer que não tinha nada a acrescentar à conversa.
A cunhada lhe deu mais um segundo, em seguida continuou:
– Mas Lady Watson mudou de ideia rapidamente quando lhe disseram que Fennsworth é
um conde, ainda que jovem. – Ela fez uma pausa, contraindo os lábios. – Ele é muito jovem, não
é?
– Não muito mais do que eu – respondeu Gregory, mesmo que tivesse achado Fennsworth
um crianção na noite anterior.
Kate pareceu ter pensando o mesmo.
– Não – falou ela –, há uma diferença. Ele não... Bem, não sei. De qualquer forma...
Por que ela ficava mudando de assunto bem quando começava a dizer algo que ele
realmente queria ouvir?
–... o noivado está arranjado – continuou –, e eu acredito que todas as partes envolvidas
estejam contentes.
Gregory supôs que ele não contava como uma parte envolvida. Porém, mais uma vez, sentiu
mais irritação do que qualquer outra coisa. Não gostava de ser derrotado. Em nada.
Bem, exceto no tiro ao alvo. Ele já tinha desistido disso havia muito tempo.
Como poderia não ter lhe ocorrido, nem mesmo uma vez, que ele talvez não ficasse com a
Srta. Watson no final? Admitira que não seria fácil, mas, em sua cabeça, era um fato consumado.
Predestinado.
Na verdade, vinha fazendo progressos com ela. Santo Deus, ela rira com ele. Rira. Com
certeza isso tinha de significar alguma coisa.
– Eles estão indo embora hoje – contou Kate. – Todos eles. Separados, é claro. A Srta. Watson e a mãe vão cuidar dos preparativos do casamento, e lorde Fennsworth vai levar a irmã
para casa. Afinal, foi isso que ele veio fazer aqui.
Lucy. Ele tinha de ver Lucy.
Vinha tentando não pensar sobre ela e obtivera resultados variados.Mas ela estava lá, o tempo todo, pairando em sua mente, mesmo enquanto se irritava pela
perda da Srta. Watson.
Lucy. Era impossível agora pensar nela como Lady Lucinda. Mesmo que ele não a tivesse
beijado, ela seria Lucy. O apelido combinava com ela.
Mas ele a havia beijado. E tinha sido maravilhoso. E, acima de tudo, inesperado.
Tudo com relação ao beijo o surpreendera, até mesmo o fato de ele ter feito isso. Era Lucy.
Ele não devia beijar Lucy.
Mas ela estava segurando seu braço. E os olhos dela... Ele queria entender o poder que um
olhar tem... Ela o fitava, procurando algo.
Procurando algo nele.
Gregory não tivera a intenção de beijá-la. Simplesmente acontecera. Ele se sentira atraído
para ela de forma implacável, e o espaço entre eles fora ficando cada vez menor...
E então lá estava ela. Em seus braços.
Gregory quisera deslizar até o chão, perder-se nela e nunca mais soltá-la.
Quisera beijá-la até os dois enlouquecerem de paixão.
Quisera...
Bem. Quisera fazer muitas coisas, para dizer a verdade. Mas, também, estava um pouco
bêbado.
Não muito, porém o suficiente para duvidar da veracidade de sua reação.
E estava com raiva. E não muito equilibrado.
Não por causa de Lucy, é claro, mas tinha certeza de que isso prejudicara seu julgamento.
Ainda assim, ele deveria vê-la. Ela era uma jovem bem-criada. Não se beija uma moça
dessas sem dar as devidas explicações. E ele deveria pedir desculpas também, embora não fosse
bem o que queria fazer.
Mas era o que devia fazer.
Ele olhou para Kate.
– Quando vão embora?
– A Srta. Watson e a mãe? Hoje à tarde, acredito.
Não, ele quase deixou escapar, quis dizer Lady Lucinda. Mas se conteve e manteve a voz
despreocupada ao dizer:
– E Fennsworth?
– Logo, eu acho. Lady Lucinda já desceu para o café da manhã. – Kate pensou por um
instante. – Acho que Fennsworth disse que queria estar em casa para o jantar. Mas eles podem
fazer a viagem em um dia. Não moram muito longe.
– Perto de Dover – murmurou Gregory distraidamente.
Kate franziu a testa.
– Sim, acho que sim.
Gregory olhou aborrecido para a comida. Ele tinha pensado em esperar Lucy ali – ela não
iria perder o café da manhã. Mas, se ela já havia comido, então não demoraria a ir embora. E ele
precisava encontrá-la.
Levantou-se, de forma um tanto abrupta. Bateu a coxa na beirada da mesa, fazendo com que
Kate olhasse para ele com uma expressão assustada.
– Não vai terminar seu café da manhã? – perguntou ela.
Ele balançou a cabeça.
– Não estou com fome.
Kate olhou para ele com óbvia incredulidade. Afinal, já fazia parte da família havia mais dedez anos.
– Como isso é possível?
Ele ignorou a pergunta.
– Tenha uma ótima manhã.
– Gregory?
Ele virou. Não queria, mas algo na voz dela lhe deu a entender que precisava prestar
atenção.
Os olhos de Kate se encheram de compaixão... e apreensão.
– Você não vai procurar a Srta. Watson, não é?
– Não – disse ele, e foi quase engraçado, porque essa era a última coisa em sua mente.
Lucy olhou para seus baús cheios e fechados, sentindo-se cansada, triste e confusa.
Esgotada também. Era assim que se sentia. Tinha observado as empregadas torcerem as
toalhas de banho até a última gota de água e concluiu que era isso.
Ela era uma toalha espremida.
– Lucy?
Era Hermione, entrando silenciosamente nos aposentos delas. Quando ela retornara, na
noite anterior, Lucy já tinha pegado no sono, e quando Lucy saíra para o café da manhã,
Hermione ainda não tinha acordado. Quando Lucy voltara do desjejum, Hermione não estava no
quarto. De muitas maneiras, Lucy tinha ficado grata por isso.
– Eu estava com a minha mãe – explicou Hermione. – Partiremos hoje à tarde.
Lucy assentiu. Lady Bridgerton a encontrara no café da manhã e falara dos planos de todos.
Quando voltara ao quarto, seus pertences já estavam todos guardados e prontos para serem
levados para a carruagem.
Então era isso.
– Eu queria falar com você – disse Hermione, empoleirando-se na beirada da cama, mas
mantendo uma distância respeitosa de Lucy. – Queria explicar.
Lucy continuou olhando fixamente para os baús.
– Não há nada para explicar. Estou muito feliz por você se casar com Richard. – Ela abriu
um sorriso esgotado. – Você será minha irmã agora.
– Você não parece feliz.
– Estou cansada.
Hermione ficou em silêncio por um instante, e depois, quando se tornou claro que Lucy já
tinha acabado de falar, ela disse:
– Queria deixar claro que eu não estava guardando segredos de você. Eu nunca faria isso.
Espero que saiba.
Lucy assentiu, porque era verdade, ainda que tivesse se sentido abandonada, e talvez até um
pouco traída, na noite anterior.
Hermione engoliu em seco, depois contraiu a mandíbula e respirou fundo. E Lucy soube,
naquele momento, que ela tinha ensaiado por horas o que diria, tentando encontrar a forma
perfeita de colocar os sentimentos em palavras.Era o que Lucy também teria feito, e ainda assim, de alguma forma, isso a fez querer chorar.
No entanto, apesar de todo o treino de Hermione, ela ainda não tinha chegado a uma
conclusão definitiva e ia escolhendo novos termos e frases à medida que falava:
– Eu realmente amava... Não. Não. O que eu quero dizer é que achava, do fundo do coração,
que amava o Sr. Edmonds. Mas o fato é que eu estava enganada. Porque primeiro foi o Sr.
Bridgerton, e então... Richard.
Lucy olhou para ela com atenção.
– O que quer dizer com “primeiro foi o Sr. Bridgerton”?
– Eu... eu não tenho certeza – respondeu Hermione, perturbada com a pergunta. – Quando
tomei café da manhã com ele, foi como se eu estivesse acordando de um sonho longo e estranho.
Você se lembra de que lhe falei sobre isso? Ah, eu não ouvi música ou algo assim, e nem sequer
senti... Bem, não sei como explicar, mas mesmo que eu não tenha ficado de nenhuma forma
arrebatada, como eu estava pelo Sr. Edmonds, eu... fiquei pensando. Sobre ele. E se talvez eu
poderia sentir alguma coisa. Se tentasse. E eu não via como podia estar apaixonada pelo Sr.
Edmonds se o Sr. Bridgerton me fazia pensar sobre essas coisas.
Lucy assentiu. Gregory Bridgerton a fizera pensar sobre aquelas coisas também. Mas não se
ela poderia. Isso ela sabia. Ela só queria saber como fazer para não sentir.
Mas Hermione não notou sua angústia. Ou talvez Lucy escondesse bem. De um jeito ou de
outro, ela continuou com sua explicação:
– E então... com Richard... Não sei bem como aconteceu, mas nós estávamos andando, e
conversando, e era tão agradável. Mais do que agradável – acrescentou rapidamente. – Agradável
soa tedioso, e não foi assim. Parecia... certo. Como se eu estivesse em casa.
Hermione sorriu, quase como se não conseguisse acreditar em sua sorte. E Lucy estava feliz
por ela. De verdade. Mas se perguntava como era possível estar tão feliz e tão triste ao mesmo
tempo. Porque ela nunca iria se sentir daquela forma. E, mesmo que não acreditasse naquelas
coisas antes, tinha passado a acreditar agora. E isso era muito pior.
– Sinto muito se não pareci feliz por você ontem à noite – disse Lucy, baixinho. – Estou.
Muito. Foi o choque, só isso. Tantas mudanças ao mesmo tempo...
– Mas mudanças boas, Lucy – retrucou Hermione, os olhos brilhando. – Mudanças boas.
Lucy queria ter a confiança e a certeza da amiga. Queria abraçar seu otimismo, mas em vez
disso se sentia oprimida. Não podia dizer isso a ela, é claro. Não naquele momento em que
Hermione estava radiante de felicidade.
Então Lucy sorriu e falou apenas:
– Você vai ser feliz com Richard.
E estava sendo sincera.
Hermione agarrou a mão dela e a apertou com força, colocando nesse gesto toda a sua
amizade e devoção.
– Ah, Lucy, eu sei. Eu o conheço há tanto tempo, e ele é seu irmão, então sempre me fez
sentir segura. Confortável, mesmo. Não preciso me preocupar com o que ele pensa de mim.
Você certamente já lhe disse tudo a meu respeito, de bom e de ruim, e ele ainda acha que valho a
pena.
– Ele não sabe que você não sabe dançar – admitiu Lucy.
– Não sabe? – Hermione deu de ombros. – Vou contar-lhe, então. Talvez ele possa me
ensinar. Ele dança bem?
Lucy balançou a cabeça.
– Está vendo? – disse Hermione, o sorriso melancólico, esperançoso e alegre ao mesmotempo. – Somos perfeitos um para o outro. Ficou tudo tão claro... É tão fácil conversar com ele, e
ontem à noite... Eu estava rindo, e ele também, e foi tudo tão... maravilhoso. Eu realmente não
sei explicar.
Mas ela não precisava explicar. Lucy estava apavorada por saber exatamente o que
Hermione queria dizer.
– E de repente estávamos dentro do jardim de inverno, e estava tudo tão bonito, com o luar
brilhando através do vidro. Parecia tudo tão embaçado, indistinto e... e então eu olhei para ele.
Os olhos dela ficaram enevoados e distantes, e Lucy sabia que ela estava perdida na
lembrança.
Perdida e feliz.
– Eu olhei para ele – repetiu Hermione –, e ele estava olhando para mim. Eu não consegui
desviar o olhar. Não podia. E então nos beijamos. Foi... Eu nem sequer pensei a respeito. Só
aconteceu. E foi a coisa mais maravilhosa e natural do mundo.
Lucy assentiu com um ar de tristeza.
– Eu percebi que não entendia antes. Com o Sr. Edmonds... ah, eu me achava tão
perdidamente apaixonada, mas não sabia o que era o amor. Ele era tão bonito, e me deixava
tímida e empolgada, mas eu nunca desejei beijá-lo. Nunca olhei para ele e me inclinei para a
frente, oferecendo os lábios. Não porque eu queria, mas só porque... porque...
Porque o quê?, Lucy queria gritar. Mas, mesmo tendo vontade, faltava-lhe energia.
– Porque era onde eu deveria estar – concluiu Hermione, baixinho, e parecia espantada,
como se não tivesse se dado conta daquilo até aquele momento.
Lucy de repente começou a se sentir muito estranha, agitada. Teve o desejo insano e
inesperado de cerrar os punhos. O que ela queria dizer? Por que estava falando isso? Todo
mundo tinha passado tanto tempo dizendo-lhe que o amor era algo mágico, algo selvagem e
incontrolável que vinha como uma tempestade.
E agora era reconfortante? Tranquilo? Algo que, na verdade, parecia bom?
– O que aconteceu com a parte de ouvir música? – perguntou. – Olhar para a parte de trás da
cabeça dele e saber?
Hermione deu de ombros com ar desamparado.
– Eu não sei. Mas não confiaria nisso, se fosse você.
Lucy fechou os olhos, desesperada. Não precisava do aviso de Hermione. Nunca teria
confiado nesse tipo de coisa. Não era, e nunca seria, do tipo que memorizava sonetos de amor.
Mas naquele outro tipo – o das risadas, da sensação reconfortante, de se sentir bem –, ela
confiaria num piscar de olhos.
E, Deus do céu, era isso que ela havia sentido com o Sr. Bridgerton.
Tudo isso e a música, também.
Lucy sentiu o sangue se esvair de seu rosto. Ela ouvira música quando o beijara. Tinha sido
uma verdadeira sinfonia, com magníficos crescendos, uma percussão ritmada e até aquela batida
pulsante mais baixa que ninguém percebe até ir aumentando aos poucos e assumir o ritmo do seu
coração.
Lucy flutuara. E sentira frêmitos. Experimentara todas as sensações que Hermione dissera
ter experimentado com o Sr. Edmonds – e com Richard também.
Tudo isso com uma pessoa.
Ela estava apaixonada por ele. Estava apaixonada por Gregory Bridgerton. Não poderia ser
mais claro... ou mais cruel.
– Lucy? – chamou Hermione, hesitante. – Lucy?– Quando vai ser o casamento? – perguntou Lucy abruptamente. Porque mudar de assunto
era a única coisa que podia fazer. Ela virou e encarou Hermione pela primeira vez durante a
conversa. – Já começou a fazer os planos? Será em Fenchley?
Detalhes. Detalhes eram sua salvação. Sempre foram.
Hermione pareceu confusa, então preocupada, e depois disse:
– Eu... não, acho que será em Abbey. É mais grandioso. E... você tem certeza de que está
bem?
– Muito bem – respondeu Lucy rapidamente. – Mas você não falou quando.
– Ah. Muito em breve. Soube que havia pessoas perto do jardim de inverno ontem à noite.
Não sei bem o que ouviram ou falaram, mas os rumores já começaram, por isso precisamos
resolver logo tudo. – Hermione abriu um sorriso doce. – Eu não me importo. E acho que Richard
também não.
Lucy se perguntou qual delas subiria ao altar primeiro. Esperava que fosse Hermione.
Bateram à porta. Era uma empregada, seguida por dois criados, que estavam ali para pegar
os baús de Lucy.
– Richard quer ir embora cedo – explicou ela à amiga, mesmo não tendo visto o irmão
desde os acontecimentos da noite anterior.
Hermione provavelmente sabia mais sobre os planos deles do que ela.
– Pense só, Lucy – disse Hermione, levando-a até a porta. – Nós duas seremos condessas.
Eu, de Fennsworth, e você, de Davenport. Vamos causar uma impressão e tanto, nós duas.
Lucy sabia que ela estava tentando animá-la, então usou toda a sua energia para forçar o
sorriso a alcançar seus olhos quando disse:
– Vai ser muito divertido, não é?
Hermione pegou sua mão e apertou-a.
– Ah, vai sim, Lucy. Você vai ver. Estamos no alvorecer de um novo dia, que será, de fato,
radiante.
Lucy abraçou a amiga. Era a única maneira de esconder seu rosto.
Porque não havia como fingir um sorriso desta vez.
Gregory a encontrou bem a tempo. Ela estava na entrada, surpreendentemente sozinha, a não ser
por um punhado de criados correndo de um lado para outro. Ele a viu de perfil, o queixo erguido
de leve, enquanto observava seus baús sendo levados para a carruagem. Ela parecia... serena.
Contida.
– Lady Lucinda! – gritou ele.
Ela ficou imóvel por alguns instantes antes de se virar. E, ao fazer isso, seus olhos pareciam
aflitos.
– Fico feliz por tê-la encontrado – disse Gregory, embora já não tivesse certeza disso.
Ela claramente não estava feliz em vê-lo. Ele não esperava por isso.
– Sr. Bridgerton – falou Lucy.
Seus lábios estavam contraído nos cantos, mas ela não estava sorrindo, ao contrário do que
parecia pensar.Havia uma centena de coisas que ele poderia ter dito, então é claro que escolheu a menos
significativa e mais óbvia:
– A senhorita está indo embora.
– Estou – disse ela, após uma ligeira pausa. – Richard quer sair cedo.
Gregory olhou em volta.
– Ele está aqui?
– Ainda não. Imagino que esteja se despedindo de Hermione.
– Ah. Sim. – Ele pigarreou. – Claro.
Olhou para ela, que também o encarou, e os dois ficaram em silêncio.
Um silêncio embaraçoso.
– Queria dizer que sinto muito – disse Gregory.
Ela... não sorriu. Ele não sabia direito o que viu em seu rosto, mas não foi um sorriso.
– Tudo bem – falou Lucy.
Tudo bem? Tudo bem?
– Desculpas aceitas. – Ela olhou por sobre o ombro dele. – Por favor, não pense mais nisso.
Sem dúvida era o que ela devia dizer, mas ainda assim Gregory ficou incomodado. Ele a
beijara, e tinha sido maravilhoso, e, se quisesse pensar no beijo, faria isso.
– Vejo a senhorita em Londres? – perguntou Gregory.
Os olhos dela enfim encontraram os dele, à procura de algo. Por fim, Gregory achou que ela
não encontrou o que buscava.
Lucy parecia muito abatida, muito cansada. Muito diferente do que era.
– Creio que sim – respondeu. – Mas as coisas não serão as mesmas. Estou noiva, o senhor
sabe.
– Praticamente noiva – lembrou ele, sorrindo.
– Não. – Ela balançou a cabeça, lenta e resignadamente. – Agora estou mesmo. É por isso
que Richard veio me levar para casa. Meu tio concluiu o acordo. Acredito que os proclamas
devam ser lidos em breve. Está feito.
Os lábios de Gregory se abriram de surpresa.
– Entendo – disse ele, os pensamentos se sucedendo em disparada, sem formar conclusão
alguma. – Faço votos de que seja feliz – acrescentou, porque o que mais poderia falar?
Ela assentiu, em seguida acenou com a cabeça em direção ao grande gramado verde na
frente da casa.
– Acho que vou dar uma volta pelo jardim. Tenho uma longa viagem pela frente.
– É claro – disse Gregory, fazendo uma reverência educada.
Ela não queria sua companhia. Não poderia ter deixado isso mais claro nem se tivesse dito
em voz alta.
– Foi ótimo conhecê-lo – falou Lucy.
Os olhos dela encontraram novamente os dele e, pela primeira vez durante a conversa,
Gregory a viu de verdade, enxergou seu interior cansado e machucado.
E viu que ela estava se despedindo.
– Eu sinto muito... – Ela parou e olhou para o lado. Para uma parede de pedra. – Sinto muito
que as coisas não tenham saído como o senhor esperava.
Eu não, pensou ele, e percebeu que era verdade. Teve um súbito vislumbre de como seria
sua vida casado com Hermione Watson e viu que parecia... Entediado.
Meu Deus, como só agora ele percebia isso? Ele e a Srta. Watson não combinavam de
forma nenhuma, e, na verdade, ele tinha escapado por um triz.Aparentemente ele não podia mais confiar no próprio julgamento em matéria de assuntos do
coração, mas isso parecia muito melhor do que um casamento sem graça. Talvez devesse
agradecer a Lady Lucinda, embora não soubesse muito bem por quê. Ela não impedira seu
casamento com a Srta. Watson; na verdade, havia incentivado isso o tempo todo.
Mas, de alguma forma, havia sido responsável por Gregory recuperar a razão. Se havia
alguma coisa importante para ele se dar conta naquela manhã, era isso.
Lucy fez sinal para o gramado mais uma vez.
– Vou dar aquela volta, então – falou.
Ele acenou um cumprimento e observou enquanto Lucy se afastava. O cabelo dela estava
perfeitamente arrumado em um coque, os fios louro-escuros capturando a luz do sol como mel e
manteiga.
Gregory ficou ali por algum tempo, não porque imaginasse que ela fosse virar, ou mesmo
porque esperasse isso. Era só para o caso de acontecer.
Porque ela poderia. Ela poderia se virar, e poderia ter algo a lhe dizer, e então ele poderia
responder, e ela...
Mas Lucy não virou. Continuou andando. Não olhou para trás nem uma vez e então ele
passou os últimos minutos observando a nuca dela. E tudo em que conseguia pensar era... Algo
não está certo. Mas ele não sabia o que era.