Capítulo dezesseis

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Ana..

Agora vou contar uma pequena história...

Eu menti quando disse que não sabia muito sobre os meus poderes e que os havia bloqueado para ser "normal". A verdade é que...

Quando eu tinha 14 anos, minha família e eu fizemos uma viagem para uma cidade portuária chamada Porto dos Milagres. Minha mãe tinha uma palestra marcada no hospital-escola local. A cidade recebeu esse nome em 1937, durante uma pandemia de febre amarela que assolava o país. Enquanto várias cidades enfrentaram um número alarmante de mortes, Porto dos Milagres manteve uma taxa de mortalidade surpreendentemente baixa, o que fez com que o local ficasse conhecido como "Porto dos Milagres".

Voltando à viagem...

Na época, eu amava minha magia e acreditava que a controlava completamente. Mas estava longe de entender o verdadeiro poder que ela possuía. Ao chegarmos, ficamos hospedados em um hotel. Apesar de ser uma cidade portuária, Porto dos Milagres era surpreendentemente grande. No primeiro dia, minha mãe já foi trabalhar, e meu pai, minha irmã Alice — que tinha uns seis anos na época — e eu decidimos explorar a cidade.

Fomos a uma grande feira de especiarias e peixes, que estava lotada de pessoas. Eu nunca gostei de multidões, mas aprendi a lidar com isso focando minha atenção em outros sons, sentindo as vibrações ao meu redor. Mas algo naquela feira estava estranho... Senti que algo ruim estava prestes a acontecer.

Poucos minutos depois, uma das vigas de sustentação da feira se rompeu, e a estrutura começou a desabar. Num impulso, usei minha magia para segurar o teto o máximo de tempo possível, permitindo que as pessoas escapassem. Quando já não conseguia mais manter a estrutura suspensa e a última pessoa saiu debaixo dos escombros, uma barra de ferro me atingiu, perfurando meu abdômen. Meu pai, que tinha assistido a tudo, correu desesperado até mim. Lembro da dor intensa e de como o sangue escorria rápido demais.

Meu pai estava em pânico, mas eu, tentando tranquilizá-lo, disse que tudo ficaria bem. Durante uma viagem anterior à Índia, conheci uma tribo indígena que realizava um ritual de cura que, para mim, parecia magia antiga. Lembrei das palavras que o curandeiro usou quando curou um homem que havia machucado o pé com uma flecha perdida (não era alguém da tribo, claro). Essas palavras ecoavam na minha cabeça enquanto meu corpo sucumbia à dor. Eu retirei a barra de ferro, coloquei as mãos sobre o ferimento e recitei as palavras:

— Rogo ut maiores totis viribus hoc vulnus sanandum ducant, ut nullum humanum hunc servum tuum deprimere possit telum.

Um feixe de luz emanou das minhas feridas, e enquanto isso, ouvi gritos de desespero ao fundo. Mas eu não podia interromper o feitiço, então continuei. Chamei o poder dos ancestrais e curei meu ferimento. Quando o processo terminou, fui em direção à multidão, atraída pelos gritos. Lá, vi uma garota que parecia ter minha idade, com uma mancha de sangue na barriga. Mas o que me perturbou profundamente foi que a sua blusa não tinha nenhum rasgo. Ela estava dando seus últimos suspiros, e logo, sua vida se esvaiu.

Eu congelei. Sabia, no fundo do meu coração, que aquilo poderia ser minha culpa.

O curandeiro havia me dito que toda magia tem um preço, e o preço pela minha vida... foi a vida daquela garota.

"Inesperado" | Lena Luthor & S/NOnde histórias criam vida. Descubra agora