Capítulo 1: Voltar

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Será que te conheço desde a infância
Será que na infância eu parti
Prum mundo imaginado por você
Ou por você um mundo veio
E a infância assim se foi.

- Maria Gadú, Estranho Natural.

O tempo corria afoito, inquieto, implorando por parar. A água batia contra as pedras, moldando rochas com o passar dos anos. O vento seguia o mesmo, batia nos rostos desavisados e bagunçava os cabelos das moças. Quanto a vida - essa era obrigada a continuar, a imparável, incessante e fugaz era melhor amiga do tempo, onde um está, o outro está de arrasto, quando um acaba, o outro se vai também.

O problema dessa amizade é que, a inimiga deles - invejosa, eu diria -, a morte, nunca avisa quando os ponteiros pararão de rodar. Ela brinca com ambos, de longe, quietinha, mas, assim como Sol e lua se trombam vez ou outra, vida e morte também se enamoram, e a vida, inebriada, deixa o tempo solitário, parado, esquecido. É nesse encontro que as coisas se vão, nunca saberemos quanto tempo ainda há para viver e no que isso implica, a única certeza é que de encontros somos feitos, de desencontros nos refazemos e de reencontros nos motivamos a seguir contando... Tempo.

Violeta Camargo fugiu, não do tempo, da morte ou da vida, mas sim do marido. Fora a última saída, a chance de permanecer contando minutos. Mathias fora sim um ótimo marido, era inegável, mas o justo juiz agora era acometido por uma triste doença - esquizofrenia. Devaneios, brigas, ameaças e outras coisas que ela prefere deixar em sigilo absoluto, a fizeram sumir dos olhos azuis dele. Fez as malas, penteou as meninas, colocou as luvas de renda e voltou para o lugar que a fizera tão feliz na juventude.

- Violeta, minha irmã, que saudade! - Heloísa a abraçava apertado. Tão apertado que faltava o ar. - Demoraram uma eternidade! - Sorriu saudosa.

- Pipocas, quase me quebrou inteirinha! - Violeta gargalhou, tirou os amarrotados da roupa que usava.

- Elisa! Está uma moça linda! - Foi a vez da mocinha receber um abraço apertado. - Os cabelos sempre longos e bonitos!

- Obrigada, Tia Helô. - Sorriu agradecida.

- E você, pequenininha? - Se aproximou de Dorinha. - O gato comeu tua língua? - A fez rir.

- Fazem semanas que ela não fala, Heloísa. Acho que o gato comeu a língua dela! - Violeta recebeu um sorriso da filha caçula, contudo, nem uma palavra em retribuição.

A mãe de Isadora tinha tanto medo da menina nunca mais desabrochar, seria a maior culpa que carregaria. Seguia - repleta de medo - torcendo pela melhora da menina, implorando que aquele silêncio dela fosse embora. A criança que outrora era a mais falante, agora nem mesmo um simples "olá" dizia.

- Já vou avisando - Helô respirou fundo - o humor da mamãe está péssimo.

- Por isso ela não veio me recepcionar?

- Dona Berenice correu o papai na base da bala! - Contou, Elisa riu com a fofoca. - Disse que se ele pisar no engenho dela, faz um escarcéu!

- O que diabos ele fez?

- Pensou em vender algumas terras para um moço engravatado que esteve aqui. Eu não vi ele, mamãe também não, mas ficamos sabendo que vai abrir uma fábrica pelas redondezas.

Violeta estranhou, o pai nunca havia cogitado a possibilidade de vender o engenho, ainda mais sabendo do apreço que Berenice tinha pelo lugar. Vender o engenho, ou uma parte que fosse, seria como findar a vitalidade da matriarca da família Camargo, e se tinha uma coisa que a primogênita de Afonso presava era pela saúde da mãe.

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