Capítulo 20: Desatinar

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Ela desatinou, desatou nós
Vai viver só
Eu não me vejo na palavra
Fêmea, alvo de caça
Conformada vítima
Prefiro queimar o mapa
Traçar de novo a estrada
Ver cores nas cinzas
E a vida reinventar.

- Francisco, el Hombre,
Triste, Louca ou Má


Por mais tempestivo que fosse se manter vivo, ao menos não estavam sozinhos. Isso era uma prova viva de que eram pessoas dignas de afeto. Tinham cuidado até de quem menos esperavam.

Santa, mesmo cansada, estava ao lado de Berê naquele momento.

- Pode ir para casa, Santa. Deve estar exausta. – Berê passava o lenço no rosto ao fim de secar o pranto.

- Não vou sair daqui. – A olhou. – Nem cogite isso.

Suspirou, o afago de ter alguém após tanto tempo. Quando Martha saiu do Rio de Janeiro, Berenice perdeu muito mais do que uma amizade, perdeu seu norte. Tinha outras amigas, Dona Mercedes, Dona Lisiê, era íntima de Manuela, jogava um carteado com a vizinha Rita, mas nenhuma delas estaria ali, ao seu lado, em um momento assim.

- Por que brigamos a nossa vida inteira? – Berenice perguntou.

- Não sei. Não faço a mínima ideia.

- Não foi por causa de Andrade, nunca tivemos uma boa relação.

- Nossas mães eram boas amigas.

- Nossas filhas são boas amigas.

- Nossas netas são boas amigas também.

Ambas riram daquela bobice, por que só as duas tinham pinimbas? Quanta infantilidade! Nem ao menos havia um motivo sólido, esse veio anos depois, pouco antes da fase adulta.

- Ainda dá tempo de mudarmos isso. – Berê falou.

- Claro que há, chega de rivalidades.

- Ainda vou te espinafrar.

- Não abro mão de te azucrinar, isso jamais!

- Então, minha amiga... – Sorriu de canto. – É bom ter você aqui, obrigada. Achei que não teria uma boa amiga nessa altura do campeonato.

- Ah, não somos tão velhas assim! Tua aparência que engana!

- Quem te aguenta, Santa Andrade?

- Você, Berenice Camargo.

A conversa findou quando o médico chegou, trazendo notícias desanimadoras.

- Doutor, como ele está? – Levantou.

- Dona Berenice, o estado de Afonso não é bom e ainda estamos em cirurgia. Ele teve uma hemorragia, precisamos de um doador.

- Doador... – Pensou.

- Uma filha, irmã... Sobrinha?

- Bom... A única que está no hospital é Violeta, mas está grávida. – Lacrimejou. – Heloísa está no engenho, demorará a chegar. Não há doadores. Não tem irmã. Nem sobrinha alguma.

- Neste caso, teremos que fazer uma doação de sangue A positivo com alguém próximo.

- Eu sou A positivo. – Disse Santa.

- Pode doar? Precisamos com urgência.

- Claro! Vamos!

- Oh, Santinha... – Berenice disse chorosa. – Você não existe!

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