Capítulo 2: Infância

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A estrofe, derradeira merencória
Revelava toda a história
De um amor que se perdeu
E a lua que rondava a natureza
Solidária com a tristeza
Entre as nuvens se escondeu.

- Orlando Silva, Última Estrofe.

Existem pessoas que somos incapazes de esquecer, lugares nostálgicos o suficiente para devolver boas memórias. O cheiro de laranja, o cantar dos pássaros, as flores do jardim, o verde do gramado - tudo era familiar. Família, Violeta precisava daquilo, precisava do abraço caloroso da irmã, dos resmungos do pai e do carinho da mãe.

Cada pedacinho daquela casa era especial, antiquado, mas especial. O tempo foi muito bem vivido ali, o mais belo da vida estava presente em cada quadro, adorno, cômodo. A luz que adentrava às janelas era diferente do habitual, Belo Horizonte não tinha aqueles detalhes, acreditava ela. O dia amanheceu, podia olhar ao redor, pela janela, e constatar que nada ali havia mudado.

As folhas secas caíam das arvores e novas folhas nasciam no lugar. A ampulheta que enfeitava o móvel do corredor já havia findado seu tempo, grão por grão caiu, estava apenas esperando alguém ter coragem de virá-la de ponta cabeça - quem a gira a vida muda.

- Preciso mandar costurarem os vestidos para a festa de Júlinha. - Heloísa falou.

- Não sei se vou. - Berenice disse. - Nem precisa se preocupar.

- Como não? - Heloísa reclamou.

- Não quero encontrar com aquela jararaca!

- Dona Santa? - Violeta segurou o riso.

- Não fale o nome dela nesta casa, atrai azar! - Bateu na mesa de madeira.

- Nunca entendi a pinimba entre vocês. - Heloísa servia o chá.

- E não tem que entender, é coisa de adulto.

- Ela sempre foi muito amorosa comigo e Heloísa. - Violeta recebeu um olhar fuzilante de Berenice.

- Ela sumiu depois que o marido morreu. - A mais nova das irmãs lembrou.

- Espero que tenha ido pra bem longe! E que não volte! - Bebericou seu chá. - Ela e aquele papagaio metido dela! - Violeta se afogou com o café que bebia.

- O papagaio que chama a mamãe de bruaca ainda existe? - Gargalhou Violeta. - Pombas!

- Bruaca é a mã... - Berenice parou ao ver Isadora se aproximar juntamente de Elisa.

As irmãs Camargo tentavam parar de rir, mas era inviável. A maior dúvida que tinham era a motivação de tamanha implicância da mãe, levando em consideração a amizade bonita que Violeta e Júlia tinham.

- Bom dia, meninas. - Berenice pigarreou. - Dormiram bem?

- Bom dia, vovó. Muitíssimo bem. - Elisa respondeu.

- E você, Isadora? - A mais nova apenas assentiu. - Vou levar isso como um sim.

- Faltam alguns dias para a festa, já escolheram as cores das roupas? - Heloísa indagou.

- Vou ir por causa de Júlinha, não tenho o que comemorar. - Respondeu Violeta.

- Deixa de amargura! É uma mulher jovem, sempre terá o que comemorar.

- Onde está o papai? - Violeta mudou de assunto.

- Não dormiu em casa, deve estar no Benê. Ou caído em alguma viela por aí. - Berenice respondeu. - Falei que não o queria na minha casa.

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