Jardim do Mosteiro

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Evya se pegou olhando para a varinha em suas mãos, a mesma que pertenceu a sua mãe, era sua única lembrança daquele passado. Seu dedo anelar já não sangrava mais, mas ela ainda a matinha na boca, será que o sabor do sangue dela era o mesmo que o de seus pais?

— Evya? Bom dia! Eu imaginei que você estivesse aqui no jardim, sei que vocês... erm... você está bem?

Era Linz. Seu rosto jovial e roupas monásticas lhe davam um ar muito inocente, mas aqueles olhos castanhos talvez ocultassem mais do que suas vestes. O rapaz perdeu a voz enquanto Evya se virava para ele com o dedo ainda na boca a varinha em mãos, mas nada daquilo era tão perturbador quanto aqueles olhos azuis élficos marejados de lágrimas ainda para escorrer.

— Eu cheguei num momento ruim? Eu... imaginei que você gostaria de algumas maçãs, sei que vocês acordam cedo e ficam em jejum até o almoço. Aceita?

Evya languidamente pegou a maçã que o menino estendia, ainda não sendo capaz de confiar na própria voz para agradecer ou mesmo se desculpar. Quem garantiria que daquela boca não sairia um choro ao invés das palavras que a adalena queria dizer? Ela pegou a maçã, vermelha como o sangue que ela provara de si mesma alguns momentos atrás, como provara anos atrás, e se sentou num tronco de árvore caído na lateral do jardim. Linz a seguiu um pouco distante, ainda estudando a adalena com curiosidade e receio.

— Posso fazer algo por você?

A criada ainda se manteve calada, o jovem monge se aproximou com cautela e se sentou ao lado dela, observando os olhos vidrados que lutavam freneticamente para manter as lágrimas no lugar. Linz não precisava ser inteligente para saber que aquele momento era tênue para a mulher ao seu lado, se a primeira lágrima caísse, todas as demais seguiriam. Talvez Linz quisesse isso, era uma ótima forma de se aproximar daquela dama que ele tinha tanto carinho, mas ele sabia que no fundo seria uma aproximação falsa, não seria natural, não seria belo, não seria como ele queria. Por isso ele voltou seus olhos para frente, deixando a adalena com seus demônios interiores e focou em apreciar os campos a sua frente.

O mar verde descia e subia, oscilava e seguia. Mas era aquele verde bronzeado, marcado pelo outono, aquele tom que precipitava o inverno, que antecedia os campos frigidos, a neve e a branquitude solitária que seria em poucas semanas. Ao longe alguns cavaleiros apareceram no horizonte, talvez estivessem vindo para o mosteiro, ou talvez viajando para a aldeia próxima, para qualquer um dos destinos, levaria algumas boas horas, a não ser que estivessem com pressa.

— Sabe, eu nunca vi o mar, mas acho que não seria muito diferente dos campos.

O som crocante e distinto de uma maçã sendo mordida veio da adalena, e o rapaz olhou para ela curioso novamente, relembrando que aquela era uma bela dama e que o olhar dela sobre ele produzia abelhas em seu estômago, e outros sentimentos que rapazes de mosteiro não eram ensinados a lidar. A pose de Evya, mordendo aquela maçã e observando os campos com ele fez Linz se lembrar de que os juramentos dos monges não eram eternos, e que por aquela adalena, ele renunciaria à vida monásticas. E ela riu.

— Bobo. Os campos não têm nada a ver com o mar. O mar é extenso, alcança até onde os seus olhos podem ver, e vão mais além. Os mares são mais fundos, mais perigosos e muito mais cheios de vida.

— Você já viu o mar?

— Nunca. Mas li em livros que eles são assim, espero que um dia eu possa viajar pelos oceanos, ouvi dizer que existem terras desérticas onde pessoas felinas vivem, imagina como deve ser lá?

— Já ouvi falar sobre eles. Meus mestres dizem que esse povo está destinado a dor e sofrimento, pelo menos até que eles aceitem Bzadr na vida deles, talvez depois eles vejam um futuro mais brilhante.

A conversa dos jovens foi curta, parte por culpa das maçãs que estava deliciosa, suculentas e doces, como toda boa maçã. Evya agradeceu a Linz mais de uma vez pela companhia e pelas maçãs, para Evya, ele fez um gesto amigável de imenso afeto, para Linz, ele se aproximou mais um pouco da mulher que ele admirava, por isso ele voltou para o mosteiro com um sorriso maior do que quando saiu. Mas o turbilhão de emoções dos quais Evya estava passando, ainda não havia acabado. Bastou o menino Linz fechar a porta atrás de si para que a adalena caísse em outro devaneio, ela estava começando a se incomodar com tantas memórias vindo à tona, mas aquela era forte, longa e deixou muitas marcas em Evya.

A varinha ainda estava em sua canhota, e ela voltou a admirar o artefato arcano. Evya já havia se contentado com o fato de que ela nunca saberia a história daquela varinha. Seu caule era o mais reto que um galho de trädenia poderia ser, pequenas esferas de ouro adornavam todo o corpo da varinha, até o fim do cabo, onde uma selenita polida repousava firmemente no lugar por veios finos de ouro. Era a varinha de sua mãe, talvez fosse a de sua avó também? Talvez fosse uma herança hereditária dos Menenia. Evya deslizou para o mundo dos sonhos lúcidos ao se lembrar de como aprendeu a usar sua varinha, Varenia.

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