Jardim do Mosteiro

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A adalena se levantou do tronco de árvore que usava como banco, Evya já havia perdido longos momentos apenas se relembrando do passado naquela manhã. Algumas memórias eram ruins, mas ela não deixaria que aquilo estragasse seu dia. Evya suspirou e permitiu que toda a sua angústia de anos atrás saísse de seu coração. Por alguns momentos ela se deixou sentir a brisa que soprava do Sul, lançando seus cabelos prateados no ar. Passado esses momentos, era hora de seguir.

As luzes da manhã eram dedicadas ao cuidado do campo, naquele dia, dedicados ao jardim. Mas as tardes, de modo geral, eram voltadas ao cuidado do mosteiro. Seguindo pelos corredores do edifício, Evya chegou até a cozinha. Era um lugar úmido, retangular e escuro, como toda cozinha. Um grande fogão a lenha se encontrava na lateral direita, onde uma pequena janela permitia a entrada de alguma luz, diante do fogão uma grande caldeira borbulhava a gororoba do dia, o cheiro de vegetais inundava o ambiente. A frente do caldeirão uma larga mulher humana mexia o líquido na panela, suas vestes eram robustas, trapos, na verdade. Seu cabelo estava para trás e preso por um pano. Suas orelhas redondas e humanas estavam a mostra, a orelha sumiu quando o rosto rechonchudo se virou para encarar a nova chegada. Sua expressão tensa se agravou.

— Onde você estava, menina? Sabe que que hora já é?

Evya sabia bem. As badaladas da manhã já haviam tocado, o almoço sairia levemente atrasado por conta da adalena. A mulher andou a passos firmes até a jovem adalena e pegou o cesto de sua mão, dando-lhe uma vassoura no lugar. Evya teve pouco tempo de acenar e sorrir para sua outra colega escondida parcialmente na alcova onde os vinhos ficavam, Janira estava descasando as batatas para o jantar, e Evya foi empurrada para fora da cozinha. Ela sabia exatamente o que fazer, a rotina, é claro.

A porta da cozinha se fechou atrás dela, com uma batida. Evya admirou por alguns momentos a igreja a sua direita que se estendia lateralmente por longos metros. Mas o que Evya sempre admirava eram as torres do sino, uma de cada lado da fronte da igreja, uma estava terminada, subia por muitos metros, ela talvez se lembrasse da altura exata, cerca de trinta metros. Já a outra torre havia tombado. Em verdade, Evya sempre era lembrada do motivo da queda daquela torre, uma vez na invasão dos adalenos naquela região, a torre recebeu uma pedrada, bem no meio da torre. O sino ainda estava inteiro, mesmo que torto, ele estava conservado nas catacumbas da igreja. Por esse motivo, a torre só se erguia até quase a metade de sua gêmea.

Evya se encontrava bem no pátio de entrada do mosteiro. Atrás dela ficava a cozinha, e ao lado esquerdo da cozinha, acompanhando paralelamente a igreja, ficavam os dormitórios dos criados, após os dormitórios havia algumas salas de estudos, biblioteca e sala de reuniões, atrás desse complexo havia um largo cemitério que se estendia até a traseira da igreja. Do lado oposto estavam os estábulos, os quartos dos monges e lá no final o quarto do abade. Todo o mosteiro era circulado por uma baixa muralha de pedra.

Entrando pela lateral de igreja, Evya logo começou o árduo trabalho de varrer a igreja, todo dia de Sowo era assim. Algumas vozes do coro oscilaram enquanto ela entrava no prédio, certamente os monges mais jovens ainda não haviam se acostumado com Evya, ela pode sentir alguns olhares sobre ela. Sua suposição se confirmou quando o monge mais velho pediu a atenção dos alunos. O coro era certamente algo belo de se ouvir, as vozes jovens eram afinadas e o canto era sempre harmonioso.

Por dentro a igreja era ainda mais impressionante. Suas paredes de pedra eram revestidas por uma massa branca, e acima da massa todas as paredes foram pintadas com cenas denotando os feitos de Bzadr, o grande deus dos nórdicos. As pinturas usavam muitas cores prateadas, douradas e azuis. Eram murais lindos. Quase no teto, vários vitrais ogivais com as mesmas cores permitiam a entrada da luz da manhã. Longas colunas de pedra, também pintadas em azul e dourado, se estendiam até o teto abobadado dezenas de metros acima dela e dos outros monges. O teto também havia sido decorado, ele apresentava um céu estrelado com a imagem de Bzadr se erguendo prateada. Detalhes dourados circundavam o céu e o deus pintado. Evya sempre tentava se lembrar de como era a catedral de Rhagzor, lá na cidade branca, na capital adalena. Evya esteve lá diversas vezes quando pequena, mas ela se lembrava bem pouco do local, apenas de que ela era toda trabalhada no branco, dourado e prateado, e assim como aquela igreja, havia uma grande imagem, mas não apenas de Rhagzor, o principal deus dos adalenso, mas também de Bzadr e Elader. Evya se lembra da sensação de estar sempre sendo observada por Elader. O único detalhe era que aquela catedral na cidade adalena, era, pelo menos três vezes maior do que aquela igreja. Evya se pegou pensando como deveria ser varrer aquela catedral.

O coro lentamente morreu, as vozes fizeram seu último eco nas paredes de pedra da igreja, e logo apenas o som da vassoura da Evya podia ser ouvido ecoando, isso e os passos dos monges se retirando, todos, exceto o mais velho.

— Senhorita Evya. — O velho fez uma leve mesura. — Sei que a senhora não tem o costume de orar para nosso Deus, e nem mesmo se devota da mesma forma que nós, mas isso não é motivo para desrespeitar nossos horários.

— Sim, senhor Milkos, isso não se repetirá.

— Creio que já ouvi essas mesmas palavras de você antes, adalena. Entendo que você está aqui há apenas um ano e meio, mas já devia estar acostumada com nossos horários. — O homem terminou sua sentença e virou para sair, mas se voltou para ele com um olhar de julgamento e completou: — e por favor, use roupas menos... chamativas.

Evya fez uma mesura para o monge. Roupas chamativas? Só porque ela ficava bonita com aquele vestido não significava que ela não o poderia usar. Mas Evya se lembrou de que eram poucos os homens que concordavam com a presença de mulheres nos mosteiros masculinos, ela tinha sorte de que o abade era um dos poucos homens que concordava, corriam boatos de que ele gostava era de ter suas concubinas por perto, mas isso pouco importava, desde que Evya tivesse um lugar seguro para ficar e que não estivesse sujeita a assédios ou furtos, como foi em outros locais, estaria ótimo.

A igreja foi assiduamente varrida, os candelabros tiveram suas velas trocadas, o altar foi limpo igualmente, assim como os bancos. A igreja estaria apta para o uso por mais uma semana e, enquanto Evya colocava as últimas velas em seus lugares, os monges, em procissão adentravam a igreja pelas portas da frente. Todos com seus capuzes e mantos até os pés. O abade veio na frente com um grande incenso, o coro estava no meio, cantando suavemente. Evya saiu do caminho dos monges. As orações da tarde iriam começar naquele momento e Evya deveria sair logo do recinto. Antes que ela deixasse a igreja pela porta lateral, por onde ela entrou, ela fisgou o olhar de Linz por baixo de seu capuz, ele deu um leve sorriso amigável para ela. Talvez seu único amigo no mosteiro.

Depois da igreja Evya almoçou com suas colegas na cozinha, a responsável pela criadagem estava zangada com Evya por seu atraso. Não era a primeira vez que Evya se atrasava, e muito possivelmente não seria a última. Certamente ela só era mantida no mosteiro por seus conhecimentos médicos, únicos no mosteiro. Em verdade, a adalena era procurada por seus medicamentos pelas vilas ao redor do mosteiro, mais de uma vez plebeus viajaram até o mosteiro para pedir seus auxílios médicos, e mais de uma vez Evya teve que atender plebeus adoecidos em suas casas, viajando até suas respectivas vilas, por sorte, muitos a acompanhavam na ida e na volta, não era incomum salteadores naquelas estradas.

E aquele almoço foi prova disso. Evya havia posto a segunda colher do ensopado de legumes na boca quando um rapaz jovem abriu a porta da cozinha, sua expressão era de espanto e urgência, e Evya já o reconhecia, era Guilos, o filho de um oleiro na vila mais próxima. Ele visitava o mosteiro com regularidade, sua irmã mais nova tinha uma doença rara. Evya era a única capaz de fazer um medicamento e, pelo olhar do rapaz, o medicamento havia acabado e a menina adoentada precisaria rápido. O rapaz nem precisou expressar muito da situação, Evya já estava a caminho da sua bancada alquímica improvisada.

Uma erva aqui, um pouco de água ali, macera isso e esquenta aquilo. Evya preparou uma dose única do remédio, ela precisaria colher mais ervas para preparar mais, mas para aquele dia, aquilo devia ser o suficiente. O rapaz agradeceu mais de uma vez e prometeu trazer o magro pagamento pelo remédio amanhã mesmo. A menina precisaria do remédio, então Guilos voltaria de qualquer jeito. Evya o viu partir do mosteiro montado em seu burrinho, o animal parecia compartilhar da apreensão do rapaz, pois mau ele havia montado e o burrinho já estava trotando para fora do mosteiro.

Não era a primeira vez que Evya salvara a vida de alguém, e provavelmente não seria a última. Enquanto ela via o rapaz partir estrada afora, Evya notou que aqueles cavaleiros avistados mais cedo por ela e Linz estavam a caminho do mosteiro. Mas aquilo pouco importou para a adalena, ela agora submergia em mais uma memória.

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