A visão desse homem estranho, pálido, cuja aparência mal correspondia à meia-idade, embora de fato tivesse mais de um século de idade, a tentar, afinal, emergir de uma nuvem de pavor e ódio, vaga demais para ser especificada ou analisada, era, ao mesmo tempo, patética, dramática e desprezível. Tamanho, contudo, é o poder da riqueza e de certos gestos superficiais que se constatou, de fato, em um ligeiro arrefecimento da aversão pública exibida ao concidadão, sobretudo depois que os rápidos desaparecimentos dos marinheiros cessaram de chofre. Na certa, também, ele deve ter começado a se cercar de extremo cuidado e sigilo nas expedições aos cemitérios, pois nunca mais tornaram a surpreendê-lo nessas andanças, bem como diminuíram na mesma proporção os rumores sobre os misteriosos ruídos e manobras na fazenda de Pawtuxet, embora esta ainda recebesse quantidades anormais de alimentos para consumo, além de continuar a elevada substituição de animais domésticos. Nunca antes, porém, até Charles Ward examinar-lhe, já nos tempos modernos, os livros contábeis e as faturas na Biblioteca Shepley, não ocorreu a niguém, exceto talvez a um jovem amargurado, fazer sombrios cotejos entre o grande número de negros da Guiné, que Curwen importara até 1766, e o número assombrosamente reduzido dos mesmos por cuja venda ele pudesse apresentar notas de boa-fé tanto aos comerciantes de escravos da Grande Ponte quanto aos plantadores de Narragansett Country. Sem dúvida, a abominada personagem demonstrara astúcia e engenhosidade inconcebíveis assim que se revelou premente a necessidade de empregá-las.
Mas claro que o efeito de toda essa tardia regeneração tinha de ser superficial. Curwen continuava a ser evitado e encarado com desconfiança, pois, na verdade, o único fato de conservar aquele ar de juventude numa idade provecta bastava para justificá-lo, o que lhe permitiu compreender, enfim, que todo o sucesso conquistado iria, decerto, por água baixo. Tudo indica que quaisquer que fossem seus complexos estudos e experiências, estes exigiam uma considerável renda para mantê-los; e como uma mudança de ambiente o privaria dos lucros que obtivera nos negócios, começar de novo num lugar diferente àquela altura em nada lhe seria proveitoso. O bom-senso exigia-lhe que, de algum modo, melhorasse suas relações com os cidadãos de Providence a fim de que sua presença deixasse de ser, de repente, objeto de conversas silenciadas, de desculpas esfarrapadas para se retirar e de uma atmosfera geral de constrangimento e mal-estar. Seus empregados, agora reduzidos a um resíduo ocioso e indigente que ninguém mais contrataria, davam-lhe muitas preocupações, e conservava os capitães e imediatos apenas por astúcia, na tentativa de conseguir algum tipo de ascendência sobre eles: uma hipoteca, uma nota promissória ou informações pessoais muito íntimas. Em diversos casos, os autores de diários registraram, com certo espanto, que Curwen mostrava quase o poder de um feiticeiro ao desenterrar segredos de família para uso questionável. Durante os últimos cinco anos de vida, parece que só as conversas diretas com os mortos há muito tempo poderiam ter-lhe dado as informações que ele transmitia de maneira tão loquaz.
Por volta dessa época, ocorreu ao ardiloso erudito encontrar um último e desesperado expediente para reconquistar a posição na comunidade. Até então um completo ermitão, decidiu contrair um vantajoso matrimônio, garantindo como noiva certa senhora cuja inquestionável situação social tornasse impossível todo o ostracismo de seu lar. É possível também que motivos mais profundos o fizessem desejar uma aliança, motivos tão fora da esfera cósmica conhecida que apenas os documentos encontrados 150 anos após sua morte possibilitaram suspeitar de sua existência; porém, nunca se saberá nada preciso a esse respeito. Decerto ele estava a par do horror e da indignação que despertaria qualquer galanteio de sua parte; por isso procurou uma candidata provável em cujos pais ele pudesse exercer a necessária pressão. Como tinha exigências muito específicas em relação à beleza, dons e posição social estável, Curwen constatou que não era nada fácil encontrá-las. Por fim, a pesquisa reduziu-se à casa de um dos melhores e mais antigos capitães, um viúvo de berço de ouro e posição imaculada chamado Dutie Tillinghast, cuja única filha, Eliza, parecia dotada de todos os proveitos concebíveis, menos a perspectiva de herdeira. O capitão Tillinghast, totalmente dominado por Curwen, consentiu, após uma terrível entrevista em sua casa encimada por uma cúpula na colina de Power's Lane, a monstruosa união.