Foi por volta de maio que o dr. Willett, a pedido do sr. Ward, munido de todos os dados do caso Curwen, que a família colhera aos poucos de Charles, na época em que ainda não havia se tornado sigiloso, teve uma conversa com o jovem. A entrevista foi de pouca valia e não rendeu nada de conclusivo, pois Willett sentiu o tempo todo que Charles tinha total domínio de si e dedicava-se a assuntos de verdadeira importância, mas pelo menos obrigou o sigiloso rapaz a oferecer uma explicação racional de seu comportamento recente. Com o rosto pálido, impassível, sem mostrar constrangimento, ele pareceu bastante disposto a falar de suas atividades, embora não a revelar-lhes o objetivo. Afirmou que os documentos do antepassado continham notáveis segredos de saber científico antigo, a maioria codificada, de um alcance comparável apenas às descobertas do frei Bacon e talvez até superior a essas. Entretanto, eram desprovidas de sentido, exceto quando correlacionadas a um corpo de conhecimentos hoje totalmente caído em desuso, de modo que sua apresentação imediata a um mundo munido apenas de ciência moderna lhes retiraria toda a impressionante importância dramática. Para que pudessem ocupar o vívido lugar que lhe era devido na história do pensamento humano, necessitava-se, primeiro, correlacioná-las com os antecedentes dos quais haviam evoluído, e era a essa tarefa de correlação que Ward se dedicava no momento. Tentava adquirir o mais rápido possível as artes negligenciadas da antiguidade, que um verdadeiro intérprete dos dados Curwen precisa possuir, e esperava, no tempo oportuno, fazer uma apresentação e divulgação completa de maior interesse para a humanidade e o mundo das ideias. Declarou que nem sequer Einstein poderia revolucionar, de maneira mais profunda, a atual concepção das coisas.
Quanto à pesquisa nos cemitérios, cujo objetivo admitiu sem rodeios, embora omitisse os detalhes do progresso realizado, disse ter motivos para achar que a lápide mutilada de Joseph Curwen continha certos símbolos mágicos — inscritos segundo diretrizes especificadas no testamento do morto e poupadas pela ignorância daqueles que haviam apagado o nome — de todo essenciais à solução final de seu sistema cifrado. Acreditava que Curwen desejara guardar seu segredo com carinho e, em consequência, distribuíra as informações de uma forma muitíssimo curiosa. Quando o dr. Willett pediu para ver os documentos místicos, Ward expressou grande relutância e tentou dissuadi-lo com coisas como as fotocópias do código de Hutchinson, as fórmulas e os diagramas de Orne; mas acabou mostrando-lhe a página de rosto de algumas das verdadeiras descobertas sobre Curwen: o "Diário e Notas", o código (título também em código) e a mensagem cheia de fórmulas "Àquele que Haverá de Vir Depois" — e o deixou dar uma olhada nos papéis escritos em caracteres obscuros.
Também abriu o diário numa página escolhida a dedo pelo seu conteúdo inócuo e permitiu que Willett desse uma olhada na caligrafia de Curwen em inglês. O médico observou com muita atenção as letras ininteligíveis e complicadas, além da aura geral do sécuIo XVII que envolvia a caligrafia e o estilo, apesar de o autor ter sobrevivido dentro no século XVIII, e teve imediata certeza da autenticidade do documento. O próprio texto era relativamente trivial, e Willett lembrava apenas um fragmento:
"Quarta-feira, dia 16 de outubro de 1754. Minha corveta Wahefal zarpou hoje de Londres com XX novos homens recrutados nas índias, espanhóis da Martinica e holandeses do Suriname. Os holandeses parecem dispostos a desertar porque ouviram falar mal dessas expedições, mas tratarei de induzi-los a ficar. Para o sr. Knight Dexter do Bay and Book, 120 peças de chamalote, 100 peças sortidas de pelo de camelo, 20 peças de lã azul, 50 peças de calamanta, 300 peças cada de algodão das índias e shendsoy. Para o sr. Green do Elefante, 50 chaleiras de um galão, 20 panelas de aquecer, 15 assadeiras, 10 tenazes para defumar. Para o sr. Perrigo, l conjunto de furadores. Para o sr. Nightingale, 50 resmas de papel almaço de primeira qualidade. Recitei o SABBAOTH três vezes na noite passada, mas ninguém apareceu. Preciso saber mais do sr. H. na Transilvânia, embora seja difícil contatá-lo e ainda muito mais estranho ele não poder me explicar como se utiliza aquilo que ele tem usado tão bem nesses cem anos. Simon não escreveu nessas V semanas, mas espero logo ter notícia dele."