quatro.

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- Finalmente nos encontramos, [Nome]. - se arrumou sobre a poltrona, sem saber exatamente o que fazer com os braços.

- É... faz muito tempo. - murmurou desviando o olhar do dele, o modo como o homem ficava em completo silêncio a incomodava.

- Me conte como foi a sua semana.

- Bom... - batucou os dedos sobre o braço da poltrona, pensativa. - Normal?

- Normal como?

- Bom... normal. - pigarreou. - Escola... vôlei... nada de inovador.

- E como estão as coisas no vôlei?

- Legais... venci alguns campeonatos... logo terei outro torneio e... é... normal.

- E como está lidando com a surdez? Com o vôlei, escola e meio social?

- Normal. - repetiu mais uma vez a palavra, sem saber o que dizer. - As mesmas coisas de sempre.

- Quais coisas de sempre?

- Bom... meus aparelhos sãoa prova d'água e nunca caíram do meu ouvido... e as vezes peço pra elas não falarem comigo durante os jogos... o que dá certo na maioria das vezes.

- Na maioria das vezes... e quando não dá certo?

- Bom... eu consigo observar as sinalizações que elas fazem, e isso ajuda... um pouco...

- Não acha que seria melhor contar sobre sua surdez à elas?

- Melhor? - soltou um riso. - Por que seria melhor? Obrigar elas a entrarem no meu mundo por pena?

- Chamamos de inclusão, [Nome]. - afirmou o mais velho. - Todos possuem alguma necessidade, é normal do ser humano.

- Bom... eu não tenho necessidade nenhuma. - uniu as mãos, estalando os dedos. - Nunca precisei de ajuda, eu me viro.

- Nunca precisou, ou nunca aceitou?

Suspirou após a resposta, desviando mais uma vez antes de abrir a boca.

- Eu nunca tive ajuda. - murmurou ainda sem encará-lo. - Quando metade da minha cidade natal ficou sabendo do acidente, aqueles idiotas fizeram o inferno na minha vida! Sabe como é chegar na escola sabendo que vão roubar seus aparelhos e jogar no vaso? Pela janela? Ou pisar em cima na sua frente?

O homem permaneceu em silêncio, escutando-a.

- Sabe o que é ter pessoas batendo palma perto do seu ouvido só por diversão? Te assustarem só pra te ver desesperada? Se gabarem o quanto podem escutar 100% do tempo enquanto eu preciso depender de dois objetos estúpidos! - mordeu os lábios ao sentir a garganta fechar. - Eu não preciso de mais um ouvinte vindo infernizar a minha vida, e muito menos fingindo ter empatia por mim!

- E... e agora tem esse idiota que...que me acusou de ignorá-lo! Eu apenas estava sem aparelhos! Sem! Eu não tinha como ouvir ele e não foi a minha intenção ignorar! E agora eu saí como a vilã porque eu simplesmente não consigo contar a verdade!

Lágrimas escorriam pelo seu rosto, soluços eram presentes a cada fala. O homem lhe alcançou um lenço, e sua ficha caiu sobre como estava vulnerável na frente dele.

- Isso é patético... - murmurou enxugando as lágrimas.

- O que é patético?

- Tudo isso. - a voz soou ainda mais falha. - Fingir o tempo todo, e depois vir desabar sendo que é culpa minha.

- Fingir te deixa mal?

- Mais do que sou capaz de definir. - suspirou. - Eu não tenho ninguém pra contar sobre, ninguém parecido comigo... que divida a mesma frustração.

- Já pensou em ir a alguma reunião de surdos?

- Reunião de surdos? - apoiou o rosto sobre a mão. - Eu não sei...

- Seria uma experiência pra você, conversar com outros surdos, dividir vivências. - observou ele anotar algo em um papel, demorando quase um minuto para te entregar. - Aqui, o endereço.

Pegou o papel, observando a escrita do homem na folha. O local indicado era distante de sua casa, quase do outro lado da cidade.

- Pense sobre, [Nome].

...

- Viemos te buscar para sair. - Draken sorriu minimamente ao observar Mikey e Baji se aproximarem. - Está suado igual a um porco, seu nojento.

- Cala a boca, idiota. - revirou os olhos. - Vou no vestiário tomar um banho e já volto. - o loiro se levantou com dificuldade, mesmo que seu corpo estivesse inteiramente dolorido, ele gostava da sensação.

Draken praticamente se arrastou por todo o corredor, nunca pensou que esse caminho poderia ser tão longo.

- Merda! - paralisou ao ouvir um grito, ecoando próximo ao vestiário feminino.

Mudou brevemente o trajeto, ouvindo mais xingamentos que vinham dos armários do vestiário. Ele pensou que não havia ninguém do time de vôlei na escola esse horário.

O jovem suspirou ao te encontrar remexendo no armário, visivelmente desesperada procurando por algo.

As pernas dele se moveram inúmeras vezes, pensando se ia em sua direção ou se apenas ignorava a situação. Mas a intuição dele gritou para ficar e ver o que estava acontecendo.

- Ei, [Nome]. - deu um passo em direção a ela, não obtendo respostas. - Ouvi sua gritaria do corredor.

A garota continuou a retirar tudo que havia no armário, abrindo estojos, mochila, tudo que podia.

- [Nome]! - levou o dedo sobre o ombro dela, finalmente obtendo sua atenção.

- Eu perdi meus aparelhos auditivos porra! - exclamou nervosa, sem pensar nas palavras que disse. - Eu tenho certeza que os coloquei aqui! Mas eles sumiram!

- Hm? - o garoto te encarou confuso.

A garota continuou a procurar, enquanto Draken estava estático pensativo, sem saber exatamente o que fazer.

- Ei! - ele se ajoelhou em sua frente, quase te obrigando a encarar a cara dele. - Como eles são? - indagou calmamente, observando você ler os lábios dele.

- Estão numa caixa preta! - exclamou mais uma vez, olhando por debaixo dos bancos. Nunca havia perdido os objetos antes, sempre foi extremamente cuidadosa.

Draken se afastou olhando aos arredores dos armários, seu olhar se ficou no canto do local, uma pequena caixa preta misturada com algumas roupas chamou a atenção dele.

Paralisou quando viu ele te estender o pequeno objeto, era a caixa que guardava seus aparelhos. Engoliu a seco, se negando a encarar os olhos deles.

Draken desviou o olhar enquanto você abria a caixa, demorou poucos segundos para você colocar os aparelhos no ouvido.

- Então... - Ken murmurou após mais alguns segundos se passarem. - Você-

- Não comente sobre isso com ninguém. - pegou a mochila, devolvendo tudo que foi retirado dela. - Com ninguém.

- Não irei [Nome].

- Prometa.

- Eu prometo.

Suspirou se levantando, ambos se entreolharam em silêncio, até você se pronunciar.

- ...Obrigada. - saiu apressada, sem esperar uma resposta dele.

- De...nada.

𝚂𝚒𝚕𝚎̂𝚗𝚌𝚒𝚘... - 𝙺𝚎𝚗 𝚁𝚢𝚞𝚐𝚞𝚓𝚒, 𝙳𝚛𝚊𝚔𝚎𝚗. Onde histórias criam vida. Descubra agora