Capítulo 1

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— Você acha mesmo que vai conseguir ser alguém na vida, garota estúpida? Acha que algum príncipe encantado vai sair dessas merdas de livros que você lê e vir aqui te salvar? Você não merece ser feliz, você arruinou a minha vida!

— Eu arruinei a sua vida? Você fez isso sozinha e agora está fazendo o mesmo comigo. Apenas me deixe em paz! — gritei e bati a porta, andando apressada para longe daquela que eu costumava chamar de mãe: a viciada Lenna.

Quando não estava sob o efeito das drogas, fingia não ter feito nada de errado comigo durante a vida inteira e era até possível ficar no mesmo ambiente que ela. Às vezes, perguntava como estava indo o trabalho e a faculdade. Apenas respondia e me retirava. Era o máximo de educação que conseguia fingir. Porque ela podia esquecer seus acessos de raiva e viagem nas drogas, mas eu não esquecia todas as negligências e perigos que o vício dela me expôs e danos que me causou.

Desde a infância, eu era conhecida como a filha da viciada prostituta. Pessoas maldosas até espalhavam que eu tinha nascido com AIDS. Os pais não deixavam seus filhos serem meus amigos e, conforme as crianças cresciam, foram ficando mais maldosas comigo. Apelidos e comentários viralizaram na escola, fazendo da minha vida um grande inferno. Minha mãe realmente era uma prostituta e alguns, ou melhor, vários pais dos meus colegas de escola já foram clientes dela. Bom, já que eles jogavam meu nome na lama sem eu ter feito nada, por que não levar alguns comigo, certo? Errado, isso fez as pessoas me odiarem ainda mais, mas, pelo menos, aprenderam a não cutucar onça com vara curta.

Não precisava de amigos. Desde cedo aprendi a viver em mundos paralelos nos livros e sempre me diverti muito neles. Infelizmente, nunca pude tê-los em casa, já que os únicos três livros que eu tinha haviam sidos doados pelos professores aos alunos e minha mãe os queimou em um acesso de fúria, por ter me visto sorrir por eles. Eu tinha apenas oito anos.

Mas, por sorte ou, mais especificamente, por ser uma cidade pequena, a prefeitura fez um projeto unindo a biblioteca da cidade com a da faculdade; sendo assim, ficava aberta os sete dias da semana, até as nove da noite. Os alunos tinham livre acesso a milhares de mundos, mas, infelizmente, a maioria preferia o virtual. Uma pena para eles e uma maravilha para mim, que tinha mais liberdade dentro daquele paraíso. Quanto mais eu crescia, menos queria minha realidade e queria viver mais no mundo dos livros.

Clichê, eu sabia que era o sonho de várias leitoras, mas eu só queria que alguém gostasse de mim de verdade. Acabei de completar 18 anos e o mais perto de um sentimento bom que as pessoas costumavam sentir por mim era pena. Como a Sra. Mevis, a bibliotecária. É ranzinza e solitária, mas, quando me viu chorando com o que tinha sobrado dos três livros queimados nos braços, enxergou algo que ela também apreciava: o amor pelos livros. Com isso criou certa empatia por mim.

Passei a frequentar a biblioteca todos os dias. Ela devia saber que eu só comia na escola; afinal, cidades pequenas adoravam fofocas, principalmente para falar mal da minha mãe. Certo dia, enquanto eu lia, a Sra. Mevis deixou um lanche embrulhado no papel alumínio ao meu lado e saiu. Isso foi se repetindo, dia após dia. Seus lanches me fizeram ter boas noites de sono além de matarem minha fome. Ela nunca me deixou chegar perto demais a ponto de conversarmos sobre a vida ou coisa assim. Era estranho, eu queria conversar, mas a respeitava.

Aos 13 anos, eu lhe escrevi um bilhete pedindo ajuda com o vício da minha mãe. Tinha medo dela, medo das pessoas que colocava dentro de casa... A Sra. Mevis colocou o bilhete no bolso e virou as costas. Fiquei semanas sem ir à biblioteca, triste pela única pessoa que parecia gostar de mim ter me abandonado. Mas logo descobri que, na verdade, ela tinha denunciado. Boa parte dos policiais da cidade eram clientes e sócios da minha mãe e a Sra. Mevis foi ameaçada por eles.

O Monstro do Amor - Série Homens da Sombra Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora