0.17 ☽ Qᴜᴇᴍ ᴛᴇ ʀᴏᴜʙᴏᴜ ᴅᴀ ɪɴᴏᴄêɴᴄɪᴀ?

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⚠️Aviso de gatilho: vício, drogas, violência, automutilação, TEPT e dissociação.⚠️


Havia sangue em suas mãos.

O garoto as fitava com seus olhos opacos, virando-as em diferentes ângulos sobre a luz fraca do beco sujo atrás da boate do qual tinha acabado de sair, apenas para ter certeza de que eram de fatos suas. Elas se mexiam, o brilho escarlate em contraste com sua pele, mas ele não as sentia como se fossem suas.

Ele não sentia nada.

Nem mesmo as drogas correndo pelo seu sistema, a ferida em sua boca – fruto do único golpe recebido antes de retalhar – ou os cortes nos nós de seus dedos pelos golpes desferidos.

Permaneceu sentado na sarjeta mesmo quando as primeiras gotas de chuva começaram a cair, não as sentiu nem mesmo quando aumentaram de intensidade. A ambulância já havia levado os dois caras quase mortos quando Felix terminou sua cerveja, jogando a garrafa de vidro no asfalto molhado. Então observou, os pingos de chuva caindo sem parar, lavando o sangue em suas mãos.

Ele não sentia nada.

Ele deveria. Haviam incontáveis razões para ele estar com raiva, medo, dor, tristeza... Mas tudo isso sumiu no grande buraco negro que parecia residir em sua caixa torácica. Residia há um tempo já, crescendo como uma praga silenciosa até que seu vazio fosse a única coisa que sentia, até que fosse tarde demais.

Poderia ser uma dádiva.

Sentia-se como uma maldição.

Alcançando o maior dos cacos de vidro da garrafa estilhaçada no chão, o garoto a observou entre seus dedos. Apertou, ligeiramente, em seu punho sem se importar com suas bordas irregulares cortando suavemente a palma de sua mão; nada sentiu.

A porta pesada de ferro abriu-se atrás de si, o som abafado por seus ouvidos dormentes.

— Felix, que porra você estava pensando?! Hyuntak irá atrás de você até o inferno, ele não vai parar... Alguém chamou até a porra da polícia!

A voz de Sol parecia distante, mas ele não olhou para confirmar, seu olhar permanecia preso no líquido escuro e viscoso que percorria a parte do vidro que não estava coberto pela sua mão.

— Droga — ela praguejou instável, afastando os fios curtos da sua franja que grudavam em sua pele suada, suas mãos tremiam. — Por que você teve que incendiar logo o armazém dele? Você por acaso quer morrer?!

Felix a olhou, totalmente inexpressivo, como um desconhecido. Ela estava em pé ao seu lado, mas não importa o quanto olhasse ele não a sentia de fato ali, se questionou se ela sequer era real. Seria ela apenas mais uma alucinação? Um fantasma? Havia um pouco de sangue no canto de seus lábios, consequência de algum golpe desferido enquanto tentava intervir no acerto de contas dos capangas do Hyuntak. Estúpida, foi a única coisa em que Felix pensou.

— Eu queria ver algo queimar.

Sol o olhava, incrédula. O som alto EDM, que transpassava a porta pesada atrás deles, parou bruscamente.

— Nós conversaremos sobre isso quando você não estiver noiado, primeiro vamos sair daqui antes que um daqueles cuzões abra a boca sobre você pra polícia — Sol insistiu ansiosa ao seu lado, falhando em conseguir sua atenção. Ela sabia que não deveria tocá-lo, mas com o olhar pairando ansiosamente entre a porta dos fundos pelo qual havia saído e o garoto de olhos tão escuros quanto os cabelos, ela não pensou duas vezes. — Vamos...!

Foi apenas um segundo.

Um único segundo em que sua mão pousou firmemente sobre o ombro de Felix e a próxima coisa que Sol sentiu foi o ar sair inteiramente de seus pulmões e uma dor de aviso subindo pelo seu braço firmemente torcido em um ângulo que, apenas em um impulso extra do pulso de Felix, seria o suficiente para quebrar seu braço de vez. A garota piscou seus olhos subitamente úmidos, fitando em choque os olhos negros de Felix assustadoramente próximos de seu rosto. Com a mão que não ameaçava quebrar seu braço, Felix pousou a ponta do caco contra as costelas dela. Ele não empurrou o vidro entre os ossos, assim como não quebrou seu braço, mas o peso de ambas possibilidades era deliberadamente colocadas.

Solivagant • chanlixOnde histórias criam vida. Descubra agora