Fim - VISLUMBRE

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...

— Então você escreveu para a Dina esse tempo todo?

— No início tentei apenas escrever, fazer um diário, mas ao poucos se tornaram cartas... Eu escrevi cartas para ela.

— E você entendeu seus sentimentos?

— Sim tia — falei andando pelo seu consultório. — Entendi que tudo estava guardado, e eu tinha tudo aqui dentro.

— Oh, isso é ótimo.

— E também entendi que eu preciso ver ela — falei baixinho.

— Mesmo? — falou tentando conter a surpresa na voz

— Eu não tive a chance de me despedir tia, não tive forças para ir ao velório, e nunca fui no túmulo dela, acho que eu nunca achei que eu fosse conseguir me despedir. Tia... Eu amo você igual você me ama.

— Oh — ela me olhou e seus olhos estavam cheios do outro lado da mesa.

Em seguida ela cruzou a mesa rapidamente e me abraçou, e meus olhos se encheram e ela já derramava lágrimas chorosas em meus ombros.

— Te amo querido.

— Você é uma mulher foda e eu te admiro muito.

— Pare com isso... se não, não vou parar de chorar.

Ela secou as lágrimas me olhando e passou os dedos enxugando as lágrimas dos meus olhos.

— Olha para você, está chorando também, tinha até me esquecido de como era te ver chorar...

— Tia, você tem consulta agora?

— Não, por que? — disse ela deu uma pausa — Tenho uma horinha.

— O Mika tá lá embaixo me esperando no carro, podia nos levar até ela?

— Agora? Tipo? Apollo, você realmente...

— Sim, agora, eu estou preparado, e eu não sei onde é o túmulo dela entao.... tem que ser agora.

Ela rapidamente pegou sua bolsa que estava em cima da mesa e saímos do consultório, e do consultório para o cemitério.
Eu estava nervoso, com um frio imenso na barriga, havia vários envelopes, Mikael me ajudou a colocar cada uma das cartas em um envelope cor de rosa macio e depois em uma cesta. O clima dentro do carro não estava amistoso e agora que chegamos não estava mais ainda, todos estavam meio soturnos.

Ao descer do carro, já no cemitério Mikael segurou minha mão me encorajando a andar com a pequena cesta de cartas, e minha tia foi trilhando o caminho na frente. Até que paramos em um túmulo, na quadra 39, onde havia flores murchas em um vasinho, claro meus tios vinham aqui as vezes, eu era o único que nunca vim, na lápide o nome dela com um lindo letreiro cor de ouro e a data de sua morte, sem nenhuma frase motivacional. Mikael ficava me olhando, me lançando olhares como se estivesse preocupado comigo caso eu chorasse, seus olhos estavam tão brilhosos e atenciosos, minha tia disse:

— Aqui — tocou no túmulo — Quer ter um momento a sós?

— Não tia — falei baixinho — Essa era minha mãe Mikael — falei mostrando a foto já que eu não tinha nenhuma em casa.

Toquei a foto e a limpei com pulso, estava empoeirado.

— Mikael essa é minha mãe — falei

Minha tia estava tão avermelhada tentando conter o choro, e notei que Mikael estava mudando de cor igual ela.

— Oh... — ela resmungou.

— Mãe o Mikael é o meu namorado agora e eu o levei para ver as nossas estrelinhas flutuantes no campo de vaga-lumes — deu um riso.

Mikael deu um sorrisinho acanhado. Coloquei o cestinho de cartas do lado do túmulo, em seguida tirei uma das cartas.

— Essa foi a última que escrevi, então vou ler...

Minha tia me olhou com os olhos quase cheios depois de limpa-los e Mikael tocou minha cintura e me abraçou envolvendo sua mão em meu corpo com a cabeça em meu peito, e tia dava encostou no meu outro braço do outro lado. E eu abri a carta;

— “Querida Dina, ou devo chama-la de Dianinha, tia Dalva me disse que era esse seu apelido na infância... Mãe, eu vim me despedir, e eu sabia que iria conseguir trazer o amor que eu sentia até você, então como prometido aqui estão eles, Mikael e a tia Dalva meus dois amores minha mãe. Quero dizer que eu fiz outros amores mãe além do seu, mas ainda a amo tanto. Eu sempre achei que ser bombeiros e salvar vidas ia suprir o buraco que a senhora deixou no meu coração, mas na verdade não foi minha profissão que me ensinou a amar de volta, não foi a profissão que preencheu o que faltava e me fez entender as coisas, e sim as lições que a vida me obrigou a lidar.
Hoje mãe, sou melhor do que fui ontem, e me desculpa não ter vindo antes eu estava com medo, medo de não conseguir dizer que te amo, assim como eu não conseguia dizer a tia Dalva que eu amava ela, mas agora que me sinto preparado para dizer "eu te amo" para o mundo todo, me sinto preparado para amar, amarei meu futuro filho, amarei Mikael mesmo que um dia esse namoro acabe (eu espero que não acabe nunca mãe) e amarei tia Dalva. Eu os amarei para sempre mesmo que um dia eles não estejam aqui, por que eu aprendi sobre o amor com eles, e posso dizer que meu aprendizado com eles só me fez lembrar daquilo que você já havia me ensinado.
Mãe você criou um homem, que está radiante agora, radiante é minha nova palavra favorita mãe. E mãe mesmo que você tenha descansado cedo de mais, eu me arrependo tanto de não ter sido o filho que você tanto queria quando ainda era viva, eu não tinha juízo algum, foi necessário eu sentir a dor da perda para saber que você foi e sempre será a pessoa que mais significa para mim. Eu te amo, com todas as minhas forças.
Eu ainda não aprendi tudo sobre todas as coisas mas o Mikael está sendo um ótimo professor, e tia Dalva mesmo não querendo ser minha terapeuta ela foi mais do que isso, eu vou descobrir coisas incríveis ainda mãe, e prometo vir aqui sempre, e trazer uma carta contando cada uma das minhas descobertas, sinto muito muito sua falta, você não faz ideia, eu ainda sonho com você no meu futuro casamento com Mikael segurando meu braço e sorrindo com aquele riso extenso e feliz que só você tinha, e imagino como seria você com meu filhote, eu te amo muito, obrigado por tudo, por cada coisinha, obrigado por ter sido a primeira a tentar me mostrar o que era o amor, hoje eu sei o que é, te amo...

Com amor, Apollo."

Fim.

Com Amor, ApolloOnde histórias criam vida. Descubra agora