Quatro - Desculpas?

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A cadeira do pronto socorro não era nada reconfortante, foi ali que vi o anuncio do consultório de psicologia não achei que fosse necessário. Ignorei, mas lembrei de minha tia, que é psicóloga, e questionei se eu precisava de um conselho dela.



- Não está quebrado Sargento. - disse o doutor enquanto analisava - O que houve?



- Tentativa de assalto...



- Estava armado?



- Não, ele não estava.



- Não, o senhor Sargento... Estava armado?



- Não - falei dando os ombros - Se eu estivesse descia bala neles.



- Nem sempre é o melhor caminho, as vezes levar um soco é melhor.



O medico deu os ombros.


O meu desconforto era tamanho no dia seguinte. O setor do trabalho me olhava, agora eu era o Sargento frouxo que não dava conta dos próprios assaltantes, merda de reputação, então ampliei a história, o assalto não havia sido contra mim e sim contra uma moça e eu a salvei, mas Mikael sabia que aquilo era mentira, pude ver seus olhares frios enquanto eu era tratado bem e com preocupação por alguns colegas de trabalho. O herói por ter ajudado uma moça dos perigos da cidade, um homem corajoso, forte, viril, destemido, o Sargento! Exceto pelo verdadeiro fato: ter levado soco de um bicha.


Dado momento um dia depois de tudo no horário do café tive de separar uns arquivos. Nem tudo por aqui tá relacionado a incêndios e incidentes, claro que tinha algumas ocorrências, mas também havia responsabilidades internas, Carol pediu para que eu ficasse até mais tarde e separasse algumas fichas dentro do escritório, alguns policiais transitam pelo ambiente, e isso me fazia pensar que eu devia ter me tornado policial, parecia um trabalho mais agitado, mas ser policial ia contra o princípio que fez tornar um bombeiro em honra a minha falecida mãe.



- Meninos, vão almoçar. - disse Capitã Carol



Só então me dei conta que Mikael estava lá em uma mesa fazendo anotações. Eu a olhei e disse que já estava indo. E de fato já estava, Carol se retirou, ficou meio segundo num tremendo silêncio, eu observava hora ou outra os policiais através da janela da sala, acho que algo deva ter acontecido para estarem andando pelo estabelecimento, ou eu estava desfocado o suficiente para nãos querer fazer aquilo.



- Um assalto hein? - disse Mikael se levantando de sua mesa rumo a minha com algumas folhas e pastas. Eu apenas ergui o olhar a ele.



Em seguida ele colocou as folhas de papel na mesa da Carol. Eu separava as minhas folhas cuidadosamente, odiava fazer aquilo, mas sempre fazia com calma. Eu ergui o olhar a ele, não dei direito algum que ele falasse comigo.



- Escuta... - continuou e foi até sua mesa depois voltou com algo em mãos que ignorei olhar - Eu notei que você gosta de usar post it para separar arquivos...



Mikael escorregou na mesa uma caixinha de Post it, com um leve riso espreitando nos cantos dos lábios.



- Serio, não quero brigas. É... Uma bandeira de paz certo? - Continuou



Ele estava com medo de mim, de certo estava, percebi ele me evitar nos últimos dias de um modo grotesco, mas pensei que fora pelo ocorrido. No fundo, eu sentia um conforto enorme por seu medo, e agora que eu conseguia ver eu sabia que ele temia que eu fizesse algo com ele, também sei que eu estava quieto, mas no fundo planejava o que eu poderia fazer contra ele, espancar ele na rua após o trabalho foi algo que passou em minha mente nos dias anteriores, mas agora? Tudo foi por terra, isso por que se eu o batesse ele ainda poderia me denunciar e dizer que eu era o errado da história, mas talvez eu pudesse chamar alguns rapazes para dar uma dura nele.



- Notei que você usa mais o verde, laranja e o rosa vibrante. Então comprei nessas cores. Verde para lembrar, Laranja para rever, e Rosa para pendências. - acrescentou abrindo a caixinha de post it



Devo admitir eu estava boquiaberto. Ninguém nunca notou, aquilo de certo modo me deixou envergonhado, a gentileza ou detalhe de sua gentileza. Ninguém reparava em mim, eu o olhei o encarando seriamente, estava puto por dentro. Empurrei o presente na mesa em sua direção.



- Não, obrigado. - Eu ainda queria ser ruim com ele.



- Qual foi, aceita ou... Vou contar quem foi o ladrão que te acertou - cochichou



Eu o olhei feio e ele tentou disfarçar o inconveniente.



- Eu so... Não quero brigas - disse ele - e é meu pedido de desculpas. Então se não quiser pode jogar fora, pelo menos eu tentei.



Em seguida deu as costas e se retirou da sala. Eu peguei o post it e joguei no meu armário do vestiário na hora de ir embora, foi a pior coisa que fiz, nos dias que se seguiram todas as vezes que eu abria a merda do armário dava de cara com o "presente de paz", aquela lembrança caótica de gentileza de um viado de merda.



E aquilo foi crescendo, um certo amargor, sem saber o motivo aparente eu queria odiar Mikael mas não conseguia odiar, por que toda vez olhava para a merda dos post it, até que comecei a usá-los e a cada um que eu usava eu pensava numa maneira diferente de matá-lo, parece horrível, mas ele me incomodava tanto que no final eu nem sabia a razão do incomodo eu só queria punir ele, por ele ser viado, por ele ser gentil, por ele ser ele, por eu ter o beijado. Tudo me irritava, pensei em mudar de equipe, mas eu sabia que isso não seria levado adiante afinal eu teria de ter um motivo plausível. Pensei em chamar os homens da academia que eu frequentava, creio que aceitariam bater em Mikael, assim ele nem saberia que era eu e tudo ficaria em seu devido lugar, mas isso foi apenas pensamentos, nada além, eu não fui capaz de fazer nada.

Com Amor, ApolloOnde histórias criam vida. Descubra agora