Dois - Ousadia

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Eu vou direto ao ponto. Múltiplas coisas aconteciam, em casa e no trabalho, coisas do meu noivado com Anna, coisas do trabalho, Nael era a coisa mais insignificante da minha vida, mas foi depois desse seguinte ocorrido que as coisas começaram a mudar:



Anna e eu não morávamos juntos, mas as vezes parecia que sim, vivíamos juntos em nossas casas eu na dela, ou ela na minha. E naquele dia recebemos o irmão mais novo dela. Lucio era um garoto pequeno, ela perguntou se podia traze-lo. Não vi problema já havia o visto e conhecia a família toda dela.


A minha única aquisição com Anna Clara fora um Chiuaua, que não era meu era mais dela, eu que dei a ela de presente, e devo admitir que ele foi o grande causador de nossa briga. O cão estava se atentando em perseguir Lúcio pela manhã, eu tinha levantado com um tremendo mau humor, fui na cozinha enquanto Anna preparava o café, chequei se havia pão para todos nós e sim, não eram frescos mas dava para consumir.


Peguei um copo de água após dar a ela um beijo de bom dia e caminhei para sala onde Lucio corria e o cão atrás, não gostava muito de crianças, não tinha a devida paciência, embora meu breve sonho seja ser pai. Dado momento enquanto eu tentava assistir o jornal, Lúcio deu um berro brincalhão um grito agudo e fino. Ele parecia uma borboleta, todo despirocado, era um pequeno "Nael". É que acontece com criança sem um pai, uma presença masculina. A gente reconhece quando uma criança da alertas do que será no futuro se não houver repreensão, todo homem no fundo sabe.



- Ei garoto. Pare de gritar feito uma mariquinha e se comporte feito homem!



- Qual foi Apollo? Não fala assim com ele, ele só tem doze anos. - Ela falou da cozinha



- Se ele tivesse um pai não seria uma...



- Uma? - ela caminhou da cozinha a sala.



O garoto ficou me encarando com olhos murchos, eu a olhei e a ignorei, ela estava parada em minha frente de cara feia, e a palavra "mariquinha" estava parada na ponta da língua, mas eu seria errado em dizer, sempre é assim, atualmente dizer o que pensa é crime.



- Fala? - disse ela prendendo o cabelo de modo hostil.



- Da licença - pedi para que ela saísse da frente da televisão.



- Lúcio vá pegar suas coisas, vamos embora! - disse ela pegando o cachorro Bidú no colo.



Lúcio correu para o quarto.



- Como você é ridículo - disse ela parando em minha frente com uma das mãos na cintura. Esquivei a cabeça olhando para a televisão e ela pegou o controle e desligou - E ainda diz que quer ser pai? Pai?



- Qual foi Anna, porra seu irmão é tão mimado que parece que vocês criam uma garota. Caralho, vocês são três mulheres educando um menino feito uma mulherzinha. Ele usa pijama de dinossauro com arco iris... Se um dia eu for pai meu filho não vai usar isso.



- Espero que você nunca seja - disse irritada - Ele é uma criança. Pelo amor de Deus Apollo... UMA CRIANÇA. - ela hesitou, mas em seguida se voltou contra mim - Eu não sei como consegui ficar 3 anos do seu lado. Serio, eu amo você, mas esse seu lado machão me da nos nervos.



- Foi por ele que você se apaixonou.



- A onde eu estava com a cabeça? - Anna disse irritada. - Casar com você é um erro, todos os dias você me prova isso.


- Anna, desculpa eu... - Anna me deu as costas.



Fiquei parado olhando para a televisão desligada. Eu não estava errado, nem arrependido, só pedi desculpas para que ela parasse com aquele drama todo, eu estava certo, Lúcio era uma criança criada por mulheres, não tinha uma referência masculina. Eu tentei levar o garoto para o futebol, jogar jogos mais brutos, até mesmo falar de meninas mas ele era um molenga. Esse menino na escola deve apanhar de caras como eu, claro na época do colegial eu odiava os colegas viados. Não era a primeira vez que eu a Anna nos desentendíamos daquela forma por minha causa, por conta dos meus comportamentos, inclusive já brigamos por eu ter chamado um colega dela de mariquinha, mas ela voltava, ela me perdoava, eu era o homem dela, fazia de tudo por ela, e ela sábia que no fundo eu era o líder do bando. Anna minutos depois passou com Bidú na coleira, seu irmão e mochilas saindo do apartamento, e eu nem insisti para que ela ficasse, não falei nada.


...



No corpo de bombeiros estava rolando uma pequena comemoração, uma pausa, em relação as arrecadações e doações, quando batizamos a meta em cestas básicas doadas para famílias carentes comemorávamos isso com um café da manhã especial, eu levei alguns salgados, e cada um levou algo para o café. Peguei um pequeno doce de brigadeiro na mesa enquanto analisava o que mais havia ali.



- Oi, poderia pegar um para mim?



Ergui a cabeça devagar olhando quem me proferia a voz, eu reconhecia aquela voz levemente rouca e forte, era Nael, confesso que eu apostava que ele tivesse a voz mais feminina, mas não, ele além de viado tinha voz de homem, homem mesmo, mas não mais grossa que a minha. Eu sabia o por que ele pediu, ele pediu na frente de todo mundo para me constranger, pois sabia que eu não podia negar, eu seria mal visto, o corpo de bombeiros inteiro estava no refeitório.


O olhei com desdenho, esperei um pouco até a atenção mudar de foco, não queria que ficassem me olhando então dei um leve sorrisinho a Nael e concordei coma cabeça que lhe entregaria o seu pedido. Não dei direito algum a ele para que falasse comigo, nenhuma intimidade sequer, mas peguei um dos docinhos recheados, caminhei até ele e sem que ninguém percebesse, enquanto Caio e Bruno riam de minha cara, ao invés de lhe entregar o bolinho em sua mão deixei cair de modo proposital. Deu para ouvir Caio e Bruno fazerem "Uuuh" em unissono e os risinhos.



- Por que você não pega do chão? - falei de modo arisco.



- Apollo? - sussurrou ele.



Olhei a minha volta me certificando que ninguém estava me olhando fazer feio.



- Que foi? Desacostumou de como é ficar de quatro? - balbuciei.



Em seguida uma mulher se aproximou da mesa e de nós ao mesmo tempo. Tentei disfarçar mas peguei dois docinhos



- Os de brigadeiros né? - falei mudando totalmente de personagem - Aqui está.



Estendi a mão a ele entregando o brigadeiro em seus dedos finos e delicados. A desconhecida me olhou com um sorriso, e eu acenei positivamente com a cabeça. Mikael pegou os brigadeiros de cabeça baixa, ele estava tentado disfarçar os olhos constrangidos da humilhação. Dei um risinho e me distanciei, me aproximei de Bruno.



- Flertando com o boiola? - perguntou rindo.



- Eu não. - Falei



Bruno cutucou Caio com o cotovelo.



- Aí Caio, Apollo está querendo comer um outro doce... Uma rosquinha de pelos.



Caio riu. Eu ri da zoação. E esse era o motivo do qual eu não queria que Mikael me dirigisse a palavra, não novamente. Me certifiquei e Mikael havia sumido da sala. Logo retornamos para o pátio de onde estava os veículos do corpo de bombeiros e Mikael estava lá, sentado atrás da ambulância.



- Por que voltou antes de acabar o café? - perguntou Capitã Carol ao Mikael quando nós aproximamos.



- Estava enjoado. - sussurrou sem erguer o olhar sabendo que eu o encarava feio.



Carol esticou a prancheta para Mikael, em seguida mirou para mim.



- Apollo ajuda ele a terminar de preencher essa prancheta, você ajudou nas cestas básicas vai saber o número exatos entregues.



Naquele momento ele me ergueu o olhar de modo melindrado e eu o encarei com um sínico olhar doce e me sentando ao seu lado, onde o ajudei sem muita intimidade. Trabalho é trabalho, rivalidade a parte. Ele mal abriu a boca para falar, nem sequer me olhava, ele soltava grunidos: uhum, hm, tá e mesmo esses grunhidos quase não saiam de tão baixo. Ele estava suando frio com minha presença. Eu estava gostando daquele medo que ele sentia, ótimo pois assim iria me respeitar.

Com Amor, ApolloOnde histórias criam vida. Descubra agora