Namoro de mentirinha

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Frank narrando

Eu realmente havia me metido na maior enrascada da minha vida. Para a maioria das pessoas, essa frase pode dar a entender que eu me envolvi com máfia ou tráfico, ou qualquer gangue que seja mais perigosa do que aparente. Mas não, não é esse o meu caso. Minha encrenca é ser um maldito apaixonado. Me apaixonei por uma garota, e cometi o erro de realmente querer muito a felicidade dela – ao ponto de sequer considerar minha integridade emocional ao mínimo que fosse.

Essa garota se chama Hazel Levesque. Tem olhos dourados, pele preta, cabelos cacheados cor de canela, muito alegre, cheia de vida, com um sorriso de simplesmente roubar o fôlego de qualquer um, grande amante dos cavalos e das artes plásticas, uma figura totalmente inesquecível e maravilhosa.
Há pouco tempo, seu namorado, Sammy Valdez, havia terminado o namoro com ela. Não entendo como e nem o porquê de ele ter feito uma burrada assim, mas continuando, esse término a afetou muito. Ela ficou extremamente triste. Eu sou amigo dela desde meus 11 ou 12 anos, e sempre acompanhei aquela saga amorosa – com muita dor no peito, posso dizer,  mas pelo menos eu tinha a amizade dela. Então, ela teve uma ideia, e precisava da minha ajuda para colocá-la em prática: causar ciúmes em Sam para provar que ele ainda a amava. Seu olhar de súplica e a tristeza que eu vi nela me impediram completamente de negar. Então, combinamos nossa "trajetória romântica": Hazel, muito triste de ter terminado, pediu ajuda ao melhor amigo para superar a dor, e em pouco tempo, um novo sentimento cresceu e os pombinhos se uniram. Combinamos também sobre algumas mentiras, como o nosso primeiro beijo, nosso primeiro encontro, etc. Tudo checado, repassado e decorado. Então, alguns dias depois, começamos a aparecer de mãos dadas, abraçados, beijando a bochecha ou a testa um do outro (na verdade, Hazel me beijava na bochecha e eu em sua testa, pois eu sou alto demais para ela alcançar meu rosto direito). O namoro falso ficou bastante convincente. Talvez até demais. Nossos amigos não paravam de brincar sobre como nosso casamento ocorreria, as garotas se escalavam para madrinhas, como iriam ser os filhos, sem contar o resto da escola cochichando e até criando boatos de que Sammy havia sido corno. Hazel pediu ainda que eu lhe desse algo, um presentinho qualquer, para ela sempre poder comentar sobre quando perguntassem. Então, dei a ela uma correntinha prateada com um ing iang.
Apesar de toda essa história da farsa, nossa amizade permaneceu. Ela aparecia na minha casa com o pretexto popular de que iria namorar, mas na verdade passávamos as tardes assistindo filmes, séries e principalmente, desenhos animados no meu quarto, fuçando o Instagram do pessoal e postando stories da nossa "tarde de namoro". Mas, claro, nem todo mundo iria cair nessa de que, do nada, a garota mais linda da escola aparecer namorando o fracassado. Ainda bem, não foi nenhum aluno ou funcionário da escola. Foi minha avó. Ela simplesmente me perguntou se eu estaria pronto para o momento onde aquilo iria acabar. Logo depois complementou que havia notado a farsa, por me conhecer o suficiente. Depois, percebeu que isso não havia passado pela minha mente, e negou com a cabeça.

– é ainda mais tolo do que eu imaginava. Pense nisso, eu não vou ficar aqui ouvindo você chorar suas pitangas pra mim não, garoto.

Passei alguns dias pensando. Imaginei que seria melhor focar nos meus passatempos e ficar um pouco sozinho assim que Hazel e Sammy voltassem. Praticar exercícios de respiração, focar na academia, nos estudos, na arquearia, nas minhas leituras, no abrigo para cães onde eu era voluntário, qualquer coisa que me mantivesse longe o suficiente da dor para poder lidar com ela.

Mas esse dia começou a demorar. E demorar muito. Cada vez mais, Hazel parecia pegar intimidade comigo, e cada vez menos, ela mencionava Sammy nas nossas conversas ou em qualquer outro aspecto. Os dias foram passando, junto com as semanas e, para minha surpresa, os meses. Nossos amigos cobraram um beijo nosso, e apesar de eu conseguir desviar nas primeiras vezes, eles ficaram um pouco desconfiados, e Hazel se alarmou. Ela me mandou mensagem, dizendo que viria naquela tarde, mas que hoje seria diferente, falando sério. Quando chegou, disse que precisávamos praticar nossos beijos, caso contrário, seríamos descobertos. Eu não havia perdido o BV ainda, então fiquei extremamente nervoso com a ideia, além de, é claro, suspeitar que seria muito pior manter a mente longe quando precisasse esquecer meus sentimentos por ela caso eu a beijasse. Mas não teve muito jeito, então pedi que ela tivesse a iniciativa, pois eu fiquei muito nervoso para tal. Foi muito melhor do que eu imaginei. Pensei que não passaria de um selinho, mas Hazel rapidamente segurou em minha nuca e pediu passagem com a língua. Cedi, meio sem jeito, mas aos poucos fui relaxando e aproveitando. Ficamos algumas horas aos amassos, quando infelizmente o alarme indicando o fim da tarde no celular de Hazel tocou, e ela teve que voltar para casa. O clima entre nós não ficou estranho, ao contrário do que eu imaginei. Demos o tal do beijo que nossos amigos tanto cobraram, e demos fim a desconfiança deles. Nosso falso namoro continuou, agora com beijos na boca também. Mas, pouco a pouco, algo começou a sufocar em mim; o fim estava cada vez mais próximo. Mais cedo ou mais tarde, Sam iria voltar para Hazel. Às vezes, eu chorava antes de dormir pensando nisso, e foi mais ou menos aí que eu percebi a enrascada em que havia me metido. Mesmo assim, era tarde pra voltar, e eu teria que sobreviver à isso de um jeito ou de outro.
O próximo passo da trama aconteceu enquanto eu olhava o Instagram. A conta de Sammy apareceu, e na publicação, ele abraçava uma garota, de uma forma... bastante íntima. Eu pisquei, confuso. Olhei os stories, e ele mencionava neles que aquela era sua nova namorada. Arregalei os olhos, criando milhares de teorias sobre o que iria acontecer agora. Eu pensei que Hazel viria até mim chorando e me culparia por tê-lo perdido, pensei que faria o mesmo, mas sem chorar, pensei que talvez Sammy estivesse fazendo o mesmo que Hazel e apenas apelando pro ciúme, ou que estava tentando se convencer que não sentia mais nada por ela com outra menina, qualquer coisa.
De qualquer modo, Hazel não mudou seus hábitos comigo. A farsa continuou. E ela continuava se soltando quando ficávamos a sós. Em pouco tempo, ela acrescentou beijos nas nossas tardes juntos, e se acostumou e deitar a cabeça no meu peito ou pescoço, me abraçando, além de frequentemente roubar meus moletons e demorar para devolver. Isso estava começando a cheirar a relacionamento sério e verdadeiro, mas eu permaneci em negação, teorizando tudo que era possível para não aceitar que estávamos namorando de fato e no fim, perceber que eu tinha interpretado tudo errado.
E, se antes de isso tudo começar eu já era inseguro, com isso tudo, piorou muito. Eu ficava me diminuindo o quanto era possível e impossível para me convencer de que Hazel não se atrairia por mim de jeito nenhum, me martirizava por cada suspiro apaixonado e jurava pra mim mesmo de que beijava mal pra caralho.
As coisas complicaram um pouco mais meu estado de negação no dia em que Hazel deixou um caderno de desenhos na minha casa sem querer. Relutei muito entre deixar quieto ou olhar os desenhos. Eu sabia que era algo pessoal, mas eu adorava os desenhos dela e principalmente, queria ver se ela havia me desenhado ultimamente. Quer dizer, ok, ela provavelmente já tinha enjoado da minha cara 3 por 4 aquela altura, mas no fundo, eu queria ver pelo menos um deseinho meu.
Eu estava esperando no máximo um desenho, com extrema sorte 2, mas o caderno todo estava LOTADO de desenhos de mim. Em diferentes ângulos, posições, expressões, situações, lugares. Alguns desenhos eram apenas esboços dos meus olhos, do meu sorriso ou da minha cara, outros eram desenhos completos e pintados, como o que me deu mais vergonha, em que Hazel me retratou sem camisa – com um pouco de exagero ao destacar meus músculos, eu devo dizer. Outro que me deixou extremamente corado foi um em que eu sorria, com o rosto levemente vermelho e os lábios um pouco inchados e úmidos, deitado na minha cama logo após uma das nossas seções de amassos. Eu simplesmente não conseguia processar por quê ela tinha um caderno especificamente para desenhos meus, e muito menos por quê haviam tantos desenhos comprometedores. Decidi apenas fingir que não havia visto nada e devolvi o caderno à ela no dia seguinte, em que ela o agarrou aliviada.

Coloquei na cabeça que não deveria mais pensar sobre nada disso, pois ela iria sim voltar com Sammy e quando isso acontecesse, eu estaria pronto para me afastar e recuperar. Mas, na mesma semana, Hazel me ligou e pediu que eu fosse até ela. Ela estava chorando na ligação e isso me preocupou em pencas. Quando cheguei lá, perguntei o que havia acontecido, e ela apenas me disse que não queria falar sobre isso agora e pediu para trancar a porta e abraçá-la um pouco. Passei um tempo indeterminado deitado na cama dela, a abraçando e fazendo-lhe um cafuné. Hazel se acalmou e deu uma fungada no meu pescoço antes de começar a falar.

H:- no começo, esse plano parecia perfeito. Sam ainda gostava de mim quando acabou, eu podia ver. Então pensei que um pouco de ciúmes faria ele voltar e me pedir para reconsiderá-lo. Então no início, foquei totalmente nas reações dele enquanto ficava com você. Mas depois de uns dias, eu meio que esqueci o objetivo, porque sentia aquele tempo contigo me fazendo bem, me fazendo esquecer Sammy. Era divertido, era leve, era solto e era bom. Daí, quando tudo foi aprofundando, parecia que ficar com você estava ainda mais gostoso do que antes. E eu não notei o quanto estava sendo fácil superar algo que eu queria recuperar com tudo isso. Hoje, Nico, que era o único da minha parte que sabia da farsa, me mostrou uma foto do Sam com aquela nova namorada e disse que eu tinha que me dar uma última chance se eu queria ele de volta. E eu até pensei em ir atrás dele, mas aí eu lembrei de tudo o que a gente passou, e me imaginei perdendo tudo isso e comecei a chorar sem parar, igual uma besta, até lembrar que não precisava jogar tudo isso fora sendo que eu nem ligava mais pro Sam. Depois disso, eu lembrei de duas coisas: o dia do término e um encontro umas semanas atrás. Quando Sam terminou comigo, ele disse "tem alguém entre a gente, e esse alguém tem um acesso a você que eu não vou conseguir. Você precisa continuar, não adianta insistir em mim se eu sou seu erro". Na hora eu não entendi nada, só me desesperei porque estava tendo meu primeiro término. E o encontro umas semanas atrás foi com minha mãe. Ela me deixou com meu pai quando eu era pequena e só aparece em momentos importantes. Ela joga tarô, então normalmente prevê esses acontecimentos. Ela veio até mim, sorridente, e colocou uma caixinha na minha mão, me dizendo "isso é para comemorar a sua vitória. Daqui para frente, os verdadeiros bons frutos virão das mais belas flores". Eu também não entendi, mas hoje eu percebi que os dois viram muito antes de mim a verdade: eu te amo, Frank. Eu te amo muito, e não é de hoje.

Ela pegou uma caixinha, que eu supus ser a mesma que sua mãe lhe dera. Dentro, haviam dois anéis dourados no formato de uma coroa de louros, um mais largo e outro mais estreito. Hazel apanhou o mais largo e o colocou em meu anelar, beijando-o em seguida. Repeti seu gesto e tirei alguns fios de cabelo da frente do seu rosto, lhe dando um beijo, que me foi retribuído com gosto. Nenhum de nós conseguiu parar de sorrir naquela hora, muito menos se soltar, mas óbvio, eu tive que voltar para casa (sob uma despedida bastante melosa, admito).

Foi assim que a maior mentira da qual eu já participei virou a minha melhor verdade.

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