Conto 01: Realidades

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Escrito por: Line Ferreira, @Lineescritora no instagram

Revisado por: Eliza do Prado, @elizaescritora no instagram

Aviso de Gatilho: Menção ao luto; violência física; alcoolismo.

Classificação Indicativa: +12

A grande arena estava completamente cheia, pessoas de diversos lugares com o único intuito: se divertir. Pulavam animadas ao som da banda de pop rock que se apresentava, elas curtiam conforme as batidas ecoavam e as luzes coloridas piscando em toda a arena, acompanhando o ritmo animado das músicas.

Sorrisos eram vistos em vários rostos, em suas formas mais sutis até nos mais escancarados, causados pelo alto índice de bebidas ingeridas. Era como se todos estivessem felizes. Era isso que parecia.

Taciana era uma dessas pessoas sorridentes, dançava e cantava acompanhando o ritmo. Mas por mais que amasse a banda desde adolescente e tivesse reservado o ingresso no primeiro dia de lançamento — quatro meses atrás apenas para garantir sua vaga — agora já não estava realmente feliz.

Só estava presente no show pois seus amigos insistiram por horas para que ela saísse de casa que acabou cedendo, "você precisa", "vai ser bom" eles disseram inúmeras vezes antes de convencê-la a sair.

Mas, por mais que sorrisse e aparentasse estar curtindo o show, por dentro ela estava totalmente quebrada e vazia, e não sabia quando estaria inteira outra vez, se é que algum dia voltaria a ser assim.

A morte dos pais um mês atrás, em um acidente terrível de carro na volta de um casamento, a destruiu de todas as formas possíveis e impossíveis. Eles sempre foram tudo que ela tinha, e perdê-los dessa forma foi como uma facada no coração, mas com uma dor inúmeras vezes maior.

A nova batida indicou que outra música começava, e pela primeira vez na noite ela se permitiu - de verdade - esquecer das coisas por um momento, nem que para isso precisasse usar todo álcool possível. Mas a letra logo a deixou em lágrimas, lidar com suas dores era tão difícil, que às vezes pensava que só ela as tinha.

Mas Taciana estava errada, havia muito mais do que apenas sorrisos naquele lugar.

Havia raiva, como o moço à sua esquerda, nas sombras do capuz que usava, escondendo as marcas roxas no rosto deixada por uma garrafa jogada pelo pai na última noite. Seu pai sempre foi um homem bom, mas isso mudou no dia que sua mãe fugiu e abandonou os dois, fazendo seu pai se entregar ao álcool e virar um alcoólatra descontrolado e violento. Ele sentia raiva, da sua mãe por tê-lo deixado, do seu pai por ter virado esse monstro e até de si mesmo por continuar insistindo em ajudar o pai depois de tudo.

Havia insegurança, como o outro moço à sua frente, usando roupas largas e compridas que escondiam o próprio corpo, aquele que por anos foi alvo de bullying durante a escola, e que deixou marcas tão profundas, que ver seu corpo agora causa tanta dor e medo.

E culpa, como o homem à sua direita, com uma longa cicatriz no rosto, que ouvia com lágrimas a música favorita do melhor amigo de infância que partiu durante um conflito civil que atuavam como defensores da paz e liberdade, cinco meses atrás. Eles estariam juntos nesse show — como combinaram quando saíram para defender seu país — se o conflito não tivesse acontecido, e se os primeiros socorros tivessem agido logo antes de Fael partir. Ele ainda se lembrava daquele maldito o tempo todo, se culpando por não ter conseguido levar o amigo até outro lugar. Ele o deixou.

Taciana e todos eles tinham algo em comum, todos enfrentavam seus próprios demônios interiores, em suas próprias realidades. Cada um lidava de uma forma, às vezes as outras pessoas não conseguiam ver o que eles passavam, mas os seus demônios estavam lá, profundos e sofridos, embaraçados na mente e alma deles, causando todas as piores sensações possíveis.

A última nota musical tocou, e assim como a música, o show chegava ao fim. Após os agradecimentos, as luzes se apagaram, e cada um continuaria a lutar contra seus próprios demônios. E quem sabe, talvez um dia pudesse superá-los.

Conto inspirado na música: Demons - Imagine Dragons

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