Conto 09: Hazard

38 3 3
                                    

Escrito por: Isabelly Silva, @isabellymms no Instagram

Revisado por: Gabriella Ferreira, @intrografando no Instagram

Aviso de Gatilho: Violência

Classificação Indicativa: +16

Mary. Esse é o nome da única pessoa que olhou para mim sem me julgar, ou sem virar a cara com desgosto. Ela não me conhecia, e nunca tinha me visto naquela cidade, mas seu sorriso me disse que eu poderia me aproximar e falar com ela — mesmo que eu nunca tivesse feito isso antes.

— Você é Zack? — perguntou ela, o sorriso ainda estava em seu rosto.

Foi difícil não gaguejar, meu olhar se alternava entre a expressão feliz e a fenda no meio da blusa que ela usava.

— Sou. Mary, não é?

Assim como ela, eu também sabia o nome correto, mas não quis passar essa impressão.

— Mary Fields, isso mesmo.

O sobrenome me fez querer fechar a cara. Eu conhecia a família dela, e não ficaria surpreso se eles torcessem o nariz caso soubessem que Mary estava falando comigo.

— Você é filha da Joanne? — prosseguiu ela, sem se preocupar com o fato de que estávamos no meio do corredor da escola, nós dois tínhamos acabado de sair da aula de física. — Vocês moram aqui há bastante tempo, pelo que disseram.

Pelo que disseram? Então, ela tinha perguntado sobre mim por aí? Isso me fez sorrir de novo.

— É. Ela se mudou pra cá quando eu tinha 7 anos, e desde então moro perto da prefeitura.

Dizer isso não é um grande indício de nada, afinal a cidade é tão pequena que todos os bairros convergem para o centro, para a enorme praça na frente da prefeitura, um prédio pequeno de dois andares. Mas Mary pareceu entender mesmo assim, e assentiu com entusiasmo.

— Ei, você quer andar perto do rio? É mais perto da sua casa!

Minhas palmas das mãos estavam suadas? Nossa, não tinha percebido. Quase não consegui me concentrar na pergunta de Mary, e demorei alguns segundos para responder.

— Eu quero — falei, tentando esconder a vontade de ofegar. Seria horrível se Mary começasse a rir do meu nervosismo. — Vamos depois da aula?

— Ah, depois da aula eu não posso, tenho atividades da escola. Que tal ao pôr do sol? É a minha hora preferida do dia.

Assenti, dessa vez precisei esconder as mãos atrás das costas.

— Combinado, então. Até lá.

— Boa aula, Zack!

Pude ver diversas pessoas me encarando quando ela seguiu para um lado do corredor e eu fui para o outro, como se não acreditassem que, depois de três anos no ensino médio, finalmente consegui abrir a boca para falar com alguém. Essas pessoas provavelmente não teriam problema em adivinhar que, antes do ensino médio, eu também não conversava com ninguém. Os olhares delas pareciam me acusar como se já soubessem de tudo.

Tentei ignorar, apesar das minhas mãos ainda estarem tremendo - por causa de Mary e por causa dos malditos olhares. Minha habilidade de me acalmar respirando fundo por cinco minutos não me falhou dessa vez, e quando a professora chegou na próxima aula, eu já tinha esquecido o incômodo no corredor e só conseguia pensar no encontro com Mary.

Durante o almoço, comi depressa e queimei a língua com a quentura do feijão. Nem isso foi capaz de me incomodar. Minha mente viajava entre opções de bermuda, de camisa, até mesmo qual chinelo eu usaria. A caminhada seria perto do rio, então no fim das contas, talvez eu não usasse nenhum não, não era uma possibilidade. Eu me arrumaria o melhor que pudesse.

Entre Palavras e AcordesOnde histórias criam vida. Descubra agora