Escrito por: Lisa Petrovskiy, @lisartistc no Instagram
Revisado por: Vivis Ribeiro, @vivisescreve no Instagram
Aviso de Gatilho: Tortura; violência.
Classificação Indicativa: +18
"Jovem de 18 anos foi socorrida às pressas no hospital Santa Lúcia, após ter sido violentada por quatro homens dentro de um ônibus. Eram 21h quando gritos de socorro-"
"Nos últimos dias, livrarias teriam fechado logo após falirem. O dono da livraria Leiturinha nos conta que é perceptível que os jovens não se interessam mais em ler-"
"Pedro e Lucas foram ao mercado comprar refrigerante para o almoço de família e nunca mais foram encontrados. A mãe dos meninos chora ao falar sobre seus filhos para a câmera e implora por ajuda. O que terá acontecido com os-"
Freya sentiu um frio na espinha, como se houvesse um fantasma andando atrás de si. Os garotos eram da sua cidade. Uma cidade pequena, por assim dizer, onde não é comum ocorrer crimes. Decidiu desligar a televisão, pois sua velha mãe sempre lhe disserá que sugar muita negatividade não faria bem à sua mente.
Onde o mundo vai parar, com tanta ruindade percorrendo as ruas, mulheres estupradas, homens brutalizados, crianças sumindo e livros aprisionados? Essa é a história sendo escrita?
Freya, dona de longos cabelos pretos capazes de lhe dar forças, conservava em seu peito o mais puro medo. O que será que seu futuro lhe reservava? Seria o tarot capaz de lhe responder essa pergunta? E se fosse, ela gostaria da resposta que receberia?
Resolveu energizar o ambiente em que morava. Começou borrifando água, sal grosso e alecrim em todos os cômodos, principalmente atrás das portas. Com as janelas abertas, os raios de sol batiam nas plantas, que também ajudavam a limpar o ar de sua casa.
Ultimamente Freya não vinha se sentindo muito bem. Estava cansada, impaciente e com excesso de irritabilidade. Julgava estar sobrecarregada energeticamente. Isso acabava bloqueando sua intuição e decisões, logo, ela não conseguia dormir, nem praticar seus rituais, o que só lhe deixava ainda mais angustiada.
Freya sempre acreditou ser extremamente importante saber quando estava carregada de energia negativa, pois naqueles momentos se deparava com oportunidades que tinham tudo para dar certo, mas, de alguma forma, não davam.
Por último, acendeu um incenso de arruda, para limpar todo o campo energético, afastar a inveja e mau olhado.
Ouviu duas batidas rápidas na porta, terminou de preparar o seu cantinho e foi correndo atender, pois também escutou berros do lado de fora.
— Pois não? — Freya perguntou, fixando o olhar na mulher à sua frente. Ela estava descabelada, tinha olheiras profundas, roupas amassadas e um papel em sua mão. Ficou evidente que se tratava da mãe dos garotos desaparecidos. Logo atrás dela, havia uma multidão segurando cartazes e gritando: "QUEIMEM A BRUXA!"
— Senhora, me perdoe o incômodo, mas, por acaso, você viu essa mulher em algum lugar? — a visitante perguntou, com o sotaque típico da cidade paulista, enxugando as lágrimas com as mãos.
Freya sentiu novamente todos os pelos de seu corpo arrepiarem e um frio na espinha lhe paralisou por completo. Achou estranho estar escrito no papel uma recompensa de 5.000 reais, sendo que nada foi mostrado no jornal daquele dia.
— Nunca vi essa mulher, desculpe não poder ajudar. — ela respondeu, sorrindo gentilmente. Tentou passar confiança, mas seus joelhos tremiam a cada grito que ouvia da rua. Em um dos cartazes da passeata, estava a foto da mesma mulher da folha, junto com os dizeres PROCURA-SE.
— Moça, meus filhos desapareceram. Alguns homens viram essa mulher praticando bruxaria antes deles sumirem. Se você encontrá-la, me ligue. — Sem perguntar, a caneta da mulher já desenhava números em sua palma da mão.
Freya concordou com um aceno de cabeça e sorriu, antes de fechar a porta. Arregalou os olhos quando lembrou que as janelas do seu quarto estavam abertas e correu para fechá-las, depois de certificar-se de que ninguém chegou a ver nada que a comprometesse.
Dizem que atualmente as bruxas conquistaram sua liberdade, mas estão muito enganados.
Uma das 10 regras da magia natural é: Farás tudo o que tens vontade, desde que não prejudiques ninguém. Colocar tudo de ruim nas costas das bruxas é a mais simples forma de voltar a inquisição.
Ainda era possível escutar os gritos de protesto da passeata.
"QUEIMEM A BRUXA!"
"NÃO VAMOS PERMITIR ISSO NUNCA MAIS!"
Em seu relógio, viu que faltavam 30 minutos para as 18 horas, o que denunciava o atraso da garota que já deveria estar indo atrás do metrô que a levaria para faculdade. Mas mesmo tendo metade da sua intuição prejudicada, sentiu que deveria ficar em casa, que dessa vez não tinha problema dela perder aula, o universo a compensaria.
Em seu relógio, viu que faltavam 30 minutos para as 18 horas e percebeu que já deveria estar a caminho do metrô que a levaria para a faculdade. Mesmo com metade da intuição prejudicada, ela sentiu que deveria ficar em casa. Achou que o universo a compensaria por perder aquela aula.
Freya fechou os olhos, deixou o cheiro de arruda entrar por suas narinas e se espalhar pelo corpo, dispersando o medo que lhe envolveu naquele dia. Passou as mãos pelos braços arrepiados e os ergueu para o alto, pondo-se a girar pelo quarto. Enquanto o vestido branco se levantava, embalado pelo movimento, ela começou a recitar: Este é um tempo que não é mais tempo.
— Ei, não é ela ali? — Um homem do meio da multidão gritou a pergunta, fazendo todos olharem para onde apontava.
"num lugar que não é um lugar"
— Peguem ela!
"num dia que não é um dia."
A mulher que voltava para casa carregando sacolas de mercado tentou explicar alguma coisa, sem saber o que estava acontecendo de fato. Muitas pessoas correram em sua direção e puxaram seus cabelos ondulados, enchendo-as de socos no rosto.
"Estou no meu limiar entre os mundos"
Agora, seus dentes já estavam todos no chão, engolia sangue e estava com a cabeça raspada. Em algum momento, sentiu um pedaço de pau contra as suas pernas, quebrando-as.
"frente ao véu dos mistérios."
— BRUXA! QUEIMEM A BRUXA!
"Que os Antigos me ajudem"
Um líquido com cheiro estranho banhou o corpo largado no chão, as roupas de cima estavam todas rasgadas, expondo os seus seios para mais da metade da cidade.
"e me protejam na minha viagem mágica."
— Pai, rogai por nós — Sem esperança, apenas suplicou para Aquele que a tiraria daquela situação tortuosa, mas foi abraçada pelo fogo e sentiu seus olhos derreterem. Enquanto gritava desesperada por perdão, por fosse lá o que tivesse feito, teve 100% do corpo carbonizado, embaixo dos olhares de todos que usufruíram da visão.
Freya chorou, girando nas pontas dos pés, sentindo seu corpo pesado e angustiado. Estava sentindo o que toda bruxa deveria ter parado de sentir desde a idade das trevas. Querendo ou não, o mundo foi feito para agradar Ela. Protejam a igreja, perdoem os pecados, condenem os feitiços, decidam quem vai morrer. Mas não se esqueçam: quem ordena a execução, não acende a fogueira.
"A dona de casa Alice Oliveira Ferreira foi morta brutalmente na rua e encontrada por seus filhos após um boato de seu envolvimento com bruxaria ter circulado pela cidade de São Paulo , atribuindo a ela o sumiço dos garotos Pedro e Lucas. Após ser queimada viva, no meio da rua, a ambulância foi chamada. Os garotos desaparecidos apareceram no dia seguinte, alegando ter fugido para fazer uma pegadinha com os pais. Os meninos estão bem..."
Conto inspirado em: Quem vai queimar - Pitty
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Entre Palavras e Acordes
Short StoryColetânea cheia de criatividade e melodia, com contos escritos por artistas incríveis e talentosos da Oficina Criativa.