Escrito por: Tamyres Nogueira, @tamyautora no Instagram
Aviso de Gatilho: Morte
Classificação Indicativa: +14
— Que merda foi aquela lá no palco , Ricardo ? — meu empresário, Marcos , se aproxima de mim depressa , levanto meus olhos do chão cinza sem graça do camarim e olho pra cara branca como papel dele salpicada de vermelho , principalmente nas orelhas e bochechas.
— Foi um pequeno erro , ok? Não vai acontecer de novo .
— Olha aqui : não há espaços pra erros como aquele! Você esqueceu a letra . Da sua própria música ! E ainda começou a chorar no meio do palco como um bebê.
Observo ele fazer gestos exagerados e reclamar sem parar do meu fatídico erro em meio a mais de cinquenta mil pessoas.
Minha mente lat a cada palavra que sai da boca dele .
Me levanto sem ligar mais para as reclamações dele .
— Ei ! Aonde tá indo? Você tem que voltar pro hotel pra descansar. Os shows em São Paulo vão durar até semana que vem ou também esqueceu disso ? — ele se põem a minha frente me impedindo de sair .
— Não , não me esqueci , Marcos. Eu só não ligo . Não no momento . Preciso ver ela . Eu não posso perder ela .
— Para com isso , ela não vai a lugar nenhum.
Olho bem pra ele , creio que de uma forma mais assustadora do que intimidadora, por que não preciso falar mais nada pra que ele saia da minha frente .
— Esteja aqui amanhã a tarde ! — grita ele . Não respondo e nem sinalizo que sim , apenas sigo em direção a saida , e após fazer o pedido permaneço a espera do uber .
Cantar é minha profissão e uma das minhas paixões mas ultimamente sem ela ao meu lado tudo parece sem cor e sem vida .
( ... )
Caminho devagar pela rua , sem me importar com os pingos de chuva que começaram a cair após o uber me deixar no meu destino .
Sento no banco de cimento e respiro fundo por alguns segundos , observo minhas mãos. Até chegar aqui rui todas as minhas unhas .
Levanto os olhos pro muro a minha frente.
A primeira pintura de rua dela . Inspirada nas obras de Van Gogh. Retrata a agitada avenida São Paulo com pétalas de girassol caindo no meio da rua e um por do sol laranja com rosa no fundo .
Sua assinatura bem no canto , Helena Tenório.
Cinco anos atrás se tornou Helena Tenório Romano .
Foi um casamento simples, mas eu e ela tínhamos em mente que o mais importante era o amor que tínhamos um pelo outro .
Sinto falta dela .
Sinto meu peito apertar e não tento controlar o choro que vem de forma abundante.
Eu perdi ela .
Ela ainda não me deixou mas
Vai deixar .
Levanto do banco e após um tempo de caminhada chego ao meu destino de fato .
A luz do local me cega a princípio mas logo me acostumo com a forte iluminação.
Venho falar com ela quase todos os dias.
Enquanto caminho até onde ela está observo as pinturas na parede.
" — Odeio esse lugar . Até as pinturas são tristes . "
Paro em frente a porta e a observo .
Eu a amo tanto e
Ela não está mais aqui e a culpa é minha .
Entro no local e ela não fala nada.
Me sento na frente dela e ela permanece calada .
Nossa historia passa como um filme na minha mente
Mesmo que ela não vá me ouvir eu começo a falar :
— Não consigo mais falar com você e nem com sua mãe . O telefone toca , toca, toca ... ela atende e fica em silêncio pois me culpa pelo que aconteceu contigo e eu concordo .Sinto tanta falta de você... me lembro como se fosse hoje o dia que eu te conheci... — seguro a mão dela , que não reluta e nem repudia meu toque. —
A primeira vez que nossas mãos se tocaram. Ainda posso ouvir sua voz perto do meu ouvido , no meio da noite quando eu ficava com insônia, cantando Exagerado do cazuza. Você canta tal mal , meu anjo . Eu nunca falei pra não te deixar triste .— a lágrima escore dos meus olhos de novo e eu limpo com a outra mão livre. — Eu te amo e obrigado por tudo . Voce me apoiou no meu pior momento, quando eu já tinha desistido de tudo ... Você não me salvou , ninguém poderia. Mas me ajudou a criar forças pra sair do fundo do poço em que eu me afogava por causa dos pensamentos incessantes. — Beijo a mão dela . Levanto os olhos e a observo de olhos fechados .
Estão fechados a meses desde a cirurgia .E no momento ela está dopada pra conseguir suportar a dor . O carro bateu contra um poste , mas ela que recebeu a maior quantidade de ferimentos .
Ela acordou duas semanas atrás , mas só vive dopada de remédios.
E hoje no meio do show quando recebi a ligação do hospital meu mundo caiu de vez : ela não vai se recuperar .
E só tem mais algumas horas de vida .
— Se não fosse aquela maldita batida ! — minha voz sai alta mas ao mesmo tempo entre cortada por causa dos soluços do choro . — Se eu não tivesse me distraído e não tivéssemos brigado por algo tão bobo quanto pra que lugar iríamos viajar.
— Você não está mais aqui e a culpa é minha — minha fala sai em um sussuro comparado ao volume alto dos bips da máquina conectada ao coração dela que disparam e em seguida diminuem ate não existir mais som nenhum .
Quando o último bip toca , algo dentro de mim morre junto
Observo seu rosto negro escuro tão cinza , os lábios rosados rachados e os cabelos cacheados presos em uma trança .
Sinto vontade de gritar mas minha voz não sai . Eu perdi minha musa , minha maior inspiração e minha companheira de vida e sinto todo o amor pela arte morrer junto ao amor da minha vida .
Conto inspirado em: Essa eu fiz pro nosso amor - Jão
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Entre Palavras e Acordes
Short StoryColetânea cheia de criatividade e melodia, com contos escritos por artistas incríveis e talentosos da Oficina Criativa.