Conto 11: Cherry

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Escrito por: May Santos, @may_escreve no Instagram

Revisado por: no Instagram

Aviso de Gatilho: Menção de uso de bebida alcoólica

Classificação Indicativa: +14

Ouço o sétimo toque e a mensagem da operadora confirmando que a chamada não será atendida. Não sei o que esperava acontecer quando resolvi ligar. Sendo sincera, nem sei direito o que estou pensando agora. O álcool já me roubou a consciência há um tempo. Não me importo com nada no momento, muito menos com a minha dignidade quando decido deixar um recado.

— Alô, Gabi? Sou eu, a Lana. Você ainda lembra? — torço com todas as minhas forças para que sim, para que não tenha escolhido me apagar de sua memória. Deito na cama me embrulhando com a coberta e tenho aquela sensação de proteção, como se o tecido pudesse impedir que algo de ruim aconteça ou que o frio que sinto na barriga me congele. — Eu não tenho certeza do motivo dessa ligação, não fazia ideia do que dizer, eu só liguei.

Respiro fundo tentando pensar com clareza no que dizer, olho para a parede verde limão do meu quarto e espero alguns segundos. As ondas dos meus cabelos estão presas em um coque horroroso e tenho certeza que quando acordar vou estar a cara do palhaço assassino por dormir maquiada.

— Me mostraram uma foto sua hoje, várias na verdade. Parece que isso me deu um leve empurrão pra uma recaída — um riso sem graça escapa de meus lábios. Não quero imaginar como será quando as lembranças da ligação me atingirem amanhã. — Confesso que não imaginava ser tão egoísta. Posso ver que você está no melhor momento da sua vida e eu estou odiando tudo isso. Talvez porque eu esteja no meu pior, talvez porque você está no seu melhor sem mim, eu não sei.

Estou confusa, meus pensamentos estão bagunçados, um nó se forma na minha garganta e praguejo por ser uma bêbada chorona. Aliás, quem me deixou beber? Pior ainda, me deixaram beber com um telefone na mão.

— Você foi embora. Você me deixou aqui sozinha, mesmo quando eu te apoiei em tudo. Mesmo quando eu dei o meu melhor. Quer saber? Vai pro inferno, Gabriela.

Desligo o telefone, jogando-o longe da cama. Fecho meus olhos sentindo minha cabeça girar e choro tudo o que há meses venho segurando.

🍒

Minha cabeça lateja novamente quando Ayla troca a música e um ritmo irritante e repetitivo começa a tocar. Não entendo o vício dela com aquela música, mas agradeceria se parasse. A lanchonete estava quase vazia por serem quase três da tarde, o que me dava a chance de ficar quieta atrás do balcão.

Infelizmente, a falta de movimento também dava brecha para algo pior que a ressaca: a vergonha. Já havia limpado as mesas, o chão, ajudado na cozinha, atendido os clientes e a única coisa que me restava fazer era me afundar em constrangimento a cada vez que lembrava da maldita ligação.

Tenho colocado a culpa na carência e na bebida desde que me dei conta do que fiz, mas eu sei que não foi só isso.

Quando Gabriela foi embora, eu não perdi apenas a minha namorada, eu perdi minha melhor amiga e o meu porto seguro. Sempre tivemos uma à outra em todas as situações, até ela viajar e decidir me deixar fora de tudo o que a envolvesse. Me ver sem ela foi um choque. Eu fiquei bem depois de um tempo, mas agora, com toda a pressão do que está acontecendo, o sentimento de ser abandonada voltou com tudo. Mesmo a apoiando na decisão de partir para vê-la feliz, acabei me sentindo dessa forma. Talvez eu realmente seja egoísta.

—Lana, já faz três minutos que eu tô te chamando. — A voz de Ayla me traz de volta da minha nuvem de lamentações e sinto o peso dos pensamentos se esvaindo — A perna do tio Mauro melhorou? — Ayla sempre foi próxima à minha família, principalmente ao meu pai. Desde que ele se machucou no trabalho, ela sempre se preocupa e visita meus pais com frequência.

Entre Palavras e AcordesOnde histórias criam vida. Descubra agora