Capitulo II - Tons de branco

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Os meus olhos contemplavam agora outra coisa, uma senhora de branco, o mesmo branco do teto. Parecia entusiasmada, talvez até admirada. Não conseguia ouvir nada. Reparei num homem que vestia uma bata também branca.

"Que casal tão fofo." pensei.

O homem inclinou-se e começou a abrir-me os olhos e a apontar uma luz.

"Será que é esta a luz que tenho de seguir?" questionava-me com um pouco de humor no pensamento.

Os meus ouvidos começaram então a captar alguns sons. No meio da conversa entre o casal percebi as palavras "doutor" e pouco depois a palavra "acordar". O tempo parou. Ao mesmo tempo que a minha cabeça se enchia de pensamentos, ela estava vazia. Dei sinal para os meus braços se mexerem mas eles não responderam; experimentei as pernas sem sucesso e nem mesmo o pescoço se movia um centímetro.

O pavor entrou. O que se tinha passado? O que aconteceu? Porque estou aqui? Embora todas estas perguntas tivessem a mesma resposta, nenhuma delas me foi respondida.

Os dias foram passando e os pensamentos desaparecendo, apenas conseguia ver e ouvir, era a única coisa que separava o "meu" mundo do mundo "deles".

O quarto era totalmente branco, com aparelhos maiores que o próprio doutor e com barulhos extremamente irritantes que faziam parecer o zumbido daqueles mosquitos que aparecem nas quentes noites de Verão. Sinceramente, não tinha sentido, nada disto.

A senhora de branco entrou, era bonita, tinha cabelos longos de um castanho escuro que contrastava com a sua indumentária, olhos verde jade e um corpo esbelto tal e qual um anjo da Victoria's Secret. Quando chegou ao meu quarto anunciou com voz doce:

_Parece que alguém tem visitas hoje. - sorriu.

A senhora de branco saiu e a porta fechou. Passado poucos segundos, essa mesma porta volta a abrir-se. Uma outra mulher aparece, vestida com um casaco preto de cabedal e umas calças de ganga. Porém, o que me chamou à atenção foi o lenço comprido, com fundo branco e com um motivo floral todo em tonalidades de azul, que trazia em volta do seu pescoço. Esse mesmo lenço aparecera na multidão que tinha vislumbrado antes de eu acordar.

_Olá. - disse a mulher, esboçando um leve sorriso

Enquanto falava, ia chegando-se mais perto de mim e até que estende a mão e a coloca sobre a minha. Um carinho enorme percorreu o meu corpo com o seu toque.

_Pensei que nunca mais irias acordar depois de... Tive medo de nunca mais te poder dizer obrigada. - o seu tom de voz muda repentinamente, e a voz falha-lhe - Abriste os olhos mas não tens qualquer reacção... os médicos disseram que não têm muitas esperanças que voltes a recuperar a mobilidade ou a consciência...

Notava-se que queria acabar de dizer algo mas foi interrompida pelo próprio choro.

O meu corpo, até aí preenchido pelo seu carinho, foi percorrido por um enorme calafrio. A razão? As palavras que ela tinha acabado de proferir, "nunca mais voltar a ter mobilidade ou reacção", mais uma vez as memórias que tinha antes de acordar voltaram à tona, os sorrisos, as conversas, o esforço para estar atento nas aulas, o correr para apanhar o último autocarro... O pensamento de nunca mais poder fazer tudo isto era assustador, destruidor, poderia mesmo dizer-se assassino. Apesar de toda a revolta, dor, medo e solidão que estava a sentir nesse momento, o único efeito exterior foi um mero espasmo ocular. Um raio de espasmo ocular. Senti-me preso, preso dentro do meu próprio corpo. No meio dos choros da mulher desconhecida e da morte da minha alma o único pensamento que me passava pela cabeça era simples:

-Matem-me. Alguém.







Fim do segundo capitulo.

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