Epilogo - A manhã que nunca chegou

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- Obrigado, volte sempre. - sorria o senhor atrás do balcão.

Passou-se um ano desde que sai do hospital. Muito mudou mas tudo ficou.

Carolina morreu no dia a seguir á operação. Não sei bem ainda o porque mas o que me disseram foi que ela não conseguiu suportar a cirurgia.

Comecei a ir á fisioterapia no hospital 2 vezes por semana e até me tornei amigo da enfermeira Joana que me acompanhou desde que acordei, e, pelo que sei, desde que dei entrada naquelas urgências.

O meu primeiro dia fora do hospital foi um pouco complicado. Chegar a uma casa vazia, escura e cheia de pó não é a coisa mais agradável, mas também o que poderia eu esperar? Uma festa de boas vindas dadas por aqueles que mais gosto? Cheia de abraços e sorrisos por me verem fora daquela cama? Todas essas pessoas morreram e eu tinha de me mentalizar disso.

Durante o ano que se passou eu fui descobrindo algumas coisas, principalmente uma que me andava a atormentar, eu ter sido atropelado ... A única pessoa que tive coragem de falar sobre isto foi com Joana, a enfermeira. Ela explicou-me que Carolina havia tentado qualquer coisa que tinha visto na Internet sobre mandar mensagens ao subconsciente de uma pessoa, mas que pessoalmente não acredita. Fiquei então na duvida porque a mensagem dizia cinco anos e não dois. Joana apenas teorizou que deveria ser sido uma má interpretação de mensagem, mas que não sabia nada ao certo sobre isso pois Carolina nunca tinha dado o estudo onde essa experiência tivera sido realizada. Também descobri por mim próprio que afinal eu era aluno de Biologia na universidade, e que tudo o que se passava normalmente no meu "sonho" eram passagens rotineiras da minha vida antes do incidente.

Mas hoje de manhã descobri a ultima peça ... o carro. Andava meio que a vaguear na minha própria casa quando na garagem encontro álbuns de fotos, alguns antigos, outros mais recentes. Folheando descobri varias coisas do meu passado que ainda estavam meias confusas na minha mente. A minha formatura na secundária, o meu baile de finalista, o meu primeiro dia na universidade,o meu grupo de amigos e uma foto dos meus pais e eu com um carro atrás ... um carro que supostamente seria meu quando fizesse a carta ... uma carro que os meus pais conseguiram com trabalho e suor para felicitar-me por ter entrado na universidade. Mas eu não tinha a carta ainda, então eu próprio disse para eles o usarem enquanto eu não podia. E foi nesse mesmo carro em que eles morreram. O carro que me atropelou no meu coma foi o carro onde os meus pais tinham falecido, um Toyota preto, usado, com um risco de lado, dai ter sido mais barato. Eu sonhava um dia poder conduzir aquele carro e puder andar por onde bem me apetece-se, mas agora não mais podia.

Por mais triste que eu pudesse ter ficado, não fiquei, pelo contrario, sorri. Sorri com todas as boas memorias que eu tinha passado, com as pessoas maravilhosas que tive o prazer de conhecer, e com o alivio de finalmente ter descoberto o sonho que tive no coma. Eu mudei muito após o incidente, a minha personalidade mudou, já não era tão sociável como era antes, já não alegre como era antes, já não tinha tanta vontade de viver como tinha antes ... odiava-me por isso. Mas agora sei que houve tempos onde não era assim, isso era o que me deixava mais feliz.

"Finalmente." - disse suspirando.

Seguro atualmente um saco de papel castanho escuro embebido em água, é de noite, e chove. Não trouxe guarda-chuva. Vou em direção a um dos meus sítios favoritos. Quando chego sento-me no banco mais ao fundo do parque. Daqui consigo ver as casas com a vida lá dentro, os baloiços a andarem com a gravidade, as flores alegres com a água, os carros a passar, a chuva a cair. Era um bom sitio, com uma boa vista, e um bom ambiente.

Embora o meu banco fosse o mais escondido e escuro possível alguém se senta ao meu lado, está todo de preto incluindo o capuz que lhe tapa o rosto.

Há uma troca de olhares.

Ele pergunta:

- O que fazes aqui?

- Preparar-me para me ir encontrar com que mais gosto. - respondo com o meu sorriso mais sincero.

- Espero que os encontres então.

Abro o meu saco e tomo o que nele lá estava.

Naquele banco, antes preenchido por duas pessoas, agora apenas era preenchido pela chuva, pela chuva e por um lenço caído, um lenço branco com flores de tons azuis.


----------------------- Fim -------------------------

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