Eu não conhecia a rapariga de lado nenhum mas ela já ia invadindo a minha casa como se a dela se tratasse. A rapariga era a felicidade e a pureza em pessoa, o sorriso dela conseguia encher aquela casa de uma alegria tal que os fantasmas que lá habitavam desde esta manhã tinham sido erradicados por ela. Além disso, tinha um sentido de olfato bem apurado pois o primeiro sítio onde se dirigiu foi à cozinha.
-Dá para mais um? - Comentou enquanto ia abrindo as panelas
-Talvez... - Respondi olhando estranhamente.
-Yey! - Respondeu ela toda animada - Eu ajudo a por a mesa. - Acrescentou
Embora a oferta dela tenha sido simpática e o mínimo, acabou por dar ainda mais , pois ela a perguntou-me onde estava cada peça de loiça.
Passado uma boa meia hora a mesa estava posta e o jantar a ser servido. Começamos a comer e nenhum falou. Ela parecia estar a gostar da comida, mas não tinha a certeza, visto que desde que a vi do lado de lá da porta que ela não tinha tirado aquele sorriso. Já eu era o contrário - os meus olhos eram profundos e sem emoção e a minha boca não passavam de lábios que só abriam para levar cada garfada à boca. Os olhos da rapariga por vezes encontravam-se com os meus, mas nada que incomodasse nenhum dos dois. Estávamos a jantar, eu e uma completa estranha que tinha invadido a minha casa e cujo o nome nem desconfiava, caso quisesse reportar o incidente à policia posteriormente.
-Chamo-me Mariana, prazer em conhecer-te! - Diz ela quebrando aquele silêncio de apenas garfos e facas.
Ela agora lê pensamentos?
-Quem és tu? - Perguntei ignorando qualquer etiqueta sendo quase rude.
-Mariana, acabei de te dizer. - Responde enquanto se ri um pouco.
-Referia-me ao que fazes aqui e como é que me conheces? - Insisti eu começando a perder a paciência.
-Como assim? Sou assim tão invisível? Sou tua vizinha. - Ri-se a rapariga
-Porque é que nunca te vi então?
-Eu costumo ficar em casa a tomar conta da minha irmã.- o sorriso dela abate-se ligeiramente - Os teus pais sempre foram muito simpáticos comigo e sempre me ajudaram bastante, desde que os meus morreram e fiquei sozinha com ela.
Lembrei-me das vezes que os meus pais saiam por cerca de meia hora durante a noite e diziam que iam ter com os vizinhos mas sempre pensei que fosse a senhora de 90 anos que mora ao fundo da rua. Afinal não era.
O jantar continuou, a rapariga ofereceu-se para , mas só se tivesse companhia, acabando assim por ficarmos os dois no lavatório da cozinha. Eu passava por água e ela ensaboava e, em pouco tempo, estava tudo limpo.
Continuamos a falar – melhor, ela continuou - não sei bem do quê, pois a meio apaguei. Apesar disso, não me importei de ela estar ali ... a casa não parecia tão vazia agora.
Mariana eventualmente foi embora, sem nunca deixar cair por terra aquele enorme sorriso. Com a ida dela, era tempo de eu ir para a cama e dormir.
Alguns dias se passaram e a rapariga voltou a aparecer, novamente de noite. Desta vez não entrou, apenas me disse para me vestir, pegar nas chaves e a acompanhar.
As ruas eram iluminadas por candeeiros grandes feitos de metal e sentia-se o vento frio, mas não muito, que fazia valer o casaco que tinha vestido.
Paramos em frente a um lugar de onde ouvia uma certa algazarra: risos, musica, gente a falar, e um vai e vem constante de pessoas à porta daquele edifício.
-Entramos? - Diz com o mesmo sorriso de sempre.
Encolhi os ombros como quem quer dizer como queiras. Ela assumiu como um sim e então juntamo-nos ao vai e vem.
Era um espaço bastante iluminado, era um café mas tinha um estilo chique confortável com um ótimo ambiente. Sentamo-nos a uma mesa e ela pediu para nós duas cervejas.
-Eu ainda não tenho 18 anos. - Disse meio envergonhado.
-Mas estás quase a fazê-los. - Disse rindo-se.
Estava relutante mas no fim aceitei.
-Porque me trouxeste aqui? - Perguntei tentando fazer conversa.
-Gosto do ambiente, e sinto que te podia fazer bem estar num sítio assim. - Respondeu sem nunca tirar o sorriso.
Fiquei um pouco embaraçado, contudo bastante feliz. Havia alguém que se preocupava comigo mesmo à minha frente.
-Mas podes sair assim? Não é um bocado tarde?
-Não te preocupes a minha irmã ficou em casa a ler um livro e em seguida ela vai para a cama. Ela não é nenhuma aleijada por mais que as pessoas pensem o contrario. Não te preocupes, ela tem melhorado nestes últimos tempos.
A empregada chegou com as bebidas, vestia um avental com uma placa colocada no lado superior direito com o nome escrito - Margarida. Pousou as bebidas e deixou-nos. A Mariana parecia conhecê-la pelo olá que tinha dito mais cedo.
A noite continuou, a bebida nunca mais acabava, pois as nossas bocas estava demasiado ocupadas a falar. Conversa fiada ou até mesmo conversas fechadas, consegui perceber que ela conhecia mesmo a empregada que, afinal, era a dona do estabelecimento.
A certa altura a música do café muda, e num sobressalto a Mariana levanta-se, pega na minha mão e diz:
-Adoro tanto esta música! Vem, vamos dançar! – Pediu, puxando pelo meu braço.
Deslocamo-nos para a pista e começamos a dançar e, mesmo após aquela musica, continuamos, sem nunca nos cansarmos.
Eram já quatro da manhã quando o café fechou e voltamos para casa. O caminho era o mesmo, pelas ruas iluminadas pelos mesmos candeeiros de metal, mas agora algo estava diferente. A rapariga ao meu lado estava a ser iluminada, não pelas luzes, mas pelo meu coração.
Sim, apaixonei-me.
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Exodus
Mystery / Thriller"Ao levantar a folha reparei que algo estava rabiscado na parte de trás. Poderia ser algo mal impresso como a minha professora de plantas tinha feito uma vez, mas mesmo assim a curiosidade falava mais alto. Nas costas da dita cuja eram encontrados 1...