Capitulo XII - O som do silêncio

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*Em operação*

Era o que dizia a placa bem no alto de uma grande porta na sala de operações onde Carolina estava. E lá me encontrava eu mesmo em frente, numa cadeira de rodas. A cadeira era de forro preto e estrutura metálica, as rodas eram enormes e pesadas, e com a minha força actual eu não as conseguia mexer nem um único milímetro. A enfermeira de sempre era quem me acompanhava.

"Provavelmente ainda vai demorar, seria melhor dar-mos uma volta enquanto esperamos." - disse ela com um sorriso.

Apenas emiti um hum, dando o aval, mas sinceramente era me indiferente.

....

"Sabes ..." - a enfermeira começa a falar enquanto me empurrava pelos corredores daquele hospital. - "ela vinha-te visitar todos os dias, sem falta, sempre à mesma hora, ela tentava comunicar contigo de varias maneiras. Por vezes apenas falava, outras ela trazia velas com cheiros que dizia que te fariam lembrar memórias fortes, outras vezes apenas te fazia tocar em objectos com que tinhas bastante contacto. Ela só queria que acordasses."

Ela continua sempre de maneira nostálgica e um pouco triste.

"E foi numa dessas visitas ... Eu estava a monitorizar-te quando ela se levanta para ir embora mas fica parada durante um pouco, com tonturas; disse que devia ter sido por se ter levantado rápido de mais, mas os dias foram passando, e ela mais frequentemente se sentia fraca, mas dava sempre as mesmas desculpas. Até um dia. Ela desmaia á entrada do hospital. Foi levada para testes e ai o pior se confirmou ... o tempo que ela tinha ganho com o transplante estava a ficar escasso ... as metástase tinham-se alastrado. A mais desenvolvida encontrava-se na tiróide. A operação foi marcada para dias depois. O procedimento era bastante complicado devido as características e localização. Mas no fim tiveram sucesso a retira-lo. Ela voltou a ter tratamentos de quimioterapia depois disso mas sempre agendava esses mesmos tratamentos para depois da horas de visitas."

Será que era por isso que ouvia o telemóvel dela tocar? Era um aviso, um alarme para a sua quimioterapia?

"Posso perguntar algo?" - digo olhando para a enfermeira.

"Se eu souber responder." - responde de imediato com o sorriso de sempre.

"Como é que eu vim aqui parar?" - disse, embora com curiosidade, temia de maneira irracional a resposta.

"A única coisa que sei é que a policia vos encontrou, a ti e a mais uma rapariga, num edifício abandonado. Acho que alguém lhes ligou e disse que algo se passava naquela morada."

Margarida?! Ela deve ter chamado a policia por precaução ...

"E uma senhora dona de um café não muito longe daqui? Tem uma forte personalidade e deve ter estado algumas vezes no hospital com a Carolina, ela nunca me veio visitar?" - acrescentei á minha pergunta.

O sorriso da enfermeira desapareceu. Isso assustou-me.

"A Sra. Margarida ... ela foi encontrada morta após ter vendido o seu estabelecimento. Desconfia-se que tenha sido um ajuste de contas ou algo do género visto que nunca ninguém soube para onde foi parte do dinheiro da venda do café"- a enfermeira fez um pausa. - "Já a outra parte do dinheiro ... é o que vos tem mantido aqui, é graças a ela que Carolina tem conseguido as cirurgias e tu o quarto e tratamento durante o coma."

Não queria acreditar no que tinha ouvido, a Margarida ... estava morta. Quem? Mas quem? E porque tinha vendido o café. Espera, a enfermeira disse a policia apenas nos encontrou a nós. O homem que matou a Mariana não foi apanhado? Tsch, ele é que devia ter morrido.

Desde que Carolina tinha desmaiado eu não tinha largado o lenço, aquele era a minha ligação com ela naquela sala de operações. E agora sabia, estávamos os dois completamente sozinhos, apenas nos tinha-mos mutuamente.

***

Abri os olhos e reparo que estava num quarto branco, no meu quarto branco. Será que me adormeci? De qualquer das maneiras devia ter passado algum tempo, tempo suficiente para acabar a operação.

Carrego no botão de assistência, mas nada. Tento de novo. Novamente nada. Achei estranho.

"1, 2 ... uhg, 3" - expressei ao arrastar-me da cama para a cadeira de rodas.

A minha força ainda continuava a quase zeros mas ... não eram zero. Tinha acabado de dormir portanto devia ao menos conseguir ir até a porta. Lentamente fui percorrendo cada centimetro do quarto.

"Olá, será que me poderia ajudar?" - dirigi-me a uma senhora que por ali passava na altura.

"Claro."

Não houve muita conversa, a senhora não quis saber por onde ia, e eu tambem não me sentia disposto a falar, estava demasiado preocupado. Foi uma viagem curta, sem dar por isso já nos encontravamos a frente da sala de operações.

"A operação já acabou ... "

"Podemos ir à recepcção perguntar por alguma informação se quiseres" - disponibilizou-se a mulher.

"Sim, por favor"

***

"Bom dia, sabe alguma coisa da paciente que entrou de emergência no bloco operatório ontem?" - perguntei à recepcionista.

"Desculpe não posso fornecer essa informação" - houve uma pausa. - "e mesmo que pudesse não temho acesso a esses casos daqui, sinto muito"

"Pergunta pelo médico dela ou assim, quem sabe possas ter sorte" - sugeriu a senhora que me empurrava.

"Sim é uma boa ideia"- dirigi-me novamente à recepcionista - "Sabe onde está o cirurgião Oliveira? Ou a enfermeira Joana?"

"Hum, sei que o Dr. Oliveira saiu da sua operação mas não sei onde está, já a enfermeira Joana sei que disse que ia lá embaixo à morgue."

Senti o meu coração a bater mais rápido.

"Por favor, vamos rápido" -pedi à senhora.

***
Era uma sala fria, pintada de cores mortas, onde se encontrava ao fundo umas especies de arcas metálicas. No centro estava alguem deitado, imovél, numa cama do mesmo metal que as arcas. Ajoelhada à frente desse corpo estava alguém vestido do branco caracteristico daquele hospital.

O meu coração quase pará.

A cadeira chia.

A enfermeira Joana vira-se para trás. Os olhos delas estavam vermelhos, a pele do rosto era húmida e o tão presente sorriso dela já não se encontrava na sua face.

"D-desculpa ... eles tentaram de tudo ..."







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