Capitulo III - A mulher do lenço

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A desconhecida tinha saído há cerca de uma hora atrás. A sua vinda tinha deixado ainda mais confusão do que aquela que já possuía antes.

A minha vida tinha ficado tão confusa de uma hora para outra e eu simplesmente não conseguia encontrar as respostas, sem dúvida esse era um dos meus maiores problemas.

A desconhecida voltou no dia seguinte. Embora hoje ela vestisse outras roupas, continuava a possuir o lenço em torno do pescoço.

"Deve ser especial." pensei.

Como da última vez, ela foi-se aproximando lentamente, passo a passo, dizendo o típico "olá" e pegando na minha mão imóvel na extremidade da cama. Ao agarrar nela o meu corpo encheu-se novamente do mesmo carinho que já me tinha sentido anteriormente. Era quente, mas não demasiado. Ela estava agora sentada no banco mesmo à minha direita. Como no dia anterior, ela começou a falar:

-Peço imensa desculpa por ontem, não devia ter chorado daquela maneira. Eu tentei controlar-me, eu juro que tentei, mas simplesmente ao ver-te, acordado, a respirar por ti próprio, fez-me tão feliz... - fez uma pequena pausa antes de prosseguir - Mas hoje não vamos falar de coisas tristes. Não sei se me podes ouvir, mas tentar não vai magoar ninguém, e no fim de contas ninguém merece estar sozinho assim. - Sorriu.

Ela começou a falar de forma natural da sua vida, da vida dos outros, da vida lá fora... Fazia-me lembrar uma pessoa que fala com um amigo que já não via há anos, e será que não era isso mesmo? Por mais estranho que parecesse, enquanto a ouvi-a falar, conseguia ver um lindo brilho nos seus olhos. O seu sorriso transmitia um calor mais quente do que os próprios raios de sol que entravam pela janela mesmo atrás dela e a sua voz era doce e confortável, uma voz até angelical que me fazia esquecer o irritantes barulhos das máquinas. Mas não sei porquê parecia que havia algo nela, algo menos brilhante, menos feliz, algo triste, algo que ela escondia.

Ela continuou a falar. Descobri que ela trabalhava como empregada de mesa num café não muito longe dali, que tinha deixado o namorado há pouco tempo e ainda não o tinha superado totalmente, gostava de livros e o último que tinha acabado de ler era "A cidade dos Ossos", livro esse que gabou intensamente.

"Ela fala pelos cotovelos," falei para mim mesmo enquanto me ria mentalmente "isto é uma conversa unilateral afinal, não posso esperar muito mais."

As palavras que no início foram divertidas, tornaram-se depressivas, mas facilmente se dispersaram com a presença desta desconhecida.

Eu gostava de a ouvir e para minha sorte ela parecia gostar de falar.

Subitamente, algo ecoa naquele quarto branco, um som agudo, ensurdecedor. Quando os barulhos das máquinas se tornaram percetíveis novamente, reparei que o sorriso que a mulher trazia desde a sua entrada foi desfeito. Retirou um telemóvel preto do seu bolso.

"Seria uma mensagem? Uma chamada?" Seja o que for não consegui perceber. Com rapidez mas delicadeza retira as mãos delas da minha e com olhos cheios de ternura dirige-se para a saída. Ao abrir a porta, e sem se virar para mim, debita num tom baixo e cabeça caída quatro silabas.

- Obrigada.

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