Celeste - Resgatada da Morte

Capítulo 3

Celeste desmaiou. Duas vezes. A primeira quando seu irmão Bomami foi teve as memórias do sequestro retiradas, e a segunda minutos mais tarde quando Curandeiro Ny, chamado por Aren pela segunda vez em quatro dias, a examinou.

Ela se sentia nauseada, o corpo sofria com constantes calafrios e a cabeça doía como o inferno.

O primeiro feitiço de diagnostico que Ny lançou em Celeste não mostrou nada demais, ela não estava doente e também não haviam sequelas físicas. O segundo feitiço, mais longo e complexo, entretanto mostrou algo: O núcleo mágico expandido.

Ny explicou que aquilo era incomum, mas não impossível. Seu núcleo mágico apenas havia se expandido um pouco demais de uma maneira súbita, e aquilo a fez ficar um tanto sensível a magia, mas era apenas uma questão de adaptação. A magia tendia a tentar proteger seu portador, essa foi sua resposta natural a situação de risco pela qual ela passou.

Aquilo também explicava o ataque aos medibruxos no Luejis. De forma inconsistente a magia de Celeste estava tentando proteger a ela e ao irmão de algum possível ataque.

Após o curandeiro ir em bora e Celeste ter se encontrado com os aurores, foi direto para a biblioteca do castelo (uma colossal biblioteca mágica de três andares, com milhares de livros reunidos através de centenas de anos e que apenas Carolinos e associados conseguiam entrar), nunca tinha ouvido falar sobre expansão do núcleo mágico e queria saber mais sobre, além disso, havia outra questão a qual ela queria dar atenção.

Desde o momento em que acordou após a fuga, que sua cabeça estava muito cheia e confusa. Haviam as memorias que eram dela: Os Sabbats, a magia, as aulas de etiqueta e política, o dinheiro, os bailes e eventos da alta sociedade, as tradições, a família, a infância no sudoeste litorâneo do Brasil, os mergulhos com Iaras e então a pré-adolescência em Uagadou, na Uganda. O sequestro, as torturas, seus pais mortos.

Mas então também havia as memórias de outra pessoa.

 A infância de um garotinho em um bairro pobre de São Paulo em um mundo sem magia, os carrinhos, bolas e bonecas, as agressões físicas, psicológicas e sexuais por parte do padrasto, a adolescência, os livros, as musicas, o autodescobrimento, o primeiro beijo com uma garota, o primeiro beijo em um garoto, sua auto aceitação como uma garota trans, a escolha de nome, e então o processo de tratamento hormonal, o preconceito, a vida adulta, os silicones, a cirurgia de mudança de sexo, a surra, os empregos e sua morte, para em seguida o Vazio, e então Algum Lugar, Vida e Morte.

Tinha noção de que, de alguma forma muito bizarra, aquela vida havia sido vivida por ela, mas apenas... era demais para assimilar. As memorias, sensações e emoções de ambas as vidas se misturando constantemente em sua cabeça a fazendo perder o senso de realidade.

Havia sido uma escolha dela (novamente, de uma forma bizarra) se lembrar de sua outra vida, mas naquela situação, naquele momento em que estava vivendo, com sequestros, assassinatos de seus pais, comensais da morte não apenas na Europa, mas também na África e provavelmente pelo mundo, seu futuro iminente como Senhoria de uma das mais antigas e respeitáveis clãs do mundo mágico, e uma das mais importantes e influentes do mundo não-mágico. Ela simplesmente não podia lidar com aquilo agora.

 Quando escolheu se lembrar (de novo, bizarro) não imaginava seria tão difícil conciliar as duas vidas sem ficar a beira da insanidade.

No momento em que ela abriu aquela porta de madeira pesada e entrou no cômodo seu corpo inteiro se arrepiou. Já havia estado lá mais vezes do que se podia contar, é claro. Estava acostumada com as paredes e estantes em tons claros, as poltronas e sofás acolhedores, as mesas de chá e de estudos, as grandes janelas com vista para um dos jardins, as velas que flutuavam em todos os andares e nunca se apagavam, a lareira, o cheiro de livros. Mas o cômodo, com todos aqueles livros e velas e tudo mais, estava impregnado de magia (assim como todo o castelo) e ela estava sensível a isso.