Eu cresci ouvindo muitas coisas. Muitos "você é tão difícil de lidar" vindos da minha mãe, muitos "agora não, filha" vindos do meu pai e olhares invejosos de pessoas que apesar de pensarem que sim, não faziam ideia de como era ser eu. Alguns eram muito mais fáceis de ouvir do que outros.
Algum tempo atrás li em algum lugar que os humanos tem mania de transformar toda dor em poesia, mas acho que é ao contrário. As coisas acabam e aí transformamos em poesia. Todo aquele sangue nunca foi bonito, só vermelho.
Talvez essa mania de romantização se deva ao fato de que alguns de nós crescemos recebendo tão pouco que precisamos buscar paz em outros lugares. Algumas pessoas procuram os padres; outras o vício; eu a poesia.
Com o passar do tempo as coisas se desprenderam de mim. Eu prolonguei certos desejos; eu perdi amigos, alguns para a morte... outros pela incapacidade de seguir em frente. Me sinto dormente com a ideia de que hoje posso perder todos ele de apenas uma vez.
A neve no campo de batalha é branca e gelada demais até para minha própria pele. Ela deixa tudo mórbido e me preocupo com a presença de Reneesme naquele tipo ambiente. Ouço Edward murmurar alguma coisa para Jacob em sua forma de lobo e suspiro, pensando no que fazer. Eu não sei. Todos esperam que eu saiba, mas eu não sei. Não faço ideia do que é certo nessa situação. Me sinto como uma criança assustada que acabou de receber uma bronca dos pais. Alec está do outro lado do campo e ergue as sobrancelhas para mim, me fazendo morder os lábios numa súplica aos deuses para que ele não torne isso mais difícil do que já é.
Jane me encara com veneno e me sinto suja, com vontade de me encolher no chão mesmo sem ela estar utilizando seu dom. Aro tem o mesmo sorriso macabro de que eu me lembrava nos lábios e convida Alice para se juntar à ele para que juntos pudessem decidir o que seria feito. Ela concorda e me olha uma última vez num pedido implícito: "se houver uma guerra, não nos deixe morrer, por favor." Eu finco minhas unhas na palma da mão, mas não sinto dor nenhuma. Não sinto dor nenhuma a mais de cem anos. Eu peço a Deus para que tudo corra pacificamente, mas o céu está vazio.
Edward coloca Reneesme em cima do lobo para uma fuga rápida se for preciso e sei que Aro não está pensando coisas muito boas. O campo fica em silêncio por muito tempo enquanto ele e Alice seguram as mãos um do outro e seus olhos ficam vidrados numa espécie de transe.
Passamos cerca de dez minutos na neve, os dentes de Reneesme batendo um no outro e eu sem fazer nada, parada como uma boneca de porcelana, terrivelmente limitada. Se eu usasse qualquer poder agora, os Volturi poderiam utilizar isso contra mim e fazer parecer que eu os havia atacado. E eu não podia matar todos eles, podia?
Sem eles não haveria regras no mundo dos vampiros e logo isso se tornaria selvageria. Sem a alta guarda não haveria discrição entre nossa espécie e logo o segredo seria revelado aos humanos e coisas ainda piores começariam a acontecer. Vimos isso com o furacão de recém-criados apenas meses atrás. Eu queria matar todos os Volturi para proteger minha família, claro que queria, mas eu também sabia que não podia. E eles também sabiam. Edward não entendia isso, claro, mas quando é que ele me entendia? Nunca. A resposta é nunca. Sei que o restante dos Cullen estava disposto a morrer por Reneesme se necessário, mas não sei se eu estava pronta para deixá-los morrer.Mais alguns segundos se passam até que Aro solte a mão de Alice e se vire para Caius, Marcus e o restante da guarda.
— É melhor partirmos, meus amigos.
Caius se irrita, parecendo prestes a contrariar a ordem quando Aro o observa e repete a frase com mais incisão. Marcus está estóico como sempre, mas algo no seu olhar diz a Caius que ainda mais teimosia não seria perdoada naquela situação.
— É melhor partirmos.
Ele aceita, desistindo de se impôr. Todos nós sabíamos que Aro era quem os liderava de verdade, e não Caius. Não Caius, que não tinha como ler a mente de ninguém. E não Marcus, que vivia agonizando na própria solidão.
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MERCY 𑁋 EDWARD CULLEN.
Science FictionEm 1918, quando a gripe espanhola tornou a Terra um inferno, Amelia conheceu Edward. Sendo companheiros de alma, o relacionamento dos dois era aparentemente perfeito, até Bella se mudar para Forks e colocar o amor de Edward a prova. Em uma narrativ...