Abuela tinha acabado de sair do quarto de Mirabel deixando uma versão extremamente ansiosa de sua neta para terminar de se arrumar para a cerimônia que a concederia um dom mágico. A garotinha de 5 anos corria de um lado para o outro do quarto, conhecido como berçário, procurando por seus sapatos enquanto pedia a Casita para que ela parasse de brincadeiras e a desse as peças de roupa logo de uma vez. Demorou alguns minutos, mas os sapatos foram arrastados até seus pés e ela rapidamente os colocou para poder se dirigir até o hall de entrada para dar início a cerimônia, Mirabel não tinha prestado muita atenção nos próprios nervos até o presente momento e a cada passo que dava em direção a cortina de flores mais parecia que seu corpo esquentava. O nervosismo dela deveria estar aparente, pois enquanto esperava pelo discurso de Abuela uma voz tímida veio de traz dela:
- Nervosa? – Mirabel se virou para encarar seu tio favorito, Bruno, e responder com um aceno inseguro e um pequeno sorriso.
O homem sorriu abertamente para ela, se aproximou um pouco, se abaixou em um dos joelhos para ficar da altura da sobrinha e abriu os braços indicando que Mirabel viesse para um abraço. Ela correu do lugar onde estava até o tio e afundou o rosto no ombro ossudo, mas estranhamente aconchegante, do homem e não demorou para receber um abraço de urso. Poucos segundos depois, a garota já estava sendo atacada pelos dedos de Bruno que faziam cocegas em sua barriga, os dois aproveitaram o momento para dar risada. Quando Mirabel quase tinha lagrimas nos olhos de tanto rir, ele parou o que estava fazendo e levantou o queixo da sobrinha para que ela o olhasse nos olhos.
- Assim é melhor! – ele disse se referindo ao enorme sorriso estampado no rosto de Mirabel – Não tem por que ficar nervosa, Mariposa, vai dar tudo certo. Todos nós já passamos por isso uma vez...
- Promete? – foi o que ela conseguiu pensar para responder.
- Prometo – Bruno respondeu afagando os cabelos da sobrinha uma última vez antes de levantar-se – Você deveria ficar perto da cortina, Abuela já está quase acabando o discurso. Eu vou estar te assistindo daqui, não se preocupe, tudo vai acabar bem.
Mirabel caminhou até o ponto onde tinha sido instruída a ficar, olhou mais uma vez para seu tio e recebeu outro sorriso encorajador. Quando a cortina de flores se abriu, ela começou a caminhada até o topo das escadas onde seus pais, Abuela e uma porta brilhante sem desenhos esperavam por ela. A matriarca proferiu as palavras do juramento para a neta e assim que ela concordou em ajudar a todos com o novo dom que receberia, permitiu que a criança andasse até a porta para abri-la.
Contudo, não foi bem isso que aconteceu. Assim que Mirabel tocou na maçaneta dourada da porta, o brilho contido ali se apagou e, lentamente, a passagem que deveria ter se aberto ali se extinguia, dando lugar a uma parede como qualquer outra na residência dos Madrigal. Enquanto o choque ainda se espalhava pela multidão que assistia a cerimônia mal sucedida, os pensamentos ruins rolavam soltos na cabeça da garotinha e o mundo pareceu parar.
"Tinha que ser eu estragando tudo, como sempre" a voz de sua insegurança rugiu na cabeça dela.
"Eu estava sentindo que algo ia dar errado essa noite" continuou.
"Se a Abuela já era dura comigo antes, imagina agora que eu envergonhei ela na frente da vila inteira", os pensamentos provavelmente teriam continuado se algo pingando em sua mão não tivesse chamado Mirabel de volta a realidade. Ela estava chorando. Não foi preciso que a menina jogasse o olhar duas vezes sobre a expressão de puro choque no rosto da avó para que tomasse a decisão de sair correndo de volta ao quarto que ela chamaria de seu pelo resto da vida. Ela teve uma vaga noção de que seus pais estavam chamando por ela, mas agora nada importava, ela só queria se esconder e chorar.
Talvez ela não fosse nem uma Madrigal de verdade...
O som de uma porta batendo a distância combinado com os chamados de Augustin e Julieta por sua filha trouxeram Alma de volta ao presente, ela piscou rapidamente para afastar os pensamentos em sua mente e se dirigiu ao povo da vila que parecia tão surpreso quanto os membros da família.
- Bem, nós podemos dizer que os eventos de hoje a noite foram inesperados... – ela parou, buscando as palavras – Eu estou tão chocada quanto vocês, então eu peço as mais sinceras desculpas a todos que compareceram ao evento desta noite. Eu preciso pedir para que vocês vão para suas casas agora, nós vamos tentar encontrar uma resposta para o que está acontecendo.
Então, assim, mesmo com a curiosidade extremamente elevada, o povo da vila deixou os Madrigal para decifrar o enigma acerca da mais nova integrante da família. Assim que o último dos convidados partiu da Casita, os pais e irmãs de Mirabel correram escada acima para tentar confortar a menina que podia ser ouvida aos prantos, Félix e os filhos de Pepa tentavam acalmá-la para que a garoa que tinha começado acima dela não piorasse muito, e, por fim, Bruno pretendia subir para tentar falar com a sobrinha mais nova, mas Alma o parou antes.
- Bruno, eu preciso que você olhe no futuro, tente descobrir se nossa família vai ficar bem com toda essa confusão – ela pediu em um tom quase suplicante.
- Eu posso ter uma visão mamá, mas-... – ele foi cortado antes de terminar o que ia dizer.
- Ótimo, vamos para o seu quarto, isso não pode esperar – Alma disse determinada.
Ela praticamente o arrastou escadaria acima, o que foi uma surpresa muito grande para o homem, ver que mesmo aos 65 anos, sua mãe podia ser tão acelerada quanto nos dias de sua juventude. Ambos chegaram ao topo das escadas ofegantes em pouco menos de 20 minutos, "tempo recorde" Bruno pensou consigo mesmo enquanto tentava acalmar a respiração para fazer os preparativos para a visão. O círculo de areia, as pilhas de folhas e outros pequenas coisas foram feitas rapidamente devido aos anos de prática e assim que ele se sentou no chão para começar, lançou um olhar questionador para sua mãe que agora entrava no círculo e se posicionava em frente a ele.
- A senhora tem certeza de que vai querer ficar aqui durante a visão? Normalm-... – ela o cortou mais uma vez.
- Ora faça-me o favor Bruno, eu já passei por isso antes. Essa visão é importante, posso lidar com um cabelo bagunçado depois! – ela disse rispidamente.
Bruno engoliu a resposta malcriada que queria dar e respirou fundo, esticando as mãos para que a mãe se segurasse pelo menos um pouco antes de começar a visão. O vento ao redor deles começou a soprar e logo a redoma de areia se formou, isolando-os do mundo exterior, as imagens esverdeadas surgiram poucos segundos depois e Alma já estava de pé procurando por algo que pudesse ser útil, Bruno apenas grunhiu e se levantou também. Foi quando ele reparou: as imagens dessa visão estavam estranhas. Elas piscavam entre duas versões parecidas da mesma coisa antes de passar para a próxima cena, isso nunca tinha acontecido antes.
Em uma dupla de imagens ele aparecia em um pequeno espaço lotado de objetos desorganizados, contudo, em uma delas ele estava sozinho, na outra, Mirabel estava com ele.
Outra cena mostrava um jantar em família com mais duas pessoas que ele não reconheceu. Em uma das versões ele estava ali, na outra não.
Várias cenas percorreram da mesma maneira, a maioria mostrando versões com e sem a presença dele de Mirabel, contudo, foi a cena final da visão que assustou tanto a ele quanto a Alma. Mirabel se encontrava parada na frente de uma construção que só poderia ser a Casita, mas rachaduras apareciam e se fechavam nas paredes. Bruno queria ter segurado a visão por um tempo um pouco maior, mas assim que essa cena surgiu, ele sentiu seus olhos apagarem e a placa gelada de esmeralda se formando em suas mãos. A areia nem tinha terminado de cair da redoma quando Alma arrancou a visão das mãos do filho e olhou com olhos arregalados as duas versões da casa atras da neta.
- Aquela menina vai ser a ruína dessa família! – ela esbravejou e começou a marchar para fora da caverna de visões em direção as escadas.
- Mamá! – Bruno saiu quase correndo atrás da mãe quando percebeu que ela provavelmente estava indo pôr Mirabel para fora – Espera, mamá! Nós nem sabemos o que significa essa visão, eu nunca tive uma assim, não faça nada antes de termos certeza. Até onde sabemos o futuro pode ser bom! A casa aparece inteira em uma das versões!
- Eu não posso arriscar, Bruno. – Ela disse quase triste – Eu não posso perder meu lar mais uma vez...
- Mamá – o tom sério e seguro com que a voz dele saiu surpreendeu os dois – Algumas daquelas visões mostravam que eu estava ausente, assim como Mirabel. Se a senhora ousar despejar minha sobrinha desta casa, a senhora nunca mais ouvirá falar de nós dois, porque eu vou embora junto com ela.
- Bruno, eu... – ela não conseguiu encontrar palavras para terminar a fala dela, já seria ruim perder a menina, mas ela teria de perder o filho junto? – Está bem, a menina fica.
Foi tudo o que ela disse antes de bater a porta do quarto do filho, quase o acertando no processo. Ele suspirou profundamente, encostou as costas na parede e tirou um relógio de bolso debaixo do poncho. Já era um pouco tarde, mas algo dizia para ele que ele tinha que ir ver Mirabel ainda hoje, conforme era o plano antes de Alma o puxar para a caverna de visões. Ele esperou alguns minutos só para ter certeza de que todos estavam dormindo (ele sabia que Dolores provavelmente acordaria mesmo se ele fosse muito silencioso, mas sacrifícios tinham de ser feitos as vezes) e saiu de seu quarto, pé ante pé até chegar a porta do quarto de sua sobrinha mais nova.
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What if... Encanto
FanfictionO que teria acontecido se Bruno tivesse decidido ficar com sua família após a visão no dia da cerimônia de Mirabel? Leia para descobrir.