Capítulo 2

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Bruno sabia que Mirabel deveria estar dormindo a essa hora, mas ainda assim decidiu que seria melhor bater antes de entrar. Três batidas suaves soaram pelo pequeno quarto da menina, seguidas pelo som da porta se abrindo lentamente, Bruno colocou a cabeça para dentro do cômodo apenas para encontrar uma cama vazia e Mirabel não estando em lugar algum. Uma leve preocupação surgiu nele, ele sabia que a sobrinha provavelmente só estava se escondendo em algum lugar, mas o fato de ela estar fazendo isso significava que ela ainda estava muito triste com o que tinha acontecido, afinal, ela só se escondia quando queria chorar sozinha. Ele respirou fundo e entrou no quarto de Mirabel fechando a porta com um pequeno click assim que passou.
    - Mirabel? – ele perguntou praticamente sussurrando e quando não obteve resposta, continuou falando – Mariposa, é o tio Bruno, vim ver como você está...
    Como resposta um pequeno soluço veio de debaixo da cama, mas a menina não fez menção de sair de seu esconderijo. Bruno se aproximou da cama e se sentou no chão sem tentar entrar de baixo do móvel, ele sabia que só iria fazer com que ela chorasse mais se a forçasse a sair do pequeno santuário, ao invés disso, ele apoiou as costas na lateral de madeira que segurava o colchão no lugar.
    - Mira, depois que todo mundo foi embora, Abuela e eu subimos na minha caverna de visões para tentar entender o que está acontecendo... – ele começou explicando e quando ouviu um pequeno farfalhar de roupas vindo de debaixo da cama, continuou – Eu tive uma visão diferente, algumas coisas ficavam mudando... O ponto é, Mariposa, que eu não sei o porquê que você não recebeu um dom, mas acredite em mim quando eu digo que você ainda é a minha sobrinha mais querida e isso nunca vai mudar.
    Eles ficaram mais um tempo em silêncio e quando Bruno achou que Mirabel não sairia debaixo da cama começou a se levantar, apenas para ser parado por uma mãozinha segurando a dele. Mais uma vez ele se recostou na madeira da cama e esperou que a sobrinha saísse do esconderijo e se sentasse no colo dele como sempre fazia quando estava chateada com alguma coisa. As mãozinhas de Mirabel agarraram com força a frente do poncho do tio como se ele fosse sumir se elas não fizessem aquilo, ela apoiou a cabeça no ombro dele e começou a chorar descontroladamente. A cena quebrou o coração de Bruno e tudo que ele pode fazer foi abraçar a garotinha enquanto dizia para ela que as coisas iriam acabar bem e fazia carinho em suas costas.
    - Abuela está com raiva de mim não está? – Mirabel quebrou o silêncio quando as lagrimas dela pararam por tempo o suficiente. Ela ouviu o tio respirar fundo antes de responder.
    - Eu acredito que ela só esteja preocupada que o que aconteceu hoje vá prejudicar a família, mas não acho que ela esteja com raiva de você, não foi culpa sua afinal.
    - E-então p-por que que a Dolores veio aqui e me contou que ela queria me por pra fora? – Mirabel agora lutava com as lagrimas mais uma vez.
    - Ela não vai fazer isso – Bruno pensou consigo mesmo que teria uma conversinha com Dolores a respeito de assustar os primos mais novos com coisas que ela ouvia – A princípio ela pensou mesmo, não vou mentir pra você Mira, mas ela mudou de ideia quando eu disse que ela teria de me por pra fora também porque eu não ia deixar você ir embora sozinha. Ela está preocupada com a família, Mariposa, acho que ela vai estar mais calma amanhã e vai poder falar com você direito.
    Com essa última fala Mirabel se apertou ainda mais no colo de Bruno. Ela sabia que a avó provavelmente a odiava agora e a última coisa que ela queria era ter de falar com a matriarca sozinha. Ele percebeu o quão desconfortável a garota pareceu com a ideia e apenas apertou ainda mais o abraço em torno dela enquanto dizia:
    - Ei, não fica assim não – ele tocou a ponta do nariz dela com um dedo antes de continuar – Você não vai estar sozinha, seus pais com certeza vão querer saber como ela está pensando em prosseguir daqui e se você quiser eu fico com você enquanto eles discutem...
    A resposta que ele recebeu foi um aceno curto e mais uma vez o rosto de Mirabel estava enterrado em seu peito, pelo menos ela não estava mais chorando.
    - Muito bem Mariposa, eu acho que está na hora de alguém ir dormir – Bruno disse como se tivesse que pensar sobre quem estava falando enquanto se levantava, levando Mirabel consigo. Ela não protestou, mas quando ele a colocou na cama a menina pediu timidamente.
    - Tio Bruno?
    - Hm?
    - S-será que você poderia ficar aqui comigo mais um pouquinho? – a carinha que ela fez derreteu o coração do homem e ele não pode recusar o pedido da sobrinha.
    - Está bem, dá um espaço, deito com você até você pegar no sono... – ele disse mencionando para Mirabel ir um pouco mais para o canto da cama. Bruno se ajeitou e deixou que a sobrinha se enrolasse do seu lado.
    - Tio Bruno?
    - Hm?
    - Pode ser até amanhã? – apesar de ela não estar olhando para ele, ele sorriu e a abraçou mais uma vez.
    - Acho que eu posso fazer esse sacrifício por você – ele respondeu num tom brincalhão e sorriu mais ainda quando ela olhou para ele sem a expressão de tristeza que esteve colada no rosto dela a noite toda – Boa noite Mariposa - ele disse e beijou o topo da cabeça da menina.
    - Boa noite titio – ela respondeu quase já adormecida enquanto chegava só um pouco mais perto do tio, se é que isso era possível.
    Um sono tranquilo não demorou para chamar os dois.

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A conversa com Alma inevitavelmente chegou no dia seguinte. O café da manhã havia sido envolto por um silêncio desconfortável que só era quebrado pelo tilintar de talheres e o barulho de copos sendo apoiados na mesa. Assim que todos acabaram de comer, a matriarca distribuiu as tarefas diárias conforme de costume, mas pediu que Mirabel e os pais ficassem na mesa para conversarem. Os demais membros da família, exceto Bruno, se levantaram enquanto lançavam olhares preocupados na direção da menininha que com certeza escutaria um dos maiores sermões de sua vida.
- Creio que não pedi para você ficar, Bruno – disse Alma com rispidez.
- Fui eu quem tive a visão que quase fez você expulsar sua própria neta de casa, nada mais justo do que eu ficar para poder defendê-la de novo caso seja necessário – foi a resposta que veio de Bruno com uma confiança que nem ele mesmo sabia que tinha.
Com a fala do homem, Julieta e Augustin olharam surpresos para Alma sem conseguir acreditar no que tinham acabado de ouvir. Mirabel, por sua vez, estava se encolhendo o máximo que podia atrás do tio e Alma respirava fundo tentando suprimir a raiva que subiu nela com a resposta do filho.
- Mas o que é que essa visão poderia ter de tão sério para que a senhora sequer cogitasse colocar minha filha para fora? – Augustin perguntou a sogra, claramente aborrecido com a situação.
- Isso não vem ao caso agora – Alma respondeu secamente – Mas a visão foi o suficiente para eu saber que essa menina pode ser um perigo para nossa família!
A raiva era eminente na voz dela e quando Julieta foi tentar se pronunciar para defender a filha a matriarca apenas ergueu a mão para calá-la antes de começar a andar em direção de Mirabel e Bruno. Ela cobriu a distância com poucos passos e tirou o filho da frente da neta de uma forma não muito gentil, ele foi obrigado a dar dois passos para trás para não cair. Alma se inclinou de uma maneira que seu rosto ficasse mais próximo ao da menina ameaçadoramente antes de começar a falar:
- Escute aqui – o tom era seco, quase cruel – você só permanece nessa casa porque meu filho decidiu protegê-la, mas não pense por um só minuto que se você fizer qualquer coisa que possa ameaçar o bem-estar da família que eu não vou te colocar para fora. Entendeu?
Lagrimas desciam pelo rosto de Mirabel, mas ela acenou brevemente antes que Bruno se colocasse mais uma vez entre ela e Alma enquanto afagava os cabelos da menina com uma das mãos.
- Acho que você já a assustou de mais, Alma – ele disse firme – ela é só uma criança.
       Foi tudo o que ele disse antes de se virar para a sobrinha, pegá-la no colo e sair andando em direção a Casita, deixando uma versão muito irritada de Julieta e Augustin para discutir com a matriarca sobre a forma como ela tinha tratado a filha deles.

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