Capítulo 4

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      Os anos foram se passando, Mirabel cresceu sempre sentindo que sua avó cobrava muito mais dela do que dos outros primos, sem falar que ela parecia ser vigiada pela matriarca com muito mais frequência. Ela não se lembrava do real motivo para aquela rigidez toda, sabia que deveria ter a ver com sua cerimônia que deu errado, mas não importava o quanto ela tentasse puxar as memórias daquele dia, não conseguia lembrar de nada além de alguns momentos em que seus pais e Bruno a consolavam. Por falar no tio, a relação dos dois foi ficando cada vez mais próxima e Mirabel via o homem como um segundo pai, eles mantiveram uma tradição de se esconder nas paredes quando o mundo parecia de mais para aguentarem sozinhos. Conforme a menina foi ficando mais velha e passou a compreender melhor as emoções dos outros, passou a ajudar Bruno com as inseguranças dele também e agora ambos podiam se apoiar durante seus problemas.
Há cinco anos um novo membro chegou à família Madrigal, o que significava que hoje era o dia de mais uma cerimônia para a concepção de um dom. Lógico que com os preparativos a casa estava agitada, os membros da família corriam de um lado para o outro com decorações, comida e mobília, tentando deixar tudo perfeito para a noite especial de Antônio. Mirabel ajudava principalmente com algumas coisas na cozinha, mas agora ela tinha deixado seu posto para distribuir pequenos presentes para os membros da família. Esses presentinhos consistiam em uma mandala de papel que servia de base para uma vela da cor favorita da pessoa e ela tinha um para cada um de seus familiares. Não levou muito tempo para que quase todas as velas fossem colocadas nas portas dos quartos, faltavam apenas as que pertenciam a Abuela e a Bruno, sendo assim ela decidiu deixar a da avó primeiro.
- UMA HORA - Mirabel ouviu o grito de Alma e acabou se assustando, derrubando a vela no processo. A mandala de papel pegou fogo e a menina tentou desesperadamente abafar as chamas, somente com isso Alma pareceu notar que a neta estava na porta de seu quarto - Talvez você devesse deixar as decorações para outra pessoa?
- N-na verdade eu fiz isso aqui como uma surpresa - Mirabel respondeu já não muito convencida de que aquilo tinha sido uma boa ideia - Pra você!
E assim que a menina viu a mandala ainda em chamas, ela a escondeu novamente atrás de si e deu um sorriso torto para a avó.
- Mirabel, eu sei que você quer ajudar, mas em alguns casos o melhor jeito de fazermos isso é deixarmos que os outros façam o trabalho sem atrapalhar - e com isso Alma a deixou sem nem olhar para trás.
A menina suspirou fundo, apoiou os antebraços no para peito da varanda e suprimiu a vontade repentina de chorar. Por que nada que ela fazia estava bom o suficiente para a avó? Perdida em pensamentos, ela nem reparou na pessoa que se aproximava e quase deu um pulo quando uma mão familiar se apoiou em seu ombro.
- Desculpe, desculpe - Bruno disse enquanto ria um pouco - a ideia não era te assustar. Como você está Mariposa?
Em resposta Mirabel apenas suspirou de novo e apoiou a cabeça no ombro do tio, as vezes ela se sentia como se ainda fosse a mesma criancinha que pedia colo a Bruno quando algo a chateava.
- Parece que não importa o que eu faço, Abuela sempre encontra um jeito de achar defeitos... Eu só queria deixá-la orgulhosa, só uma vez pelo menos...
- Sua avó é uma pessoa complicada - o homem deu uma pausa para pensar no que ia dizer depois, a sobrinha não parecia se lembrar de tudo que aconteceu na cerimônia dela e ele não pretendia contar a ela o que a avó tinha dito depois da visão - Mas se serve de consolo, você me deixa orgulhoso todos os dias.
A menina tirou a cabeça do ombro de Bruno, o olhou nos olhos e sorriu, o que levou o homem a retribuir o gesto. Antes que ele pudesse falar mais alguma coisa, a sobrinha o puxou para um abraço apertado e apoiou a cabeça no ombro dele mais uma vez. Bruno a envolveu com os braços, se lembrando de uma versão pequena de Mirabel fazendo exatamente a mesma coisa.
      - Eu sei que hoje pode ser um dia difícil pra você, Mira - Bruno disse enquanto ainda abraçava a sobrinha - mas você sabe que se precisar conversar pode vir falar comigo, okay?
     Eles se desvencilharam e Mirabel deu um sorriso para o tio.
     - Obrigada, tio - ela disse bem a tempo de ouvir Pepa passando com uma nuvem e trovões acima dela chamando por Antônio - É melhor eu ir... Acho que sei onde ele pode estar.
     Antes de sair correndo em direção a seu quarto a menina lembrou do presente que tinha feito para o tio, ela o pegou de um banco que tinha deixado e o estendeu em direção de Bruno.
      - Eu fiz isso como uma surpresa, ia deixar na porta do seu quarto, mas já que você está aqui... - ela disse sorrindo e esperando uma reação do tio - espero que goste...
      Bruno pegou a vela e a mandala verde com detalhes em preto e dourado, seu nome estava escrito nela com a letra caprichada de Mirabel. Ele foi agradecer a sobrinha, mas a menina já tinha saído correndo para procurar Antônio. Bruno sorriu para si mesmo e rezou para que Mirabel não ficasse muito chateada com a cerimônia de hoje.

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A hora da cerimônia chegou, Mirabel conseguiu encontrar e acalmar Antônio e agora os dois aguardavam atrás da cortina de flores enquanto Alma finalizava seu discurso. Não levou muito tempo para que a passagem fosse aberta e o menino visse toda a vila aguardando a caminhada até a porta, contudo, mesmo com os incentivos de Casita e Mirabel ele não queria fazer o trajeto sozinho. Antônio estendeu sua mãozinha para a prima e a olhou com olhos suplicantes, ela não conseguiu dizer não para o menino. E assim ambos fizeram o caminho até o andar de cima, memórias da noite em que tudo tinha dado errado começaram a voltar para Mirabel, mas ela as suprimiu e se concentrou na esperança de que dessa vez seria diferente, que seu priminho ganharia um dom.
Apesar do olhar desaprovador de Abuela, Mirabel completou o caminho com Antônio e aguardou que o juramento fosse feito. O menino se aproximou da porta e tocou na maçaneta, o que gerou um forte brilho quando o desenho de Antônio surgiu na madeira. Um suspiro de alívio pode ser ouvido por toda Casita e Alma anunciou que eles tinham um novo dom. A porta do quarto foi aberta revelando uma selva enorme que seria perfeita para abrigar todos os animais com os quais o menino podia se comunicar agora. A matriarca chamou a todos para tirarem uma foto em família e fez questão de lançar um olhar intimidador na direção de Mirabel, a menina não precisou de outro aviso para entender que a avó não a queria na foto.
Assim, Mirabel saiu da festa e se dirigiu para a escadaria que levava ao quarto de Bruno, ela havia descoberto que se sentar nós degraus a permitia ficar mais tranquila e pensar nas coisas, mas agora ela só queria ficar sozinha para não estragar a festa com suas lágrimas mal suprimidas. A menina se aconchegou mais ou menos na metade da escadaria, abraçou os joelhos e apoiou a cabeça na parede fria enquanto algumas lágrimas desciam por suas bochechas. Ela não sabia exatamente quanto tempo tinha ficado ali já que tinha se perdido em pensamentos e apenas voltou a realidade quando escutou passos vindo em sua direção. Mirabel abriu os olhos marejados para ver seu tio subindo a escada a observando com preocupação, vê-lo olhando para ela daquela forma fez com que todo o controle que tinha reunido sobre as lágrimas se perdesse e ela começasse a soluçar.
Ao ver os soluços repentinos da sobrinha, Bruno correu o resto do caminho até ela e se sentou ao seu lado a abraçando. Ela se encolheu nos braços do tio e chorou, Bruno por sua vez, não disse nada, apenas permitiu que a menina colocasse tudo para fora enquanto a abraçava e acariciava suas costas. Eles ficaram daquela forma por alguns minutos até que Mirabel conseguisse se acalmar um pouco e contasse ao tio o que tinha acontecido.
- A-Abuela me odeia não é? - Bruno se espantou com a pergunta, o que Alma teria feito para que Mirabel pensasse daquela forma de novo.
- O que ela fez, Mariposa? - ele perguntou da forma mais delicada que conseguia.
- E-ela brigou comigo depois que eu fui deixar uma mandala na porta dela hoje mais cedo e depois ela n-não me deixou participar da foto de família que vocês tiraram no quarto do Antônio...
Bruno ficou espantado, ele não tinha notado que Mirabel não tinha participado da foto, ele achava que ela apenas tinha saído da festa mais tarde. Nesse momento a velha raiva que ele sentia de Alma voltou, como ela ainda podia tratar a menina como uma ameaça? Nada tinha acontecido para que ela recebesse aquele tipo de tratamento, a única coisa que tinha acontecido de fato era a visão que ele teve naquela noite... Era culpa dele que a sobrinha era tratada de forma diferente até hoje, será que se Alma não tivesse visto aquele tablete de vidro Mirabel seria tratada melhor? Tudo que ele conseguiu dizer foi:
- Eu sinto muito Mariposa... A culpa é minha... - essa última parte foi dita muito baixo, a menina quase não escutou.
Mirabel ficou um pouco confusa, porque a forma como ela era tratada seria culpa do tio? Ela desencostou a cabeça do peito de Bruno para que pudesse ver o rosto dele, ali encontrou uma mistura de tristeza e raiva que rapidamente se transformou em ternura quando ele reparou que ela o analisava.
- Vou conversar com Abuela pra ver se eu consigo colocar juízo na cabeça dela - foi tudo o que Bruno disse, fingindo não ter reparado na expressão de dúvida da sobrinha.
      Se algum dos dois iria falar mais alguma coisa, eles foram interrompidos pelo barulho de uma das telhas da casa caindo no chão e se quebrando.

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