- E-eu, ahhh... - Mirabel ficou meio sem palavras, ela não esperava que a avó seria quem daria o primeiro passo para uma possível reconciliação - Melhor falarmos lá fora... Tio Bruno precisa descansar.
- Ah claro - só agora Alma percebeu que ainda segurava a mão do filho e a apoiou de volta na cama delicadamente antes de indicar as escadas para que descessem.
Elas caminharam em silêncio até o lado de fora da casa, ali havia sido posto um banco de madeira onde as duas se sentaram. O silêncio se estendeu por mais alguns instantes, estava começando a ficar desconfortável quando a menina decidiu quebrá-lo:
- A senhora sente falta dele não é? Do tio Bruno?
- Todos os dias... - Alma parou por um segundo reunindo forças para falar o que precisava ser dito - E mesmo assim, meu orgulho não permitiu que eu fosse visita-lo antes. Não importa o que eu fizer, nada vai trazer de volta esses dois meses que eu fingi que ele não existia, esses dois meses que eu poderia ter ajudado a cuidar dele, esses dois meses que eu poderia ter tentado deixar esse orgulho de lado e ir falar com você... Eu sinto muito Mirabel...
- Eu também sinto... Não deveria ter dito aquelas coisas quando brigamos, eu nunca quis machucar a família, eu nunca quis que o que aconteceu tivesse acontecido... É tudo culpa minha. - algumas lágrimas escorreram dos olhos de Mirabel, ela se recusava a olhar para a avó.
- Você não estava errada, sabe... - Alma disse com tristeza e não esperou que a neta olhasse para ela para continuar - Quando chegamos ao encanto, eu tinha acabado de perder seu Abuelo, os trigêmeos tinham acabado de nascer e eu estava sozinha... Eu tinha tanto medo de perder meu lar, minha família de novo que eu me ceguei com a ideia de que se fôssemos perfeitos o milagre manteria todos nós a salvo. Eu estava tão cega, de fato, que eu não pude ver que quem estava destruindo nosso lar era eu e não você, Mirabel.
- Abuela, você cometeu erros, sim, mas até aí todos nós cometemos... Só que isso não muda o fato de que nós nos tornamos uma família por sua causa, nós ganhamos um milagre por sua causa, se essa vila cresceu do jeito que cresceu, foi por causa da sua liderança e com a sua capacidade de lidar com o trauma sozinha, mesmo que não da melhor forma... Mas agora você não está mais sozinha, não precisa mais sofrer em silêncio, você sabe que qualquer um de nós te ajudaria. Tudo que você precisa fazer é pedir.
As lágrimas corriam soltas, tanto de Mirabel quanto de Alma, a menina apoiou a cabeça no ombro da avó e pegou uma das mãos dela acariciando-a. Elas ficaram em silêncio por mais alguns instantes, observando as pessoas na vila seguirem com seus dias, viram também uma pequena borboleta amarela que pousou no braço do banco onde estavam sentadas, aquilo trouxe um pequeno sorriso ao rosto de Abuela.
- Eu pedi para que meu Pedro me ajudasse... - A fala da matriarca fez com que a menina olhasse para ela confusa - Mirabel, ele me mandou você!
Antes que ela pudesse responder qualquer coisa, Alma a envolveu em um abraço apertado enquanto continuava a dizer que sentia muito por tudo que tinha feito ela passar. É verdade que a menina não conseguiria esquecer todas as brigas e exclusões por parte da avó, mas ela estava disposta a criar uma relação melhor com a matriarca a partir dali. Portanto, ela retribuiu o abraço que desejava a tanto tempo e sorriu.
Assim que Mirabel aceitou o abraço da avó, sentiu uma onda de energia partir das duas, ela abriu os olhos bem a tempo de ver uma aura dourada se espalhando para todos os lados. Alma a soltou do abraço, também maravilhada com a magia que tinha acabado de acontecer ali, elas se entreolharam e sorriram uma para outra. Foi somente então que elas ouviram barulhos do piso se agitando à seus pés e a casa voltando a vida à suas costas. As duas mal tiveram tempo de processar o que estava acontecendo quando foram arrastadas para o interior da Casita pelos ladrilhos que tinham vida mais uma vez. Os outros integrantes da família foram arrastados para fora de seus quartos com uma mistura de alegria e confusão no rosto, eles agora olhavam par Mirabel e Alma que estavam de mãos dadas no grande pátio da casa.
A alegria foi enorme, mas uma grande esperança cresceu em Mirabel. Será que Bruno acordaria agora que a magia estava de volta? A menina deixou as pessoas celebrando e disparou em direção ao quarto do tio, a porta apresentava o mesmo brilho dourado de quando uma cerimônia iria ser realizada, sem nenhum desenho definido, sem nome, sem dono. Medo surgiu dentro dela, e se o tio ficasse preso dentro de um desses quartos e ninguém conseguisse chegar até ele? Aquela porta mágica desapareceria também se ela tentasse abri-la? Sem pensar direito, ela colocou a mão na maçaneta e se espantou quando um brilho forte surgiu com essa ação, a porta formou um desenho, no qual ela não prestou atenção, e se abriu.
Mirabel correu para o interior do quarto, claramente ele havia sido manipulado com magia, pois estava muito maior do que era antes. Freneticamente ela começou a procurar pelo tio, o quarto ainda tinha uma sala de estar, mas agora, ao invés de apenas uma escada que levava para o andar acima, haviam mais duas portas nas laterais do cômodo principal. O primeiro lugar que procurou foi no andar de cima, a cama do tio ficava lá antes, quem sabe não tinha permanecido? Mas tudo que ela encontrou depois de subir a escadaria, que claramente estava maior, foram mais duas portas: atrás de uma tinha um enorme espaço livre, que era praticamente idêntico à caverna de visões antiga, e atrás da segunda um corredor cumprido com diversas prateleiras estava a vista. Claramente aquele seria o quarto pra Bruno, esse andar de cima era o perfeito espaço para ele usar o dom das visões, mas porque o cômodo estava tão diferente? Ela pensaria nisso depois.
Como o tio não estava no andar superior, ela disparou escada abaixo, ainda faltava procurar nas duas portas nas laterais da sala principal... A essa altura ela rezava para que ele estivesse em algum dos dois lugares, a primeira porta era logo no pé da escada e agora que ela tinha parado para reparar, haviam ampulhetas entalhadas na madeira. Ela abriu a porta sem nem bater e um alívio imediato surgiu nela quando ela viu que ali havia uma cama de casal posicionada no canto do local espaçoso e encima dessa cama, havia a silhueta praticamente imóvel de Bruno.
"ESPERA, PRATICAMENTE IMÓVEL?!??!!!" Ela pensou depois que reparou que Bruno tinha se mexido um pouco sozinho. Mais uma vez ela correu e em alguns segundos ela estava se ajoelhando ao lado da cama para ficar os olhos na mesma altura dos do tio.
- Tio Bruno? - uma felicidade enorme começou a tomar conta de Mirabel.
Ele não respondeu com palavras mas emitiu um resmungo e seus olhos começaram a se mover.
- Tio Bruno, consegue me ouvir? - ela perguntou esperançosa e colocou uma de suas mãos no ombro do homem.
- hmm? - ele resmungou mais uma vez, mas agora seus olhos se entreabriram e começaram a procurar por qualquer coisa que o indicasse onde estava, até que ele a encontrou - m-mariposa?
- VOCÊ ESTÁ MESMO ACORDADO!!! - Mirabel não se conteve subiu na cama de Bruno, o envolvendo desajeitadamente em um abraço enquanto lágrimas de felicidade desciam por suas bochechas.
- o-onde? - Bruno retribuiu o abraço meio confuso, onde eles estavam? Mirabel estava chorando?
E de fato ela estava chorando, as lágrimas solitárias tinham evoluído para soluços desesperados enquanto ela segurava uma versão muito confusa de Bruno nos braços.
- E-eu achei que você não ia acordar - a menina disse entre os soluços ainda se recusando a soltar dele - Você estava dormindo por dois meses e eu tinha começado a perder as esperanças de que você acordaria...
O coração de Bruno se partiu, ela não sabia, mas ele podia ouvir tudo que ela falava enquanto ele estava desacordado, ele sentia todas as vezes que ela encostava nele, a verdade é que ele sabia quem estava cuidando dele e que ela era a única razão de ele continuar vivo até agora. Ver sua Mariposa escolhendo passar por tudo isso mesmo sem esperanças de que ele melhorasse apenas o fez se sentir ainda mais como um fardo. Ele só queria vê-la feliz nesse momento, então decidiu deixar para fazer perguntas sobre onde estavam e o que aconteceu depois. Delicadamente ele a tirou de cima de si e a acomodou com a cabeça em seu peito, mas com o corpo no colchão, ele a envolveu com um dos braços e deu um beijinho em sua testa.
- obrigado por cuidar de mim - ele disse com sua voz um tanto áspera pelo desuso - se não fosse por você, Mariposa, eu provavelmente teria morrido de solidão.
- Como assim? - ela levantou o olhar confuso para ele, que sorriu em resposta.
- Eu podia escutar... Todas as vezes que você falava comigo eu podia te escutar, eu também sabia quando você saia para ajudar os outros... Essas eram as horas em que eu me sentia mais sozinho e com medo, eu tinha noção de que estava deitado e que eu não podia me mexer... Era como se eu fosse um prisioneiro no meu próprio corpo. - uma pausa, ela agora o encarava com surpresa no olhar, esse tempo todo ela achou que só estava sendo boba por continuar a conversar com o tio sem obter resposta - Eu também te ouvi chorar mais vezes do que gostaria... Como você está com tudo isso, Mira?
- e-eu vou ficar bem - ela disse incerta - Mas você vê se não me dá um susto desses nunca mais!
Ambos riram com o tom descontraído que ela tinha usado, mas mesmo assim, ela não fez menção de sair do abraço do tio. Eles ficaram em um silêncio confortável por mais um tempinho, até que um pensamento surgiu na cabeça de Mirabel:
- Espera... - ela começou a ficar corada antes mesmo de terminar a frase - Se você podia ouvir e sentir toda vez que eu mexia em você... você sentiu quando... uhhh...
- Quando? - ele encorajou ainda não percebendo sobre o que ela estava falando.
- v-você sabe... quando eu tive que... uhh, te limpar lá em baixo? - ela podia sentir seu rosto queimando de tanta vergonha.
- Oh - ele também ficou extremamente envergonhado, seu rosto tão vermelho quanto o da sobrinha, se não mais - e-eu tentava não pensar muito sobre o assunto...
Ambos deram um riso nervoso e ficaram novamente em silêncio por mais alguns minutos.
- Então - Bruno tentou puxar assunto de qualquer coisa que o distraísse do fato de que sua sobrinha o tinha visto completamente nu - Onde foi que nós ficamos durante todo esse tempo?
- Ah! - a menina estava extremamente grata pela mudança de assunto - Bom, foi difícil encontrar alguém que deixasse você ficar na casa deles, por conta do medo das visões e tal, mas no final você e eu ficamos na casa de um casal de amigos de infância da Abuela.
- E você quis ficar comigo porque?
- Você só estava no estado em que estava por minha causa - ela falou isso com tanta certeza que Bruno se sentiu mal, ele teria de tirar essa ideia da cabeça dela um dia - Eu tinha que ter certeza de que você não ia... não ia morrer.
Mais algumas lágrimas desceram pelas bochechas da menina e Bruno usou toda a pouca força que tinha para aperta-lá carinhosamente no abraço do qual ela ainda não tinha saído.
- O fato de eu ter sido pego nos escombros não foi culpa sua, Mariposa... Por favor não se culpe por conta de um acidente que fugiu do seu controle.
- Fui eu que te achei nos destroços da casa... Tinha um corte enorme na sua cabeça, bem aqui - ela apontou para onde tinha estado do corte, os pontos já haviam sido retirados, mas uma cicatriz feia aparecia próxima a linha que dava início ao couro cabeludo e seguia mais para baixo dos longos cachos de Bruno - Tinha tanto sangue... se eu não tivesse inventado de brigar com Abuela a casa nunca teria caído em primeiro lugar e você teria ficado bem.
- Ei - ele começou a afagarmos cabelos de Mirabel - eu estou bem agora, não estou?
- Está, mas...
- Então é isso que importa, você fez o que falou que iria fazer, não deixou que eu morresse e de bônus eu ainda acordei. Parece que você vai ter que me aguentar por mais uns bons anos.
Ela riu da piada e segurou a mão livre de Bruno na sua, levou-a até os lábios e deu um beijinho ali.
- Senti sua falta, titio.
- E eu senti falta de poder passar tempo com você direito - uma pausa - Onde nós estamos mesmo?
- Ah! Quase esqueci! - Mirabel levou uma mão a testa de forma dramática, arrancando um sorriso do tio - A construção da casa foi concluída e nós estamos no que era pra ser seu quarto...
- Como assim no que era para ser meu quarto?
- Bom, é uma longa história, mas basicamente Abuela e eu trouxemos a magia de volta... Eu imaginei que você pudesse acordar por causa disso e sai correndo para o quarto onde tínhamos deixado você... O único problema foi que quando cheguei na porta, ela estava brilhante por completo, do mesmo jeito que fica antes de uma cerimônia de dom... Como não tinha outro jeito de chegar até você eu coloquei a mão na maçaneta sem nem pensar que a porta poderia sumir... Bom que ela não sumiu né? - ela deu um riso nervoso antes de continuar - Enfim, teve um brilho e eu tenho quase certeza de que um desenho se formou, mas eu não parei para olhar o que era... Quando eu entrei no quarto ele estava diferente das outras versões, não sei exatamente o porquê...
- Então porque não vamos dar uma olhada? Acho que já está mais do que na hora de eu sair dessa cama - Bruno disse sorrindo e indicou para que Mirabel se levantasse e o ajudasse a ficar em pé.
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What if... Encanto
FanfictionO que teria acontecido se Bruno tivesse decidido ficar com sua família após a visão no dia da cerimônia de Mirabel? Leia para descobrir.