Alta Hospitalar

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Carol estava deitada no jatinho UTI disponibilizado pelo seu seguro saúde, sendo monitorada pelos conhecidos aparelhos conectados ao seu corpo e parcialmente adormecida por conta dos medicamentos pesados que a Dra. Carla havia prescrito. Depois de dez dias de hospital, havia superado a fase mais crítica de sua vida e finalmente estava indo para casa. Junto com ela estava sua namorada e sua irmã, fiel escudeira. Sua mãe havia retornado para BH antes delas, para viabilizar a adaptação do apartamento para uma Carol de cadeira de rodas. Mesmo muito sonolenta conseguiu recapitular os acontecimentos do dia.

Sua saída do hospital foi, no mínimo, caótica. Logo cedo recebeu a visita do assessor de imprensa do Minas, amigo de longa data "você deu um susto danado na gente mocinha, nunca mais faça isso" falou brincando com a jogadora. Marcela esteve em contato com a diretoria do Minas por toda a internação de Carol e eles chegaram a um consenso de que a jogadora daria alguma declaração ao público quando tivesse alta. Claro que os boletins médicos estavam sendo divulgados normalmente, mas nada poderia suprir a necessidade do público e da imprensa de ouvir a voz da central. "A comoção pública foi muito grande Carol, então temos três alternativas. Primeiro: você pode conceder uma entrevista coletiva, o que eu acho cansativo pro seu estado. Segundo: soltar uma declaração para a imprensa, o que eu acho injusto com os fãs e terceiro: você gravar uma declaração em vídeo e postarmos simultaneamente nas suas redes sociais e na do Minas, o que eu acho ideal para o caso".

Carol olhou para sua irmã e para Rosa, pedindo silenciosamente ajuda para tomar uma decisão. Rosa, fazendo jus ao título de namorada tomou a frente e decidiu por Carol. Não por achar que a central não tivesse competência para decidir, mas por pura questão prática mesmo "preferimos gravar um vídeo e postar nas redes sociais. Vai ser menos cansativo pra Carol", no que foi acompanhada com acenos positivos das irmãs Gattaz.

Como haviam sido informadas da alta no dia anterior, as acompanhantes tinham encerrado a estadia no hotel e as malas de todas amontoavam um canto do quarto. Eram várias, porque as bagagens de Carol e de Rosamaria, que estavam em poder da seleção haviam sido entregues em algum momento durante a permanência no hospital e estavam guardadas no hotel. Rosa começou a abrir uma de suas malas de mão, que já estava arrumada, a procura das maquiagens e aparelhos necessários para arrumar o cabelo de Carol "se tu vai gravar um vídeo pro público, então tu vai aparecer arrasando. Eu não tô louca de deixar minha namorada aparecer de qualquer jeito diante das câmeras". Carol sorria satisfeita pelo uso da palavra namorada por Rosa, que sempre dizia que não queria rótulos na relação recém iniciada, mas não perdia a oportunidade de usar a denominação para se referir a ambas. "cê tá querendo dizer que eu tô acabada?" perguntou Carol. Rosa nada respondeu, apenas se aproximou de Gattaz, que estava sentada na poltrona ao lado da cama e tascou um beijo em sua boca, não se importando com a presença do assessor de imprensa do Minas e nem com Marcela, que não perdeu a oportunidade "eca, que grude".

Depois de levemente maquiada, apenas com o necessário para esconder as olheiras e disfarçar o abatimento, Rosa terminou de arrumar o cabelo de Carol, enrolando algumas mechas na "babyliss" com a intenção de deixar um efeito levemente ondulado. O assessor de imprensa do Minas instalou a câmera em um tripé, apontando o aparelho para uma Carol Gattaz vestida com a blusa do uniforme do Minas "quando você quiser podemos começar a gravar" e Carol se posicionou para falar algumas palavras para os fãs e para a imprensa. Rosa estava orgulhosa de sua namorada, que mesmo com dor, fez uma declaração perfeita, comentando por alto a gravidade do acidente e agradecendo jogadoras da seleção, comissão técnica, amigos, CBV, Minas, ao hospital e seus funcionários, os médicos que a haviam atendido e aos fãs e suas orações. Rosa se surpreendeu com a declaração de Carol, que agradeceu a família e a namorada, se referindo nominalmente a ela e finalizou pedindo privacidade na recuperação, que seria longa e lenta, por conta das sequelas que a obrigariam a usar cadeira de rodas até restabelecer as forças das pernas. Quando acabou, Carol soltou o ar que nem sabia que estava segurando "uai, até que tô me sentindo mais leve agora" e foi abraçada pela irmã e pela namorada. O vídeo foi vinculado nas redes sociais de Carol e do Minas, se tornando viral em poucos minutos.

Depois de se despedir do Dr. Lineu e da Dra. Carla, agradecendo por terem salvado sua vida, Carol foi colocada na cadeira de rodas comprada para a acompanhar na nova jornada. Estava emocionada e sua cabeça parecia que ia explodir, mesmo já tendo tomado os fortes medicamentos prescritos pela médica especialmente para a viagem, já que eram diferentes dos remédios que deveria tomar rotineiramente.

O seguro saúde que faria a transferência da jogadora até BH exigiu que Carol fosse transportada de ambulância até o aeroporto, o que contrariou a jogadora, que achou um exagero tal medida. Marcela esclareceu que os advogados da família Gattaz estavam em pé de guerra com a CBV, por conta de detalhes jurídicos sobreas responsabilidades pelo acidente e pagamento dos seguros "não reclama Carol, foi orientação dos nossos advogados. Papai tá louco com o que aconteceu e não vai deixar isso barato, tá fazendo uma força tarefa com os escritórios que nos representam em São Paulo e Belo Horizonte, então aproveita a mordomia de ir deitada e relaxa, deixa essa parte chata pra mim e pro pai". Marcela tinha adotado seu tom de empresária e Carol sabia que a guerra jurídica iria ser grande, então deixou ser levada para a ambulância.

Quando estava instalada no avião, muito sonolenta, Carol percebeu que Rosa estava falando em italiano e se lembrou que a namorada estava indo para BH contrariando as ordens do clube que jogava. O prazo de reapresentação da atleta era em dois dias e Rosa se desdobrava em conversas, ora com os empresários que a assessoravam aqui no Brasil, ora com os dirigentes italianos. Aquela situação estava tirando a tranquilidade de Carol mais do que as dores no corpo, que pareciam atingir o pico naquele momento, já que um dos aparelhos disparou e um dos paramédicos a bordo da aeronave veio em seu auxílio, aumentando a dose da medicação intravenosa que estava recebendo. Percebeu que o sono estava tomando conta de seu corpo, mas conseguiu chamar a atenção da namorada, que atendeu seu chamado prontamente "Rosa, você sabe que não precisa fazer isso né? Não quero que você se prejudique por minha causa, pode voltar pra Itália se quiser e nós damos um jeito".

Rosa conhecia Carol como a palma da sua mão, então sabia o que ela estava tentando fazer. Era da natureza da central ser a "fêmea alfa" e ter todos que amava sob a sua proteção, provendo as menores necessidades de cada um. Rosa sabia que Carol se sacrificaria por ela, se isso fosse necessário. A ponteira sempre achou essa característica um charme da central, mas não hoje. Hoje, era ela que precisava assumir o papel de liderança e não deixaria essa responsabilidade de lado. Já havia conversado com seu advogado e empresários e, aparentemente haviam encontrado uma solução temporária para o problema. Então calou Carol com um beijo cheio de ternura "não vou a lugar nenhum sem tu, meu amor" e obtendo a atenção da namorada completou "você ainda não percebeu que eu te amo?"

Carol podia estar em um nível absurdo de dor, dopada e preocupada ao extremo com toda a confusão que aquele acidente havia causado. Mas essa declaração de Rosa fez o sacrifício valer a pena "então o jogo acabou empatado, porque eu também te amo" respondeu a mais velha, olhando diretamente nos olhos verdes que tanto amava. Com muito sacrifício, Carol se sentou na maca do avião e abraçou Rosa, que não aguentou a pressão e começou a soluçar em seus braços "fica calma meu amor, vou cuidar de você e juntas daremos um jeito" e novamente Rosa percebeu que mesmo estando fragilizada pelo acidente, Carol estava assumindo a liderança da situação, provendo proteção e confiança, confirmando ainda mais a escolha de Rosa em permanecer do seu lado.

Bruna olhava a cena se desenrolar emocionada e tinha os olhos marejados de lágrimas "como é lindo ver meu casal rosattaz dando tão certo. Quem diria né tia", no que foi atalhada por Laura que tinha o semblante preocupado "deixa de ser mole Bruna, vai chorar agora?". Nos "tablets" que seguravam, um alarme soou e Laura leu a mensagem que vinha do altíssimo "projeto EQM Rosattaz ameaçado. Risco de prejuízo profissional de Rosamaria Montibeller. Autorizada intervenção imediata". As duas mentoras sabiam que a situação estava complicada, mas momentos desesperados exigiam medidas desesperadas e elas não poupariam recursos para viabilizar a permanência de Rosamaria no Brasil, sem prejudicar sua carreira profissional, porque elas sabiam que nenhum relacionamento resistiria a uma frustação pessoal que poderia atingir a carreira da jogadora mais nova.

Com esse pensamento as duas anjinhas rumaram para fora do avião, já conscientes do que precisavam fazer para resolver a situação. Para Laura, aquela missão seria importantíssima para seu futuro, porque falhar na EQM rosattaz seria falhar na promoção que tanto almejava.

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