SR.DONFORT

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Estou sentado na ponta da minha cama a mais ou menos cinco minutos inteiros, encarando meus pés, sem fazer qualquer movimento. Você já acordou, olhou em volta e se perguntou se todo o seu esforço vale realmente a pena quando é outra pessoa vai ditar o quão bom ele é? Se não, eu tenho inveja de você.

Hoje, depois de seis meses, escute bem, não foi um ou dois, foram seis meses seguidos sem pisar nessa base ou fazer alguma ligação pra cá e o meu pai decidiu que quer fazer uma visitinha. Com "visitinha" eu não quero dizer que ele vai chegar aqui com um sorriso, me abraçar e falar: "Filho! Como é bom te ver. Senti a sua falta durante esses meses. Como você está?". Realmente seria icônico se ele chegasse aqui e ao menos me perguntasse se eu estou bem, a última vez que me perguntou isso foi depois de ter me feito chorar por horas seguidas sem parar. E eu nem me lembro se ele perguntou isso porque se importava ou porque sua esposa o obrigou.

Ele vai chegar aqui com sua postura rígida, carregada de hostilidade, ego e egoísmo. Ele vai entrar nessa base e vai olhar tudo, cada mínimo detalhe. Vai fingir que não viu as boas coisas que fiz e vai citar somente as que não estão boas o suficiente ainda. Vai passar horas me obrigando a ouví-lo falar como devo me dedicar mais a essa base, porque ele não me escolheu para que eu fosse um fracassado no comando e deixasse todo seu esforço ir por água baixa. Mas é aí que mora a hipocrisia. Esse esforço é completamente meu. Sou eu quem lido com as merdas aqui dentro. Sou eu quem arrumo a bagunça. Sou eu quem mantém tudo funcionando e todos vivos. Sou eu o líder aqui dentro e ele ainda ousa dizer que quem desperdiça o esforço dele sou eu.

E é aí que eu me pergunto se todo o esforço que faço aqui dentro vale a pena se no final de tudo quem vai decidir isso é o meu pai.

Claro, ele não está aqui somente para apontar os defeitos dos meus comandos, mas também por ela. Ele está aqui para conhecer a mulher que tem sido o prato principal na boca de todos por esses corredores. Ele quer ver de perto seu novo brinquedo. Eu realmente não sei o que a torna tão interessante ao ponto. Não entendo por que todos acham que ela vale o tempo que gastam fofocando sobre ela. Quando olho para ela tudo o que vejo é arrogância, teimosia, ego e... um monte de outras coisas.

De qualquer forma, aquela mulher é o menor dos meus problemas hoje. Se o meu pai estiver disposto a enchê-la com suas ladainhas o dia inteiro, farei com gosto o favor de a liberar de qualquer atividade que ela possa ter. Quanto menos tempo preciso passar em sua companhia, mais fácil as coisas ficam pra nós dois.

Eu me levanto após perceber que ficar sentado naquela cama só fará com que esse dia se prolongue mais ainda. Me levanto da cama com certo esforço, vou na direção do banheiro ao lado esquerdo do quarto. Eu não faço muita questão de ter um quarto separado dos demais ou um lugar diferente para fazer as minhas refeições, mas eu gosto de ter o meu próprio banheiro e privacidade. Não abro mão disso.

Eu gosto de banhos demorados, ainda mais em dias tensos como o de hoje, mas graças à visita do meu pai, não posso me dar ao luxo de demorar tanto. Enrolo a toalha na cintura após terminar de me secar, caminho até a pia e abro o armário pendurado na parede. Tiro de lá uma pomada e o fecho novamente, retiro a tampa da pomada e espremo um pouco do conteúdo em meus dedos. Levo os dedos até a lateral do meu corpo, alçando as minhas costas e então espalho a pomada por cima das marcas em minhas costas, sentindo certa repulsa ao tocá-las. Eu as tenho a muitos anos, mas ainda assim é um pesadelo lembrar que as tenho.

Termino tudo o que preciso no banheiro e volto ao meu quarto. Eu pensei que era melhor usar algo que não fosse o meu traje, mas não quero dar ao meu pai motivos para dizer que não estou comprometido com o meu cargo aqui dentro. Fecho o zíper do traje, coloco os cintos em meu quadril e pernas. Encaro meu reflexo no espelho e me pergunto quando foi que saí do garoto que passava horas mexendo em programas em seu computador, para o líder de uma comunidade que anda por aí armado até o pescoço esperando que isso lhe dê uma chance de sobreviver.

Amor entre golpes - DuskwoodOnde histórias criam vida. Descubra agora