O frio coração

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Era uma vez uma linda menina (para aqueles que são românticos). Era uma vez uma forte e emancipada mulher (para os progressistas). E para aqueles que realmente conseguiam ver a verdade era apenas uma menina, vazia de sentimentos e emoções, talvez perdida e que nada de importante tinha de fato a oferecer. Ela passeava com os cachorros.
Estava deitada na cama olhando para o teto, perdida e sem vida. O telefone tocou, mais um dia de trabalho, mais bocas para alimentar, mais surpresas fétidas para limpar. Shitszu, um cachorro que de seu lugar de origem tinha tido vantagem da quantidade e tipo de pelo que protegiam sua sensível pele do frio, também tinha tido sorte, pois cachorro de rei era. Levantou-se da cama vestiu o velho jeans da emancipação feminina e dirigiu-se até a porta da cozinha que também era a de saída, porém antes de sair lembrou que não tomou banho, não estava fedendo então tomaria banho na volta quando acabasse o serviço (para os progressistas: "Ela toma banho se quiser, não tem que agradar homem algum"; para os românticos e os que veem além: Talvez só estivesse com preguiça e atrasada demais para se dar tal luxo, além do mais estava frio). A caminho do trabalho a paisagem parecia um típico passeio no bairro do brooklin durante um dia nublado na década de oitenta. Chegou na casa da madame que a recebeu gentilmente apressada, entregou a guia e os cachorros e foi-se embora por mais uma semana. A menina passou o dia limpando e alimentando, passeando e voltando. Os animais são sempre os mesmos, carinhosos e carentes, embora silenciosos eles não mentem, dizem o que sentem em cada olhar e em cada um desses vivem a vida com esperança e em cada coração incendeiam uma chama eterna de amor e felicidade, e estes animais não eram diferentes. Na noite seguinte estava novamente deitada na cama olhando para o teto, sem vida, pensando tanto em si que de fato sua dor era egoista e cega quanto aos seus gentis vizinhos, que tanto lhe eram bons mas que para ela pouco era percebido disto. Como um milagre que todos os progressistas considerariam o fim de suas narrativas ouviu-se um latido choroso, o som da indiferença se rompendo era tão alto e rugia de um modo que ao mesmo tempo era um espelho quebrando e no outro um trovão e relâmpago: Alto, vivo e ensurdecedor, macio e peludo, o cachorro. Virou o rosto e deu de cara com os olhos mais tristes e carinhosos, repletos de amor e de esperança, carentes pelo amor da menina,ela o olhou por um tempo, "por que alguém iria querer um cachorro como você?não serve para nada, nem para caçar serve, por que te ter se nada tem a oferecer?" Pegou o cachorro pelas patas dianteiras e o encarou olho no olho, ele lambeu seu nariz e ambos riram," talvez a maior coisa que possamos oferecer nessa vida seja o amor, puro e incondicional de um cachorro". Sentiu algo em seu coração, parecia que este começara a bater, talvez o gelo em seu coração estivesse começando a derreter e um sentimento de entrega e carinho em prol de outros germinou em seu peito, abraçou o animalzinho com toda força que teve e soluçou sobre ele,era verdade, ela estava viva, e assim ficou.
No dia seguinte retornou para as asas do pai, o patriarca, "Qual é?! Todos precisamos dar e receber amor! De fato não sou progressista e não quero estar só! Ainda preciso de alguém que cuide de mim", lembrou-se de seu antigo amor, dos pais e dos vizinhos gentis e deles cuidou.
Quando jovem achava que precisava de emancipação, ser livre, vestir e fazer o que quiser e mais ainda não precisar de ninguém, porém o que de fato aprendeu é que não voltou porque sua vida necessitasse de alguém para ser feliz, embora todos precisem de família e amigos na vida, mas por perceber que se não pudesse oferecer nada, se só passa-se seus dias em sofrimentos egoistas, jamais poderia oferecer algo e partilhar do seu amor com sua família e o cachorrinho (pois não existe nada mais miserável do que não ter amor para dar). Enfim, este que por sua vez salvara sua vida e a despertara para a realidade estava a caminho da casa da madame pelas ensolaradas ruas do Brooklin ensolarado da menina. Ao chegarem em frente a casa pararam, ambos estáticos frente a possibilidade de uma despedida final, era a hora, a menina se abaixou e encostou sua testa na cabecinha peluda do animal  e a beijou "Obrigada, minha amiga, fique em paz e que deus te abençoe, por tudo o fizeste por mim", tocou a campainha e despediram-se com ambos os corações batendo, a vida de ambos jamais seria a mesma, assim disseram os românticos e os que veem além.

Contos 16: histórias de CeciOnde histórias criam vida. Descubra agora