Capítulo 1 - Relógio Perverso

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Capítulo revisado

Detesto relógios. Embora nem sempre tenha nutrido essa antipatia por esse objeto tão precioso, que nos oferece a medida exata do tempo passado e nos ajuda a gerenciar nossas rotinas com assertividade, após aquele fatídico episódio, em que o médico se aproximou de nós com cuidado, ostentando um olhar de compaixão e pronunciando três palavras cruéis, o relógio se tornou meu maior inimigo, fazendo-me temer o transcorrer dos segundos, que parecem cada vez mais preciosos e efêmeros.

Desde aquele dia fatídico, em que as palavras do médico ecoaram em meus ouvidos com uma melancólica sinceridade, eu aprendi a desconfiar do tempo e do relógio. Como se fossem dois cúmplices em um crime cruel e premeditado, ambos conspiram para jogar na minha cara a minha própria incompetência em gerenciar o tempo e as minhas rotinas.

Às vezes, eu me pego pensando que, talvez, se eu não tivesse levado tanto tempo para levá-la ao hospital, ela estivesse viva. Mas aí eu me dou conta de que isso é uma ilusão tola e que, na verdade, o tempo é um fator que não podemos controlar, e o relógio é apenas um objeto que nos ajuda a medir esse fator inexorável.

No fim das contas, tanto o tempo quanto o relógio são apenas peças em um jogo cujo resultado é incerto e imprevisível. Se há algo que eu aprendi desde aquele dia é que a vida é breve e preciosa demais para ser desperdiçada com coisas fúteis ou com preocupações desnecessárias. O tempo é cruel e o relógio é perverso, mas cabe a nós decidir como enfrentá-los e como viver a vida da forma mais plena e significativa possível.

As palavras ditas, a propósito, foram: Eu sinto muito.

Desde aquela trágica manhã, as palavras do médico ecoam como um lamento constante em minha mente, como se fossem a única fala capaz de expressar adequadamente a minha dor. A perda de uma mãe é como ter uma parte essencial arrancada do seu ser, algo que te deixa incompleto e desnorteado.

Ainda assim, me questiono sobre o que acontece com as almas quando deixam esse mundo. Seria uma viagem para outro plano de existência, onde não há mais dor ou sofrimento? Ou seria apenas um adeus sem volta, uma passagem impossível de ser revertida?

Enquanto minha família se consola na crença religiosa, eu me permito questionar o desconhecido. Não sou religioso, mas acredito que a vida é uma jornada com um começo e um fim, e que cabe a cada um de nós encontrar um sentido nessa inevitável passagem pelo mundo.

Ainda assim, aquelas fatídicas palavras proferidas pelo médico me fazem refletir sobre a fugacidade da vida e sobre a importância de valorizar cada momento ao lado daqueles que amamos. Pois, no fim das contas, o tempo é o único recurso irreversível que temos, enquanto a saudade e as lembranças nos acompanharam para sempre.

Desde que me entendo por gente, o relógio sempre foi uma presença constante em minha vida. Ele demarcou momentos que, de alguma forma, deixaram marcas profundas em meu ser. A hora em que minha mãe morreu, por exemplo, ficou gravada em minha memória: 23:34. Na mesma medida, o relógio também marcou o instante em que quebrei meu pulso esquerdo: 09:12. Foram momentos distintos, mas igualmente dolorosos, que me fizeram perceber o quanto somos frágeis diante da vida e dos imprevistos que ela pode nos trazer.

Entretanto, talvez haja um momento em que a passagem implacável do tempo se torna ainda mais evidente. Foi quando as coisas mudaram em nossa perfeita relação familiar. Naquela hora, o relógio marcou o instante em que mamãe partiu para um lugar distante e desconhecido, enquanto eu fiquei aqui, com a sensação de ter sido deixado para trás. Não fui ao cemitério quando ela foi enterrada, mas isso não significa que não chorei por ela. Muitas vezes, as saudades apertaram meu coração e revi na memória momentos felizes que passamos juntos.

Afogue as Lágrimas - Histórias Baianas • Livro 3 (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora