Capítulo 26

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— Quando fui banida, eu não tinha muitos lugares que pudesse realmente ir ou que conhecesse, afinal, eu não estava mais no Mundo Desperto há séculos. Então voltei às minhas origens — começou — E fiquei lá por um tempo, fiz as proteções necessárias e passei a viver consideravelmente bem. Foi então que Tarot passou a ficar fraco, e então, faleceu. Ele não estava habituado com o ambiente fora do Sonhar, e não resistiu por muito mais que quatro meses.

Agnes respirou fundo, lembrando da primeira perda do seu gato.

— A sua essência mágica não poderia ser suportada neste mundo. E quando ele morreu, eu caí — ela secou uma lágrima antes que escorresse pela bochecha e tentou ignorar o nó na garganta — Tudo o que eu tinha, tudo com o que eu vivia passou a escapar pelos meus dedos. Foi extremamente solitário, e eu não pratiquei magia por um longo tempo. Depois de cinco anos, Tarot apareceu de novo na minha porta e assim tem sido desde então. Eu fico sozinha e espero ele retornar, porque eu sei que ele é a única coisa que volta para mim.

O silêncio da chuva fez com que Agnes se tornasse ainda mais imersa em suas memórias, especialmente com o tempo em que ficou solitária na sua antiga casa, tendo apenas a sua presença enquanto fantasmas do passado a visitavam quando estava dormindo.

E principalmente, quando estava acordada.

— Eu ainda sinto os horrores daquele tempo. E tudo piorou quando presenciei a Segunda Guerra Mundial, ali eu soube que o livro do caos não era nada perto da crueldade humana. Fui enfermeira por um tempo ajudando os britânicos, e tentando impedi-los de morrer sem chamar a atenção para a minha magia, até que eu vi ela — a bruxa olhou o Perpétuo e desta vez, não fez questão de esconder a lágrima que escorreu — Minha irmã.

— Reencarnação — concluiu Morpheus.

— Ela morreu logo, foi resgatada em condições inumanas dos campos de concentração e eu chorei novamente porque tive que enterrá-la. Depois, eu me afastei novamente da humanidade e me isolei na minha velha casa.

— Agnes...

— Aos poucos, tudo foi melhorando. Tarot, em sua versão de gato siamês, me incentivou a buscar conhecer o mundo que eu estava perdendo e bem, passei a usar meus conhecimentos medicinais para criar uma pequena loja, que foi crescendo e se expandindo. Foi o que me permitiu ganhar dinheiro, sobreviver em meio às constantes mudanças.

A bruxa olhou a chuva e deu um leve sorriso.

— Depois de um tempo estabelecida, eu novamente encontrei minha irmã e ela nasceu doente, algo raro que encurtaria sua vida e eu tive que recorrer as Graças — explicou — Pedi para que a vida dela fosse prolongada, e que eu ajudaria elas no que precisasse, iria ter essa dívida da qual estou sendo cobrada agora — olhou para Morpheus — Não estou aqui por você, mas sim porque no passado implorei para que minha irmã vivesse e tivesse um futuro que não teve em nenhuma das vidas. Quebrei sua maldição.

O Perpétuo observou que ela não escondia as lágrimas, apenas deixavam que escorresse pelo seu rosto como se elas já fossem velhas conhecidas e não algo para se envergonhar.

— Talvez seja o seu defeito, pensar em outros em vez de si — respondeu o lorde do Sonhar — Fez isso antes, e faz agora.

Um leve sorriso passou pelos lábios dela, momento que Morpheus apreciou o ato.

— É minha condição, pensar nos outros antes de mim para que tudo fique bem no final. Por que eu amo, não tenho medo de sacrificar minha alma se isso significar que ficarão bem — ela olhou para os olhos dele, que pareciam conter estrelas e mais galáxias aprisionadas ali dentro — Se minha condição de imortalidade é essa, eu a aceito de bom grado.

— Mas e sua irmã?

— Ela está vivendo, fez 20 anos recentemente e bom, eu a observo de vez em quando de uma forma saudável para saber se ela está bem. Também encontro um amigo de vez em quando, apenas para discutirmos nossas condições, ele me ajudou a me estabilizar ainda melhor neste mundo moderno, sou grata a ele.

A mão de Morpheus se dirigiu para a bochecha da garota, secando a lágrima que ameaçava chegar ao seu queixo.

— Imagino que houveram muitas destas — disse se referindo a lágrima — E eu lamento pelo o que passou, Agnes Howe.

— Eu acho que precisava crescer e mesmo que fosse em condições de chutes na bunda do reino onde morava — ela ironizou fazendo ele rir — Acho que me encontrei. Ou ao menos, estou me encontrando.

Os dois ficaram parados se olhando e Morpheus pode notar que ela não estava mais sendo a garota que era quando a conheceu, ou antes de ser aprisionado. Agnes Howe amadureceu, havia desabrochado como uma flor e resistido como uma árvore em meio a tempestade que poderia quebrá-la, mas apenas a fortaleceu mais e mais.

Já Agnes, observou que ele não estava com os mesmos olhos duros que tinha desde que o conheceu, e mesmo que ainda estivesse de uma forma contida, eram mais acolhedores, fazendo com que ela sentisse que estava se apaixonando de novo.

Ou reativando o sentimento.

Percebendo que estava ficando muito perto do Perpétuo, Agnes recuou alguns passos e olhou para o outro lado, ou qualquer ponto no local onde eles estavam somente para não olhar mais para ele e ficar constrangida.

Foi então que se deu conta e percebeu que havia algo errado no ar.

— Johanna está demorando muito — constatou e Matthew voou para o ombro dela — Pode ver se algo está errado?

— Pra já patroa — disse o corvo e antes que levantasse vôo, Morpheus abriu a porta do prédio.

— Não há tempo — declarou o Perpétuo entrando no edifício e somente seguindo a magia que conhecia muito bem porque lhe pertencia.

Foi então que Agnes percebeu que se Johanna ficasse muito tempo parada dentro do apartamento, ficaria enfeitiçada e morreria tal como Rachel estava morrendo.

— Merda! — praguejou antes de sair correndo atrás de Morpheus e Matthew se dirigiu aos céus, sobrevoando o lado de fora, em busca de uma janela para que pudesse deter o pior.

•─⊱✨⊰─•

Notas da autora: Hey pessoal, como estão?

E este foi o passado da Agnes no mundo humano, triste não? A carga emocional deste capítulo ficou muito pesada então dei aquela cortada básica para não sair geral daqui abalado (se é que tem como).

Me digam o que estão achando, quero saber de tudo!

Até o próximo!

O Feitiço do Sonho - SandmanOnde histórias criam vida. Descubra agora