Uma nova mulher

639 55 0
                                    

A amiga de Mirela estava fora do país, segundo a filha dela, uma mulher que devia ter mais ou menos sua idade, preparando um desfile em Nova York. A filha a substituía em sua ausência. Era energética, simpática e alto-astral, indicava, com o auxilio de outras duas mulheres que tiraram suas medidas, milhares de looks para o dia-a-dia, para o trabalho, informais e formais, enquanto falava de si e arrancava poucas confissões de Paulina.

— Também tenho a minha própria loja — informou. — Mais tarde pode visita-la.

Mirela riu.

— Não imagino Paulina lá, mas quem sabe.

— Mirela é nossa melhor cliente e já falou muito de você. Você é linda como ela descrever e tem um corpo e rosto divinos — comentou apertando seu rosto entre as mãos. — Tenho tantas ideias que combinam com você, principalmente se quiser dar uma incrementada ousadia.

Largou seu rosto para pegar o celular que tocava uma melodia pop. Sorria ao atender e pelo tom, falava com o namorado. Mesmo não querendo, acabou prestando atenção a ligação quando ela riu alto e disse:

— Amorzinho, estou fazendo a festa com seu cartão sem limite. Você vai amar a lingerie que escolhi pensando em você.

Paulina a encarou confusa, recebendo uma piscada.

Assim que ela encerrou o telefonema, Paulina não aguentou a curiosidade.

— Porque não disse que está no trabalho?

— Se eu dissesse que estou no trabalho ele enfartaria, pode ter certeza disso. — Riu, afastando a franja longa e loira que caia sobre um lado de seu rosto. — E é divertido.

Mesmo sem entender, Paulina preferiu não fazer novas perguntas.

Todas as roupas eram lindas, mas não se imaginava usando nenhuma delas. Pelas etiquetas nem mesmo tinha dinheiro suficiente para leva-las. Mas sempre que recusava um novo modelo, Mirela insistia que provasse e, quando se negou a pegar novas peças, falou que seria um presente dela.

— Mirela, agradeço, mas não posso aceitar.

— Façamos o seguinte. Eu te dou essas roupas em troca das suas.

— Não faz sentido.

— Doarei para as instituições que ajudo, as roupas e o valor do que comprar hoje. — Paulina continuou a se negar, até Mirela apelar para seu lado sentimental. — Pense em todas as crianças que ajudará com o dinheiro da venda das suas roupas e do valor que gastar aqui.

Dando-se por vencida, concordou, mas selecionou metade do que lhe empurravam.

— Agora precisamos de lingeries.

Deixou-se levar pelas escolhas delas, pouco opinando sobre as rendas e transparências que destoavam das peças de algodão que normalmente comprava. Ao fim, mesmo recusando vários modelos, diversas sacolas foram depositadas no porta-malas do carro de Mirela.

— E esse é um presentinho especial da minha loja. Considere um convite. — aceitou a caixinha prata que lhe estendia. — Todas as minhas clientes adoram. É pra ser usada com companhia ou sozinha, não tem nada melhor.

— Isabele! — Mirela riu e a loira piscou um olho azulado para Paulina.

Sem entender nada, Paulina guardou a caixa em uma sacola e se despediu com abraço e beijos, dados pela loira e retribuídos com timidez.

Sentada no banco de passageiros da frente, com Mirela tagarelando sobre as maravilhas que um dia de compras fazia no espirito de uma pessoa, Paulina só desejava voltar para casa, aprender tudo o mais rápido possível e reconquistar Nathaniel antes da data que escolheram para casar. Tudo que fazia, pensava e aceitava era pelo grande amor de sua vida, era por Nathaniel.

~*~

Mirela não se contentara em mudar seu guarda-roupa, os sapatos e o cuidado com a beleza – segundo ela – também eram peças fundamentais para o estilo. Depois de horas experimentando pares, se seguiu horas em um salão de beleza para cuidarem de seu corpo de cima a baixo.

Sentiu-se como uma boneca de pano a mercê das vontades de Mirela. Negar-se não adiantava a Salvatore sempre achava um argumento para quebrar sua resistência. O único que conseguiu, recusando com firmeza, foi não cortarem seu cabelo. Por mais que Mirela e o cabelereiro dissessem que ficaria linda com os fios acima dos ombros, a mera ideia de Simon cancelar as aulas, por achar que ela queria ser Cherry, a fez resistir bravamente à insistência da mãe dele. Quando finalmente Mirela cansou de molda-la, recebeu permissão para voltar ao apartamento de Simon.

Durante o caminho Mirela fez diversas ligações. O que Paulina reprovava em silêncio, pois seu pai sempre dizia que isso distraia o motorista, limitando-se a ouvir as conversas em viva-voz. Porém, quando Mirela comandou empregados da mansão a ir ao apartamento de Simon, empacotar e levar todas as roupas e sapatos de Paulina para o bazar de um orfanato, não conseguiu ficar em silêncio.

— Pensei que eu poderia escolher quais seriam levadas — reclamou, mesmo não querendo soar mal agradecida.

— Foi o combinado, filha.

— Eu sei, mas... — apertou os lábios, incerta do que dizer. Falar que algumas daquelas peças tinham sido feitas por sua mãe pareceria infantil. Ela morrera a mais de oito anos, e mesmo quando viva jamais reclamava quando uma das filhas - normalmente Paola - não gostava ou se desfazia do que costurava.

— Era o que estava na sua lista: mudar completamente de visual — recordou Mirela. — Se deixasse as antigas, acabaria usando-as em vez das novas, e não é isso que queremos.

Não, não era. Ela queria ser uma nova mulher, queria estilo, uma nova atitude e ter Nathaniel, de preferência antes da data do casamento.

Conformada, aceitou a ajuda de três homens, que Mirela chamara para empacotar suas roupas antigas, para levar suas novas vestimentas para o apartamento, lançando um olhar rápido para as caixas pousadas no chão do quarto, prontas para serem fechadas e levadas. Até mesmo a roupa que usava teve de ser levada, após troca-las por uma saia lápis azul marinho e uma camisa de seda creme com mangas longas e laço na gola, por cima um tailleur preto que se ajustava a suas curvas. Teria cuidado dobrado para não suja-las, mas, no geral, adorara o modelo, era diferente das roupas que costumava usar no trabalho, mas passavam a seriedade que o cargo exigia e a deixava bonita. Nos pés sapatilhas pretas, mesmo que quisesse os saltos eram inviáveis no dia-a-dia.

A tarde passou na academia para entregar os documentos e fazer os exames que pediam no consultório deles. Teria os resultados e sua carteirinha no dia seguinte, se conseguisse voltar...

Observar através das portas de vidro, que separavam a recepção dos equipamentos, os corpos malhados e esbeltos das mulheres do prédio tinham baixado para zero sua vontade de ir à academia. Com exceção dos peitos, seu corpo com quadril grande, pernas grossas e gordurinhas não aguentaria tamanha exposição.

Ensina-me ~ DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora