Capítulo seis

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Daisuke ligou novamente na noite seguinte, e de novo algumas noites depois, e mais uma vez na semana que se seguiu, mas esse foi o seu limite. Depois disso a necessidade de simplesmente conversar diminuiu e ele finalmente começou a se incomodar com o fato de que suas conversas eram monitoradas. Isso, e o fato de que ele não tinha mais nada a dizer sobre os seus captores vampíricos. Queria tanto ter uma conversa que não revolvesse ao redor de Akihito e Haruka, mas Charlotte continuava não falando da família e não parecia no humor para pequenas reflexões como "será que sereios tem nojo de camarões igual humanos tem nojo de baratas?" seguida por "Será que o DECEPA no litoral às vezes encontra sereios?".

Assim sendo, achava que essa quinta ligação seria o adeus definitivo.

— Dai? Você ainda está aí?

— Ah... estou. Desculpa.

— Você está quieto hoje.

Não sabia ao certo como responder a isso. Decidiu mudar o foco da conversa.

— Acho que eu cansei de falar de mim. Eu queria saber de vocês.

Ele conseguiu ouvir quando Charlotte prendeu o fôlego, alarmada. Fingiu ignorância. Acima de tudo fingiu que não estava ofendido. Não estava perguntando "Eu quero saber os horários das patrulhas dos caçadores para poder interceptar vocês" e nem "eu quero saber o trajeto que você tem feito de volta pra casa para poder te sequestrar". Depois de responder as perguntas extremamente específicas deles — "Que vampiros visitam o Akihito?", "Quantos vampiros moram na mansão?", "Você tem alguma estimativa de quantos moram fora?", "Quantos segunda-classe e quantos terceira?" — achava que merecia pelo menos um pouquinho de confiança.

Ainda houve uma demora razoável do outro lado da linha, mas finalmente Charlotte respondeu.

— Bem, a copa tem uma cafeteira nova. Daquelas de cápsula. A maioria do pessoal prefere a cafeteira velha, mas a gente tem um revesamento para repor as cápsulas. A Carol só traz sabor capuccino, e o Wendell gosta de trazer uns sabores estranhos.

— Tipo o que? — Daisuke perguntou, e não teve que fingir empolgação. Era exatamente esse o tipo de conversa do qual sentia falta.

— Café com toque de maçã verde. Capuccino de chocolate branco. Café com pimenta.

— E são bons?

Café não fazia mais efeito para Daisuke. Essa fora uma das bebidas que testara com Hana. Independente do horário ou quantidade que bebesse, o café não deixava Daisuke mais desperto ou energético. Sem essa função, fora forçado a admitir que não tinha muito apreço pela bebida. Charlotte pelo visto também não, e por isso encarava os sabores novos como uma surpresa agradável, mas aparentemente os "puristas do café" achavam os sabores que Wendell trazia uma espécie de heresia.

Charlotte contava histórias muito bem. Quando ela terminou de narrar a epopeia do café, Daisuke estava rindo. Percebeu que era a primeira vez em um longo, longo tempo.

— Charly... obrigado. Eu precisava disso. Na verdade, eu acho que eu liguei para conseguir exatamente isso. Então obrigado. Mas eu acho que a inteligência não vai gostar de ficar filtrando horas e horas de gravação só pra ouvir as suas histórias. Eu deveria ir. E... hmm... não sei se vou ligar de novo tão cedo.

Esperou que ela dissesse alguma coisa. Estava quase desistindo quando ouviu um barulhinho ritmado. Era bem baixo, mal viajava pelo telefone, e Daisuke não tinha certeza se um humano seria capaz de ouvir.

Era código Morse. Charlotte era boa nisso, uma espécie de hobbie entre ela e o marido, para trocar mensagens à mesa de jantar que eles não achavam apropriadas para os ouvidos do filho. Daisuke aprendera o alfabeto, mas só sabia reconhecer com prontidão o padrão de "SOS". Não era isso que Charlotte estava batucando agora.

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