CAP 9

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A Memória. 
Viva por ela ou viva dentro dela. 
Não há terceira opção, a memória é algo que perdura.

Livro I "Sentimentos Que Se Rompem Na Ponta De Uma Espada"
Capítulo 9: "Miosótis"

“Patriarca Yilling quem será? Porque estão agradecendo aos deuses por ele está morto?” pensa Xie Lian se encostando em uma árvore e continuando a escutar os murmúrios, a penumbra da noite ilumina as espadas dos possíveis cultivadores, essa é a única coisa que ele consegue identificar.

—Ei Su She, quem deu um fim aquele demônio? Nos diga, devemos enviar tributos a este nobre homem.— um cultivador aleatório diz enquanto se aproxima do homem que estava revirando algumas bolsas a procura de algo que ninguém se deu ao trabalho de descobrir. O denominado Su She se vira e encara o cultivador:

—O honorável chefe do Clã Jiang foi quem, corajosamente, deu fim ao Maldito Wei Wuxian.— Xie Lian ao ouvir as palavras proferidas pode sentir seu coração errar algumas batidas, o que ele acabou de ouvir só pode estar errado, ele não quer acreditar que aqueles cultivadores desconhecidos estavam falando de seu pequeno A-xian, o imperador se esgueira entre as árvores e se aproxima mais na intenção de ouvir com clareza o que era dito.

—Não, está errado. Eu ouvi dizer que o demônio foi morto pelas próprias marionetes.— diz outro homem se intrometendo na conversa.

—É verdade, eu ouvi dizer que ele cometeu suicídio, as marionetes que ele controlava devoraram ele vivo.— um homem alto e com um sorriso de dentes tortos diz.

—Ele mereceu, após assassinar as pessoas que o ajudaram, só um homem sem escrúpulos como ele morderia a mão de quem o alimentou.—um deles diz.

—Sinto pena da pequena criança Jin, perdeu os pais tão novo, tudo por culpa de um monstro vil.—Su She vendo que a conversa seguia para um caminho obscuro corta o assunto: 

—Parem de tagarelar vamos embora desse lugar amaldiçoado pelos deuses, a única coisa que importa agora é que o mal foi eliminado deste mundo e não devem se preocupar com nada mais. Tomem suas moedas de prata e façam o trabalho de vocês, espalhem a notícia de que o Patriarca Yilling foi morto, digam a todos que o demônio finalmente pagou pelos seus pecados.—
Su She distribui os sacos de moedas aos três homens e no final da ação ele adiciona.
—Não se esqueçam de falarem que às quatro grandes seitas eliminaram o mal deste mundo e que o nosso querido cultivador chefe Jin Guangshan irá realizar uma festa de comemoração e agradecimento aos deuses na grande torre de carpa.— os homens ouvem atentamente cada palavra que Su She diz, no entanto, um deles toma a frente e pergunta:

—Se perguntarem como Wei Wuxian morreu, o que devemos dizer?—Su She olha com tédio para os três e responde:

 —Não me interessa digam qualquer coisa ninguém realmente liga para como um servo sujo morre, as pessoas vão estar aliviadas, não preocupadas em como ele morreu.—os três homens dão um leve aceno, fazem uma reverência e se retiram. Sem esperar muito naquele lugar Su She se prepara e também se retira rapidamente da obscura Colina da sepultura.

Xie Lian está de joelhos, ele pode sentir o suor se acumulando em seu pescoço e testa, porém ele está ocupado demais em não conseguir respirar. Seus pulmões queimam com o esforço falho em filtrar o ar, o alfa abre a boca em uma tentativa de facilitar a entrada de ar, no entanto, o esforço é em vão o ar está quente, seus olhos queimam com o pânico ali presente. Ele sente o sangue em suas veias queimarem, uma mão voa para seu peito e ali ele aperta até que suas unhas cravem no local acima de seu coração.

—Está morto.— Ele diz com dificuldade mesmo que ninguém o escute —Está morto, ele está realmente morto.—
Xie Lian ainda sem ar põe o seu corpo reto enquanto observa a escuridão do céu, e inconscientemente lágrimas quentes escorrem de seu rosto, ele esta finalmente chorando, Ele sente que toda a dor que carregava até aquele momento foi derramada junto com aquelas lágrimas e então ele fica assim por alguns minutos sofrendo em um silêncio que só ele presencia, até que as lágrimas começam a secar de sua face e é quando ele decide se levantar. O imperador começa a percorrer um caminho curto até chegar ao local antes em chamas, ele pode observar que tudo está queimado, nada sobreviveu ao fogo, quaisquer que sejam as pessoas que moravam ali já não existia nenhum rastro delas, as memórias que aquele local possuía foram devoradas pelas chamas como se não fossem nada. Ele fica ali um pouco contemplando às memórias que foram perdidas, com o canto dos olhos ele pode observar a boca de uma caverna e esse local se torna o centro de sua atenção e logo ele começa a andar na direção dela, quando se aproxima o suficiente Xie Lian pode perceber uma barreira imperceptível na entrada bloqueando o caminho, quando se aproxima ele se surpreende por ela tê-lo deixado passar. Adentrando a caverna escura ele pode notar muitos talismãs diferentes grudados em todos os cantos, parando no centro da caverna ele pode notar uma mesa, ou melhor dizendo uma pedra que foi transformada em mesa. Cheia de papéis e pergaminhos, olhando bem ele pode observar que todos estão preenchidos com palavras e alguns desenhos, Xie Lian anda até a mesa de pedra e pega um pergaminho na mão, ele sente suas mãos tremerem ao observa a letra de seu filho, as bordas e formas bem desenhadas uma caligrafia definitivamente elegante, ele sorri em um bufo com a memória distante de si próprio ensinando seus filhos a escrever, pelo menos não herdaram a péssima caligrafia de seu marido.

San Lang, seu lindo San Lang, ele se lembra do seu marido e logo franze a testa com a perspectiva de que ele está sozinho sofrendo pela perda de seu filho, o alfa larga os papéis na mesa e se vira com a intenção de se retirar, a ação é interceptada por uma rachadura no chão que o faz perder o equilíbrio, o ambiente começa a se fragmentar e antes que tudo desmorone ele sente um novo puxão e ele é transportado novamente. Dessa vez ele não se encontra em lugar nenhum, ao seu redor só o que ele pode observar é um vazio tremendo, seu olhar se fixa para a figura agachada em posição de lótus a máscara nem sorrindo, nem chorando não mente a presença de Bai Wuxiang, Xie Lian pode sentir seus punhos cerrarem em uma posição defensiva, a entidade presente sorri por trás da máscara com a ação.

—Olha o que temos aqui, devo me desculpar por não ter nada a oferecer para vossa alteza.— o tom falsamente cortês do fantasma faz Xie Lian ranger os dentes.

—O que você fez dessa vez Bai Wuxiang, onde eu estou?— a entidade se mantém na mesma posição mas a risada divertida que ele dá com as palavras proferidas faz o imperador se sentir ameaçado.

—Que pessimismo, porque você acha que eu fiz algo? Você deveria estar perguntando o que você fez não é?!— Ele apoia o rosto na palma da mão em uma posição contemplativa ele observa o rosto de Xie Lian se contorcer em culpa.

—Onde eu estou? Como saio daqui? O que foram aquelas memórias?—Ele dispara perguntas na direção da entidade.

—Aquelas foram memórias suas, quer dizer não totalmente suas, estamos na sua cabeça, ou melhor, estamos na sua alma, na parte mais profunda e escura dela. Um lugar bem aconchegante você não acha?—o cinismo é óbvio na voz do homem. 

—O que você está fazendo aqui? Você ainda não me respondeu como saio daqui?— Ele pergunta novamente só que dessa vez já com raiva de toda aquela situação.

—Eu sempre estive aqui, na sua mente, habitando sua alma. Eu sempre fui uma parte sua alteza.— Ele ri, Xie Lian vendo que não estava obtendo a resposta que queria fecha o punho e avança na direção do fantasma, a intenção dele era socar aquela máscara horrenda, no entanto, quando seu punho está perto de entrar em contato com o outro a mão da entidade o para.

—Sua alteza, eu já lhe disse no passado eu sou uma parte sua e eu sempre serei não adianta mentir para si próprio, a verdade é um fogo purificador que queima as mentiras que contamos aos outros e as mentiras que contamos a nós mesmos, me perdoe alteza pelo o que direi agora, mas sua majestade é um grande mentiroso.—
Xie Lian se contorce em seus próprios sentimentos a realidade o atinge, ele sabe ele sempre soube e se culpa eternamente por saber.

—Sua alteza deveria saber o fim desse magnífico banquete até porque todas as coisas acabam.— a voz do fantasma fica cada vez mais distante e quando ele menos espera ele acorda, ele desperta e pode sentir suas mãos presas em um aperto firme, existe uma lâmina apontada para seu peito e seu marido, seu lindo San Lang, está ajoelhado na sua frente olhando seriamente para seus olhos, mas logo quando o olhar dos dois se prendem Xie Lian pode observar a expressão dele relaxar em reconhecimento, ele pode sentir o cheiro apimentado e floral de Hua Cheng invadir seus sentidos, as mãos que o prendiam soltam o aperto e a ponta do sabre desaparece, no entanto, o foco do alfa é seu marido, eles se abraçam fortemente como se a qualquer momento um dos dois fosse desaparecer, separando minimamente o abraço Xie Lian segura o rosto de Hua Cheng em suas mãos e diz.

—S-san Lang, nosso menino... - Xie Lian pode sentir as lágrimas encherem seus olhos - Eu-eu sabia, eu sabia o que ia acontecer. Eu vi tudo San Lang, desde o dia em que ele nasceu eu sabia—.

O rosto de Hua Cheng se contrai em sofrimento e ele beija a testa e as pálpebras do imperador, uma lágrima escorre do rosto da calamidade e assim ele e Xie Lian compartilham pela primeira vez suas dores, é uma visão lamentável para todos os outros presentes, tão lamentável que nenhum deles ousa erguer o olhar para observar o sofrimento de dois pais, o ato é meramente humano.

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