Part. 3

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- ...os boicotes de ônibus no Alabama servem como incentivo para outros negros que seguem protestando e se recusando a obedecer leis e... - meu pai desliga o radio com raiva, cortando a voz do locutor que narrava os fatos com a mesma falta de paciência. Ele pragueja ao se levantar da cadeira e, descendo os degraus da varanda, vai em direção ao celeiro. Nesses últimos dias, várias noticias vem retratando os protestos dos negros, que parecem ser cada vez mais intensos. Tento ouvir as noticias, mas meu pai sempre desliga o radio na hora do jornal. Estou extremamente nervosa. Fico olhando para todos os lados sempre que ando pelo pátio ou pelo campo. Tenho medo. Não posso imaginar o que meu pai faria se soubesse.

Tremo só de pensar. Por isso sou cuidadosa, e ele também é. Pois tem mais a perder. Luna desce as escadas batendo os pés.

- Esses negros malditos! - vocifera - Sempre deixam o papai nervoso...

Sua voz fina continua a ressoar em meus ouvidos, mas afasto o pensamento de suas palavras maldosas. Saio para a varanda, deixando Luna gritando comigo para trás, e quando a porta se fecha atrás de mim, suspiro.

- Você é especial Lize Woods. O destino tem um plano pra você! - a voz de mama ecoa em minha alma, como se trazida pelo vento.

- É tão difícil sem você aqui mama... - sussurro. E eu espero de todo meu coração que o vento leve meu clamor para longe, para junto de mama, e assim, ela poderá vir correndo e me deixará chorar mais uma vez em seu colo.

***

O passar dos dias tem sido  tão monótonos e frios, ainda estamos na metade do outono, mas o inverno já dá as caras e o vento cortante castiga meu rosto desprotegido. Jeremy já espera por mim na clareira, abaixo da figueira já bem velha. Levo contra o peito meu livro preferido, ao qual temos lido nas ultimas semanas. Ele me contou um dia sobre seu desejo de fazer faculdade, mas que primeiro teria que terminar os estudos em uma escola, já que havia parado á dois anos e meio. Sua escrita é boa, mas sua leitura não. Digo a ele que é falta de prática, por isso, dou aulas para ele quase todos os dias. Não sou uma excelente professora, como mama era, mas não sou de toda ruim. Tive que implorar para que ele permitisse que eu desse aulas á ele. Que só permitiu por medo de que eu iria mandá-lo embora...

- Então... - ele franze a testa e me olha, como se percebesse que não estou prestando atenção á sua leitura. Balanço a cabeça, e ele continua - Então, com suas mãos pequenas e frágeis, ela o toca pela primeira vez...

Gosto de ouvir a voz de Jeremy. Ela é serena, com um tom grave masculino que eu adoro. E quando lê, seus lábios ficam apertados, e sua testa, franzida. Suas mãos nunca permanecem paradas, estão sempre em movimento, seja torcendo o tecido da calça gasta ou arrancando a grama ao seu lado.

Fico maravilhada ao observá-lo, mas, ao mesmo tempo, assustada. As vezes, quando nossos braços ou pernas se tocam, fico arrepiada, e sei que minhas bochechas ficam vermelhas...

- Você não está prestando atenção em mim! - ele fecha o livro com um baque. O que me assusta. - Desculpe...

- Não, tudo bem, você tem razão. - digo, suspirando. - Estou aflita e... — chacoalho a cabeça, mandando os pensamentos para longe. — Deixe pra lá. Pode continuar se quiser.

Sei que ele não aceitou ter aulas comigo por respeito, e não tenho a ilusão de pensar que ele não me odeie. Vejo o desprezo em seu olhar, o modo como seu corpo se contrai quando eu o toco sem querer. Por mais que eu tente me aproximar dele e quebrar essa barreira entre nós, meus esforços não tem dado em nada. Ele sabe esconder bem seus sentimentos, pois as vezes quase acredito que ele está confortável com minha presença, mas um minuto depois, quando pergunto qualquer coisa sobre ele, a barreira se mostra mais uma vez, indestrutível. Muitas vezes decidi que iria parar com essa loucura, pois sei que Jeremy está aqui por medo e não por sua mera vontade. Só que, não consigo. Me parece egoísmo forçá-lo á isso, mas... Seu jeito calmo; e a forma como ele me faz sentir! Me sinto bem, confortável, e não quero perder isso, de jeito nenhum.

- Não. - ele diz. Pisco algumas vezes, confusa. Jeremy está, pela primeira vez, olhando diretamente para mim. - Não quero continuar.

Um sentimento de decepção me invade. Baixo a cabeça e cruzo as mãos. pigarreando, digo. - Tudo bem se você não quiser continuar. Eu entendo e peço desculpas.

Não consigo olhar em seus olhos. Sei que ele está olhando direto para mim, mas não me atrevo a erguer o olhar. Essa ideia era mesmo uma loucura, e idiota, sobretudo idiota. Fico alguns minutos sentada a sua frente, só então percebo que ele provavelmente quer que eu saia. Levanto, pegando o livro de suas mãos, sem tocá-las, e simplesmente viro-me pra ir embora.

Como sou tonta. Nem todos são como mama. Nem brancos nem negros. Talvez nem eu seja.

— Eu não disse isso, Lize. - Jeremy está de pé agora, perto o suficiente para eu sentir sua respiração.

Meu corpo fica retesado, completamente imóvel. Bem, pelo menos agora eu sei que ele não esqueceu meu nome.

— Eu só quis dizer que não queria continuar lendo. - seus olhos verdes fitam os meus quando me viro. - E não parar de vez com as aulas.- Oh, sim. Desculpe. - me sinto uma idiota completa. Parabéns Lize, ele deve pensar que você é burra. — Então, o que quer fazer, treinar a escrita talvez? Eu trouxe papel e caneta... Reviro o bolço do avental, procurando o pequeno lápis de carvão que ganhei de mama.

— Não sei... Podemos só - ele da de ombros, e é só então que percebo que ele está nervoso. - Conversar?

Pisco duas vezes, depois franzo a testa, preocupada. - Você está doente? — Não, o que!? - ele ri. Espera. Ele riu, riu de verdade!

Respiro fundo para afastar o nervosismo e toda a esperança tola que cresceu dentro de mim.

— OK, vamos conversar então. O que quer saber?

Jeremy se senta novamente, desta vez mais relaxado. - Sobre coisas.. Sobre você, talvez.

Agora é minha vez de rir. - Tá bom! - digo, incrédula, até ver em seu rosto que ele queria mesmo saber algo sobre mim. O que, acredite, me deixou pasma.

Reviro minha mente a procura de algo que não seja apenas ''Sou Lize Woods, tenho 17 anos e vivo numa fazenda de algodão. Minha mãe morreu a vários anos e meu pai nunca me olhou nos olhos desde que me conheço por gente! E você?''

- Acho que não tem nada de interessante sobre mim que você queira saber! Acredite. — tento sorrir para esconder a magoa que sinto por causa disso.

Ele não se dá por convencido e ergue a sobrancelha direita. É estranho esse outro lado dele, tento me acostumar com Jeremy sendo legal e simpático e não apenas sério e sem demonstrar emoção alguma, mas é dificil associar as duas coisas á mesma pessoa. Isso causa uma reviravolta enorme dentro de mim, o que dificulta meu raciocínio para responder a sua pergunta.

- OK, é... Sou Lize Woods, tenho 17 anos. Gosto de ler e... - meu Deus, e o que? - ... Minha cor favorita é azul, como o céu da primavera. Adoro os dias de neve em que os galhos das árvores ficam completamente congelados e ao por do sol, quando os raios estão baixos, eles refletem no gelo branco, o que eu acho lindo. Gosto da primavera por não ser muito quente nem muito frio, mas também gosto do calor do verão porque eu posso me refrescar no riacho, o que me faz lembrar de mama... - paro ao perceber meus olhos cheios d'água, disfarço o quanto posso, mas sei que ele já me viu chorando. - E sou um pouco emotiva!

O silencio que se segue me deixa nervosa, e percebo que Jeremy está pensando, como se decidindo algo. Mordo o lábio inferior esperando ele dizer alguma coisa.

- Meu nome é Jeremy, tenho 18 anos e... - ele sorri - Juro que não tem nada de interessante sobre mim que você queira saber!

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oiie meus lindus!

obg por seus votos e comentários!

*peço desculpa pela demora das postagens

e comentem, pf, adoro saber a opinião de vcs!

xoxo

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