Cap. 2 Part. 5

139 14 3
                                    

Lize:

Assim que sento-me á mesa, Luna bate palmas e já serve um prato recheado de mingau para ela. Coloco suco em meu copo e ofereço a papai, mas ele está concentrado no jornal á sua frente, e apenas nega com a cabeça.

-- O banco mandou mais cartas, papai. – comenta Luna, com a boca cheia.

-- Já vi, -- responde ele, ríspido. – Eles estão cobrando o algodão que á tempestade estragou! Não vou pagar, mas nem morto. Aqueles ladrões imprestáveis querem me falir, isso sim! Aquele Jack O' Brian não sabe o seu lugar, acha que é melhor do que todo mundo... – minha irmã lança-me um olhar esquisito, mas logo volta a prestar atenção em papai. – Tenho que ir á cidade, buscarei mais revistas pra você Luna, assim como me pediu, e comprarei mais algumas coisas para á fazenda... Não me esperem antes do amanhecer!

Com isso, ele sai da mesa, levando consigo um pedaço de bolo de cenoura.

-- O que ele tanto faz na cidade? – olho para Luna, que me fita do outro lado da mesa.

-- Não sei. Negócios, nada de mais. – diz, dando de ombros.

Depois de um tempo, fico finalmente sozinha na sala, sentada na frente da lareira. O único barulho que se ouve é o estalar das brasas e o cricrilar dos grilos na rua. Releio algumas partes do livro de capa grossa que peguei na biblioteca, gravando suas palavras, marcando com o lápis nos cantos das folhas o que acho mais importante.

Provavelmente Jeremy e eu só nos veremos em nossa próxima aula, semana que vem, quando ele treina com os cavalos de meu pai, mas quero entender bem as teorias de Platão, para ensiná-lo depois. Continuo estudando noite á dentro, sem me incomodar com meus olhos pesados de sono, ou minhas costas que doem por estarem na mesma posição á um bom tempo. Obrigo-me a parar quando o fogo começa a se apagar, porém, não vou para cama. Preciso ficar desperta, preciso manter minha mente alerta, preciso cansar meu corpo, usar o resto de energia que me resta. Não posso me permitir algumas horas de paz. Quero que a dor em meu corpo seja maior do que a que sinto em minha alma.

A porta de madeira se fecha devagar as minhas costas, rangendo com o mínimo movimento. Sento-me nas escadas da varanda, sentindo na pele o vento cortante do inverno. Olho para o céu, para as estrelas, para quem quer que esteja além delas, lembrando-me de todas ás vezes em que este mesmo céu foi alvo de milhões de perguntas. Perguntas ainda sem resposta.

***

Jeremy:

Olho mais uma vez para Lize. Seu corpo treme, mas ela se recusa a entrar. Porque ela não volta para o calor de sua casa? Pergunto-me se sua casa não é mais fria que á noite de hoje...

-- Tenham calma! – volto minha atenção ás pessoas ao meu redor. Todos estão aqui, reunidos mais uma vez para discutir o que faremos. Não sei por que ainda se incomodam de aparecer. Nunca chegamos a um consentimento. Nunca fazemos nada. As reuniões eram para decidirmos como dar um basta a toda essa escravidão que sofremos, mas nunca chegamos a uma conclusão. O medo ainda reina sobre eles, todos ainda têm muito que perder: filhos, esposas... Um preço alto de mais a se pagar, presumo. – Não adiantará de nada brigarmos entre nós. Lembrem-se de quem é o inimigo. Acalmem-se! – quando todos ficam em silencio mais uma vez, Dinks continua seu discurso de que a paz é a solução, que a violência não nos leva a lugar nenhum. Grande diferença. Não estamos indo á lugar nenhum sentados aqui, também.

-- Pensem em suas famílias, no que seus filhos e filhas farão sem um teto sobre suas cabeças! Temos que aceitar que nossa realidade é diferente do que a realidade na cidade... – paro de ouvir no momento em que volto a encarar Elizabeth, ainda sentada nas escadas da enorme varanda branca.

Alma NegraOnde histórias criam vida. Descubra agora