Cap. 2 Part. 7

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Outubro de 1904:

Eloisa aperta meus ombros, olhando em meus olhos.

-- Se por acaso... – ela funga, afastando as lágrimas. – Se por um acaso ele escolher você, faça tudo o que ele pedir. Tudo o que ele te pedir, tudo bem?

Olho para meu irmão caçula, que está tão assuntado quanto eu, pego o bebê de seu colo e começo a embalá-lo, ainda sem encarar Eloisa, que espera por uma resposta.

-- Mas, por quê? – resmungo.

Um soluço escapa de seus lábios e ela cobre a boca com as duas mãos, curvando-se para frente para me abraçar. O calor do dia escaldante fica impregnado dentro do cubículo que chamamos de quarto, onde minhas duas irmãs mais velhas, eu e meu irmão caçula dormimos. O bebê dorme com mamãe e papai, pois ainda é muito novinho. Por mais que eu não queira admitir, estou com medo. Eloisa é chorona, mas vi Vivian chorar também, o que não pode significar coisa boa...

Ouço mamãe do lado de fora, seus paços rápidos se aproximam do quarto com a porta fechada. Não posso evitar, seguro a respiração. Quando a porta de madeira se abre, o rosto cansado de minha mãe aparece antes de seu corpo esguio.

– Lou? – chama ela entrando no quarto, recebendo olhares ansiosos. – Lou?

Quando seus olhos caem em mim, engulo em seco. Seus olhos estão vermelhos. Vermelhos de choro.

-- Ah, minha menininha! – choraminga, vindo se sentar ao meu lado. Entrego o bebê para Eloisa, que sai com ele para fora.

Um barulho alto de motor de carro e pneus no cascalho me faz erguer os olhos para a janela, mas antes que eu consiga ver quem está lá fora, mamãe pega meu rosto com ambas as mãos, fazendo-me mirar seus olhos.

-- Prometa-me que vai ser uma boa menina! – sua mão calejada me faz um carinho na bochecha, de leve. – Não importa... não importa o que aconteça, seja uma boa moça e, lembre-se, nós te amamos...

-- Mas mãe...

-- Prometa-me! – seu olhar sério, mas cheio de amor, me faz fechar o bico.

-- Prometo... – escuto uma porta bater com força, então passos dentro da casa. – O que está acontecendo?

Ela desvia o olhar, mordendo os lábios com força. Começo a soluçar. O que está acontecendo?

-- Mamãe? – repito. – Mamãe olhe para mim! Eles não vieram... – engasgo. – Não são eles, são?

A porta se abre com tudo e viro-me para olhar, assustada, um homem alto e branco invadir o quarto, caminhando até mim. Encolho-me na cama, onde estou sentada, e mamãe se põe de pé, erguendo as mãos, implorando:

-- Não leve minha menina, por favor... – ele a ignora, chegando até mim e me levantando, enquanto me debato sem parar. – Não á leve, pelo amor de Deus!

Enquanto sou arrastada de dentro de minha casa, com mamãe gritando atrás de mim, consigo ver de longe meu pai. Ele está correndo, mas ainda está muito longe... O homem branco me joga para dentro do carro e eu bato a cabeça com força no vidro do outro lado, meus olhos ficam embaçados por dois segundos. Quando papai chega até o carro, esmurrando o vidro com as mãos e gritando meu nome, o carro começa a andar, ganhando velocidade.

-- Lou? – grita papai. – Lou!!

Mamãe e minhas irmãs estão chorando, ao fundo, enquanto ele ainda corre atrás de mim.

Quando não os vejo mais por causa da distancia, olho para frente, mirando o homem sentado ao volante. Ele é branco, mais branco que os outros brancos. Eloisa diria que ele é pálido, ou transparente. Eu diria que ele é assustador.

Respiro fundo, tentando me acalmar. Fui escolhida. A partir de agora serei uma empregada doméstica. Tenho 13 anos, já sou grandinha o suficiente para cuidar de mim... Uma lagrima teimosa escorre por meu rosto, e sem evitar, olho para trás. Isso acontece todos os dias. Meninas da minha idade e saudáveis o suficiente para trabalhar por alguns anos são levadas, á força na maioria das vezes, para trabalhar na casa de brancos. As grandes fazendas contêm centenas de empregados... Serei apenas mais uma das varias meninas tiradas de suas casas e famílias para servirem chá para as madames.

Quando sinto o carro parar, meus olhos entram em foco novamente. Durante todo o trajeto, eu não mirava nada especificamente. Não podia ver nada, não ouvia ou sentia. Por vários minutos, apenas o que fiz foi existir...

-- Saia. – diz o homem ao abrir a porta do carro para mim.

A casa era grande e branca. De dois andares, com janelas e portas azuis. Ao fundo, um campo cheio de trabalhadores que plantavam ou colhiam algo, um campo de pastos verdes, um celeiro e uma vasta área com figueiras. Um lugar muito bonito.

-- Acompanhe essa senhora. – com isso, sigo a mulher que ele me indica, que na verdade aparenta ter a minha idade. Caminhamos até a lateral da casa, passando por uma horta bem cuidada e alguns tanques de lavar roupa até chegar á uma porta pequena e com a pintura gasta.

– Aqui é a entrada dos empregados. – diz ela. – Use esta porta, sempre.

Balanço a cabeça, então entramos em um pequeno corredor. O cheiro de carne sendo assada faz meu estomago roncar baixinho. Alguns empregados passam de um lado para o outro, carregando roupas, verduras e artefatos de cozinha.

-- Qual o seu nome, mocinha? – olho para a moça á minha frente. Ela cumprimenta a todos que passam por nós, sorrindo.

-- Lou, senhora. – digo, tímida.

-- Lou? Nome ou apelido?

-- Lou, de Louvenia. – explico.

Quando chegamos á cozinha, entendo porque do cheiro tão agradável. Há comida por todo lado, em cima das mesas, dos balcões. Bolos, tortas, carne assada. Cozinheiros mechem nas panelas ferventes e jogam temperos nas coisas, tudo ao mesmo tempo.

-- Venha, vou mostrar seu quarto. – ela sorri para mim. – Aliás, meu nome é Rute.

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desculpa por não ter postado  domingo gente... por isso vai dois capitulos hj!!

estrelinhas não custam nada e nem tempo!! 

;P

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